DOI: 10.1590/S0100-72032011001100007 - volume 33 - Novembro 2011
José Richelmy Brazil Frota Aragão, Francisco Edson de Lucena Feitosa, Carlos Augusto Alencar Júnior, Rodney Paiva Vasconcelos, Melânia Maria Ramos de Amorim, Renato Passini Júnior
Introdução
Durante as duas últimas décadas, observou-se uma crescente incidência de cesarianas no mundo. Os escores desta cirurgia elevaram-se em muitos países desenvolvidos, sendo mais pronunciados nos Estados Unidos1, passando de 5,5%, em 1970, para 21,2%, em 1998. Estes números são ainda mais elevados no Brasil2, em que a taxa atingiu a cifra de 38,6% em 2002.
Na intenção de diminuir esses valores, novas formas de antecipação eletiva do parto têm sido estudadas. A alternativa que se impõe, quando há indicação de interrupção da gravidez, é a indução do parto. No entanto, um dos principais inconvenientes ao seu êxito é a presença de uma cérvice uterina geralmente desfavorável3.
Durante muitos anos, desde que foi criado em 1964, o escore de Bishop, com suas cinco variáveis altura da apresentação do polo fetal; grau de apagamento; dilatação; posição e consistência do colo uterino4 , tem sido largamente empregado como o principal fator preditivo do tempo de duração do trabalho de parto e do tipo de parto, sempre que existe necessidade clínica ou obstétrica de se realizar uma indução. Em 1996, a avaliação do grau de apagamento cervical foi substituída pelo comprimento do colo uterino, em centímetros. Desde então, passou a ser chamado de escore de Bishop modificado5.
Visando suprir a necessidade de um método mais objetivo no tocante à avaliação cervical, surgiu no início dos anos 1980 uma técnica de avaliação do colo uterino a partir do uso da ultrassonografia (USG) transvaginal. No início, o método foi usado concomitantemente ao escore de Bishop durante o exame cervical, com o objetivo de predição do trabalho de parto prematuro. Estudos iniciais demonstraram existir uma associação entre o tamanho cervical e o risco de parto prematuro. Assim, quanto menor o comprimento do colo, maiores as chances de prematuridade6. Nos últimos anos, vem sendo considerado o papel da USG transvaginal na avaliação cervical e na predição do sucesso da indução do parto. Em tese, o método permite uma mensuração cervical mais clara e objetiva, permitindo teoricamente uma avaliação mais fidedigna do orifício interno do colo uterino, em detrimento do escore de Bishop7-9. Tem sido relatado que a medida do comprimento do colo resulta em melhor predição do sucesso da indução do que o escore de Bishop, representando um procedimento seguro, rápido e objetivo, com baixo custo e boa aplicabilidade.
Desta forma, o presente estudo foi realizado com o objetivo de comparar a acurácia da medida cervical por USG transvaginal com o escore de Bishop para predição do parto vaginal, em pacientes submetidas à indução do parto com misoprostol.
Métodos
Realizou-se um estudo de validação de técnica diagnóstica, no qual foram incluídas 126 gestantes com indicação de antecipação eletiva do parto pela indução do trabalho de parto. As pacientes foram atendidas no período de 1 de abril de 2005 a 31 de dezembro de 2006, na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (MEAC-UFC), em Fortaleza, Ceará, Brasil. O estudo foi realizado como parte de um ensaio clínico randomizado para comparação do misoprostol vaginal e sublingual na indução do parto, conduzido na instituição10. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local e as pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Os critérios de inclusão foram: gestação de 37 a 42 semanas, apresentação cefálica, peso fetal estimado entre 2.500 e 4.000 g, escore de líquido amniótico (ILA) maior do que 5 cm, cardiotocografia (CTG) anteparto basal normal e escore de Bishop £6. Os critérios de exclusão foram: cesárea prévia, amniorrexe prematura, apresentação anômala, provas de vitalidade fetal alteradas (CTG, perfil biofísico fetal ou Doppler), restrição de crescimento fetal, gestação múltipla e presença de sangramento genital.
