DOI: S0100-7203(12)03400703 - volume 34 - Julho 2012
Carla Vitola Gonçalves, Raul Andres Mendoza-Sassi, Juraci Almeida Cesar, Natália Bolbadilha de Castro, Ana Paula Bortolomedi
Introdução
A obesidade é um dos maiores problemas de saúde publica no mundo moderno, tanto em países desenvolvidos1-3 como nos em desenvolvimento1,4. Quando comparados aos indivíduos com peso normal, os com sobrepeso mostram maior risco de desenvolver diabetes mellitus (DM), dislipidemia e hipertensão arterial (HAS), condições que favorecem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV)2,5.
Em relação ao período gestacional, o maior risco para complicações são para as gestantes obesas, que estão suscetíveis a diabetes, hipertensão, parto cirúrgico, enquanto seus filhos são mais propensos a apresentarem macrossomia, riscos de malformação fetal e maior mortalidade perinatal6-17. No entanto o baixo peso materno também aumenta os riscos de desfechos desfavoráveis para a mãe e para o concepto, entre os quais pode ser citada a restrição de crescimento intrauterino e a prematuridade6,7,18,19.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)20, o monitoramento do ganho ponderal durante a gestação é um procedimento de baixo custo e de grande utilidade para o estabelecimento de intervenções nutricionais visando redução de riscos maternos e fetais. A orientação nutricional pode proporcionar um ganho de peso adequado, prevenindo o ganho excessivo ou diagnosticando o ganho ponderal insuficiente. O Institute of Medicine dos Estados Unidos (IOM-EUA) reconhece o peso pré-gestacional como um dos principais determinantes do ganho ponderal, recomendando que o ganho de peso ideal seja avaliado em função do estado nutricional inicial da gestante, sendo este definido de acordo com as categorias de índice de massa corporal (IMC)21.
O IMC vem sendo um importante instrumento na avaliação do estado nutricional de adultos. Esse índice é calculado pela divisão do valor da massa corporal em quilogramas pelo quadrado da estatura em metros (IMC=kg/m2). Apesar de haver algumas limitações quanto ao seu uso, o IMC é largamente utilizado por vários motivos: a alta correlação com a massa corporal e indicadores de composição corporal; a capacidade de predizer riscos de patologias; e tornar dispensável o uso de dados de referência antropométricos no diagnóstico do estado nutricional. Para isto é, utiliza-se um ponto de corte fixo ao invés de um valor de distribuição populacional (por exemplo, um indivíduo com IMC >30 apresenta um determinado risco relacionado obesidade, ou seja, trata-se de um índice simples e conveniente, para o qual há muitos bancos de dados epidemiológicos disponíveis. De qualquer modo, tirando-se os extremos da magreza e excesso de peso, observados em alguns segmentos da população (atletas e/ou trabalhadores que desenvolvem grande massa muscular), o IMC parece válido como indicador do estado nutricional para a maioria dos indivíduos20.
A OMS, o IOM, The Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada (SOCG) e o Ministério da Saúde do Brasil22 recomendam ganhos de peso diferenciados de acordo com o estado nutricional pré-gestacional9,20-22. Mulheres que apresentam baixo peso devem ter um ganho ponderal de 12,5 a 18,0 kg; gestantes de peso adequado de 11,5 a 16,0 kg; mulheres com sobrepeso de 7,0 a 11,0 kg; e gestantes obesas devem apresentar ganho menor ou igual a 7,0 kg.
Como o estado nutricional pré-gestacional e o ganho ponderal têm implicação direta na saúde materna-infantil, objetivamos com este estudo avaliar o impacto do IMC pré-gestacional e do ganho de peso no desfecho gestacional, para que esta medida possa ser implantada e valorizada pelos serviços de saúde que realizem pré-natal.
Métodos
Este estudo foi realizado no município do Rio Grande que possui cerca de 200 mil habitantes e é localizado na planície costeira Sul do estado do Rio Grande do Sul. Sua economia é bastante diversificada e o seu produto interno bruto (PIB) per capita/ano é de aproximadamente R$ 19.000,00. No quesito desenvolvimento, ocupa a 29ª posição dentre os 453 municípios do estado, com um o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,793. A sua rede de saúde é constituída por 32 unidades básicas, 2 hospitais gerais e 5 ambulatórios. Pelo menos 99% dos partos ocorrem em nível hospitalar. Apesar do coeficiente de mortalidade infantil ter declinando nos últimos anos, chegando a 16/1.000, ainda é superior média do estado, com cerca de 13/1.00023.
O delineamento utilizado para o estudo foi do tipo transversal de base populacional. Na pesquisa, foram incluídos todos os nascimentos ocorridos nas duas únicas maternidades do município (Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande e Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande - FURG) entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2007. Estes recém-nascidos deveriam ter peso igual ou superior a 500 gramas ou 20 semanas ou mais de idade gestacional, sendo que suas mães deveriam residir na área urbana ou rural do município.
Dez entrevistadoras foram treinadas para atuar neste estudo. Destas, oito eram acadêmicas do Curso de Medicina da FURG e as outras eram graduadas em Serviço Social. Este treinamento consistiu da leitura do questionário e do manual de instruções, na sua aplicação entre duplas e perante o grupo de entrevistadores. O estudo piloto foi realizado nas duas maternidades da cidade com o objetivo de testar o questionário a ser utilizado, bem como avaliar o tempo necessário realização da entrevista.
Estes entrevistadores visitavam diariamente as duas maternidades da cidade, que distam não mais que cem metros uma da outra. Todas as informações deste estudo foram coletadas com uso de questionário único pré-codificado, com as mães sendo entrevistadas na maternidade em até 24 horas após o parto. Este questionário investigou características demográficas, nível socioeconômico e assistência recebida durante a gestação e o parto.
A identificação das gestantes era feita pela informação obtida diretamente junto gestante e confirmada através do livro de registro de nascimento de cada maternidade. As parturientes residentes no município do Rio Grande recebiam explicações sobre os objetivos do estudo e convite para participar. Havendo concordância, um termo de consentimento era assinado pela gestante autorizando a realização da entrevista. Ao final de cada dia de trabalho, o entrevistador codificava os questionários por ele aplicados e, no dia seguinte, os entregava na sede do estudo onde os questionários eram revisados e entregues digitação.
Dentre as 2.557 puérperas entrevistadas, apenas 1.235 tinham informação referente ao peso no início e no final do pré-natal. Portanto, o ganho de peso durante o período gestacional foi avaliado apenas neste grupo. Quanto ao cálculo do IMC, este só foi possível ser realizado em 1.117 puérperas. Além do IMC e do ganho de peso, outras variáveis independentes como idade, cor, ter companheiro, escolaridade e renda per capita foram analisadas como fatores de confusão. Quanto ao desfecho gestacional, os dados referentes hipertensão e o diabetes mellitus seguiram o relato da paciente. Os dados referentes a trabalho de parto prematuro, tipo de parto e o peso do recém-nascido ao nascer foram coletados do registro médico.
A digitação dos questionários era duplamente realizada por digitadores independentes, em ordem inversa ao do primeiro, no programa Epi-Info 6.04. Ao término da digitação de cada lote, realizava-se comparação das digitações. A análise estatística consistiu na descrição da amostra estudada, seguido de uma análise ajustada para idade, cor, ter companheiro, escolaridade, renda e os cinco desfechos de interesse e cálculo das razões de Odds. Nos desfechos hipertensão, diabetes mellitus, trabalho de parto prematuro e cesárea (dicotômicos), o ajuste foi realizado mediante a utilização da regressão logística. No caso do peso ao nascer, categorizado em três grupos, o ajuste do modelo foi realizado utilizando-se a regressão logística multinomial, tendo como categoria base ao grupo de 2.500 a 4.000 g. A regressão foi de tipo "backward stepwise" e o critério para permanência no modelo foi de p≤0,05. Em todas as análises, foi adotado valor p<0,05 de um teste bicaudal. Os cálculos da análise ajustada foram realizados no programa Stata 11.
O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da FURG. Além disso, garantiu-se a confidencialidade dos dados, a participação voluntária e a possibilidade de deixar o estudo a qualquer momento, sem necessidade de justificativa.
Resultados
Das 1.235 puérperas incluídas, 53,6% apresentavam idade entre 20 e 29 anos; 65,9% eram de cor branca; 82,9% tinham companheiro; 46,9% referiam ter 4 anos ou menos de estudo e 74,4% relatavam renda familiar superior ou igual a 1 salário-mínimo. Em relação ao pré-natal, a cobertura encontrada foi de 100% nesse grupo.