As pacientes foram avaliadas antes da indução com uso do escore de Bishop e da USG transvaginal. Para avaliação do escore de Bishop, realizou-se toque vaginal, observando-se as seguintes variáveis: altura da apresentação, dilatação, comprimento, consistência e posição do colo, atribuindo-se a cada uma delas escores variando de zero a três. Em seguida, procedeu-se à soma dos pontos evidenciados, obtendo-se o escore de Bishop modificado5.
A USG transvaginal foi realizada para mensurar o colo uterino. O transdutor endovaginal foi introduzido até o lábio anterior do colo, procurando-se a melhor imagem em corte longitudinal, com posterior congelamento. Em seguida, procedeu-se à medida do comprimento cervical por meio de caliper em +, desde o orifício interno até o externo do colo, em milímetros.
Depois dessas etapas, foram administrados, para cada paciente, os comprimidos sublingual e vaginal do misoprostol, sendo que, a cada administração, um dos comprimidos apresentava 25 mcg de misoprostol, enquanto o outro, apenas placebo. A CTG foi repetida, juntamente com o toque vaginal bidigital para reavaliação do Bishop, a cada seis horas ou a qualquer momento caso houvesse relato de dor pela paciente ou qualquer suspeita de sofrimento fetal agudo.
Neste mesmo intervalo, novos comprimidos foram administrados pelo médico obstetra plantonista até o surgimento de pelo menos duas contrações uterinas de 30 segundos de duração em dez minutos, com o uso de, no máximo, oito comprimidos.
Ao diagnosticar-se trabalho de parto ativo (atividade uterina regular associada a um colo uterino dilatado a mais que 3 cm e apagado completamente), a gestante foi encaminhada ao centro obstétrico, onde foi realizado o restante do acompanhamento do trabalho de parto.
Nos casos em que, após seis horas da administração dos últimos comprimidos, as pacientes não entraram em trabalho de parto e o escore de Bishop continuou menor ou igual a seis, a indução foi considerada falha e a gestação foi resolvida por via abdominal.
Na presença de taquissistolia (seis ou mais contrações uterinas em dez minutos), orientou-se repouso em decúbito lateral esquerdo (DLE) e hidratação rápida com 1.000 mL de ringer lactato (RL) por 30 minutos (na ausência de contraindicações). Quando da persistência do quadro, iniciou-se tocólise aguda com nifedipina 20 mg por via oral (VO). Uma vez diagnosticada a síndrome de hiperestimulação (com padrão de frequência cardíaca fetal não tranquilizadora associado à taquissistolia), a gestação era interrompida com cesariana.
A análise dos dados foi realizada utilizando-se o software estatístico SPSS 17.0 (SPSS Co, Chicago, IL, USA). Para testar a associação entre a mensuração cervical por USG transvaginal e o parto vaginal, utilizou-se o teste t de Student. Para a associação entre o escore de Bishop e o parto vaginal, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney.
Foram construídas curvas ROC para cada método (medida ultrassonográfica do colo ou escore de Bishop), comparando-se as respectivas áreas sob a curva. Foram determinados, ainda, os parâmetros de acurácia (sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo, razão de verossimilhança positiva e negativa) para cada método.
Resultados
Durante o estudo foram acompanhadas 126 gestantes, com distribuição homogênea entre os grupos que utilizaram o misoprostol sublingual ou vaginal em relação à idade materna, paridade e idade gestacional.
A média e o desvio padrão (DP) de idade materna encontrados foram, respectivamente, 24,5 e 5,9 anos. Em relação ao número de gestações, a paridade mínima observada foi zero, enquanto a máxima foi de oito partos prévios, apresentando média (DP) de 2 (1,6). Oitenta e uma pacientes eram nulíparas, correspondendo a 64,3% do total.
Por meio de USG, evidenciou-se a idade gestacional, variando entre 37 e 42 semanas, com média (DP) de 39,6 (1,4). Quando a idade da gestação foi avaliada, tomando-se como base a última menstruação (UM), encontrou-se