Quanto aos dados referentes ao peso, 63,1% das puérperas referiam ter peso entre 51 e 70 kg no início da gestação, com uma média de 63,6 kg. Ao final do pré-natal, 51,4% das puérperas estavam com peso de igual ou superior a 71 kg, com média de 73 kg. O ganho de peso durante a gestação foi de até 12 kg em 70,9% das gestantes. Entre as 1.117 entrevistadas, das quais foi possível calcular o IMC no início da gestação, 55,9% estavam incluídas nos valores entre 18,5 e 24,9 (Tabela 1).
Em relação ao risco gestacional e o valor do IMC no início da gestação, podemos observar que o grupo com IMC entre 18,5 e 24,9 apresentou maior risco de ter hipertensão quando comparado aos os outros grupos. Quanto ao risco de parto cesárea observou-se que quanto maior o IMC no início da gestação, maior o risco de parto cirúrgico, sendo maior no grupo de IMC≥30 (p=0,004). Outra variável influenciada pelo IMC gestacional foi o peso do recém-nascido, quando fica evidente que quanto maior o IMC no início da gestação, menor o risco de baixo peso ao nascer (p=0,007) e maior o risco de macrossomia (p=0,001). Não foi observado aumento na incidência de diabetes e risco de trabalho de parto pré-termo nas pacientes dos diferentes grupos de IMC (Tabela 2).
Na Tabela 3 tem-se o desfecho gestacional em relação ao ganho de peso na gestação e pode-se observar que tanto o desenvolvimento de hipertensão como o de diabetes não apresentaram associação significante com ganho ponderal. No entanto, o risco de trabalho de parto prematuro foi maior no grupo de mulheres que apresentavam um ganho de peso ≤8 kg (p<0,05). Em relação via de parto, observa-se que quanto maior o ganho de peso durante a gestação, maior o risco de parto cirúrgico, sendo maior no grupo com ganho ≥17 kg (p=0,001). O peso do recém-nascido também foi influenciado pelo ganho de peso materno, sendo evidenciado que quanto maior o ganho de peso gestacional, menor o risco de baixo peso ao nascer (p=0,01) e maior o risco de macrossomia, principalmente no grupo com ganho ≥17 kg (p=0,03).
Discussão
O sobrepeso e a obesidade apresentam uma prevalência elevada em todo o mundo23. Um estudo retrospectivo realizado com mulheres inglesas demonstrou um aumento nas taxas de obesidade de 9,9%, em 1990, para 16% em 2004, com projeção para 22% em 201024. Admite-se que 19 a 38% das gestações ocorrem em mulheres com sobrepeso ou obesas25. No presente estudo pode-se observar que 23,2% das gestantes apresentavam sobrepeso no início da gestação e 13% eram obesas. No Brasil, resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (NUPENS/USP), no qual 27% apresentavam-se com sobrepeso/obesidade26. Outro parâmetro avaliado por este estudo foi o ganho de peso gestacional, sendo em média de 9,4 kg, com um ganho excessivo de peso presente em 29,1% das gestantes. Estudos brasileiros com gestantes da rede básica de saúde encontraram uma incidência de ganho ponderal excessivo de 29% e insuficiente de 36,5 a 38%25,27-29.
A inadequação do estado antropométrico materno, tanto pré-gestacional como gestacional, constitui um problema de saúde pública inquestionável, pois favorece o desenvolvimento de intercorrências gestacionais e influencia nas condições de saúde materna e do concepto, no período pós-parto7,14,15. Estudo de caso-controle realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) verificou que sobrepeso/obesidade durante a gravidez estão associados hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e hipertensão arterial crônica, e que o risco de pré-eclâmpsia duplica para cada 5 a 7 kg/m2 de aumento no IMC no início da gestação17. Da mesma forma, vários estudos associam o ganho de peso excessivo na gestação a um maior risco de desenvolver hipertensão, diabete, parto cirúrgico e obesidade9,20-22.
A literatura associa sobrepeso/obesidade pré-gestacional e ganho ponderal excessivo na gestação com o risco de desenvolvimento de hipertensão e diabete, mas esta associação não foi encontrada neste estudo. Estes achados podem estar associados ao não diagnóstico destas morbidades entre as gestantes estudadas visto que a hipertensão e a hemorragia ainda são as principais causa de óbito materno no Brasil30,31. Estudo anterior realizado no município do Rio Grande observou que, apesar da cobertura pré-natal ser de 95,8% e a média de consultas ser de 7,4 consultas/gestante, quando se avalia a qualidade da atenção prestada, apenas 26,8% tem seu pré-natal classificado como adequado32.
Outro parâmetro do desfecho gestacional avaliado neste estudo foi a presença de parto pré-termo. O IMC pré-gestacional não influenciou no risco de trabalho de parto pré-termo, mas observou-se associação entre ganho ponderal e prematuridade. Foi observado que as gestantes com um ganho de peso ≤8 kg durante a gestação apresentaram maior risco de parto pré-termo. No Brasil, a partir da década de 1990, ocorreu o aumento da frequência de prematuridade que passou de 5%, em 1994, para 6,5% em 200418. Entre os fatores de risco associados ao parto prematuro, estão o baixo peso materno pré-gestacional e o insuficiente ganho de peso materno10,18,19,33.
A prevalência de cesariana na população estudada foi de 53,2%, sendo muito superior aos 15% preconizado pela OMS. O Brasil apresenta uma das maiores taxas mundiais de parto cesárea, segundo o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), a taxa de cesariana no país aumentou de 39%, em 1994, para 44% em 200534. Em nosso estudo, a via de parto apresentou relação direta com IMC pré-gestacional e o ganho de peso durante a gestação. As mulheres com sobrepeso/obesidade e com ganho ponderal >9 kg apresentaram um maior risco de ter o parto por via cirúrgica. Vários autores correlacionam sobrepeso/obesidade gestacional com o risco aumentado de parto cesárea entre as principais indicações para este procedimento está a desproporção céfalo-pélvica (DCP), síndromes hipertensivas e diabetes6,10,14,15,19,35. Estudo realizado por Seligman et al.15 demonstrou que as mulheres obesas tiveram uma maior taxa de indicação de cesariana, e que todas as indicações relatadas, exceto apresentação anômala, foram superiores em pacientes obesas quando comparada com gestantes eutróficas. Para estes pesquisadores, as mulheres obesas são mais suscetíveis ao trabalho de parto prolongado, devido a seus maiores tecidos moles pélvicos, resultando em um canal de parto estreito. Assim, a cesariana acaba sendo recomendada nessas mulheres, a fim de prevenir estresse fetal.
Quanto ao peso do recém-nascido ao nascer, foi constatado, em nosso estudo, que mulheres que iniciam a gestação desnutridas ou que apresentam ganho de peso insuficiente, tem risco mais elevado de terem recém-nascidos com peso inferior a 2.500 g. Em contrapartida, os fetos de mulheres com sobrepeso/obesidade no início da gestação ou com maior ganho de peso tendem a macrossomia. Vários estudos associam desnutrição materna a uma maior prevalência de restrição de crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer (PIG), sendo a desnutrição crônica mais importante que o ganho ponderal insuficiente durante o período gestacional gestacional12,13. Por outro lado, a obesidade tem um impacto significativo sobre o metabolismo dos macronutrientes, alterando a síntese de aminoácidos, resultando em uma possível interferência no desenvolvimento do concepto. Desta forma, a obesidade materna e o ganho de peso excessivo podem estar associados macrossomia e/ou obesidade futura para a criança8,13,28,36. Estudo realizado no Rio de Janeiro, com 230 gestantes, revelou que mulheres com ganho de peso excessivo na gestação apresentam 5,83 vezes mais chances de dar luz uma criança com macrossomia28.
Podemos concluir que tanto o sobrepeso/obesidade pré-gestacional como o ganho de peso insuficiente ou excessivo durante a gestação têm implicações diretas sobre o risco gestacional e o seu desfecho. Além disso, estudos associam o ganho de peso excessivo na gestação a um maior risco de desenvolver sobrepeso/obesidade nos próximos 15 anos35,37. Os médicos clínicos ou pré-natalistas devem estar preparados para orientar as mulheres da importância da redução do peso antes do início da gravidez e também de como evitar o excesso de ganho de peso na gestação. Para que isto seja realizado, a avaliação do IMC deve ser feita tanto nas consultas clínicas, como na primeira consulta de pré-natal. O cálculo do IMC, além de ser um instrumento que auxilia no desenvolvimento de intervenções precoces, apresenta baixo custo de realização.
Recebido: 04/04/2012
Aceito com modificações: 06/06/2012
Conflito de interesses: não há.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasil.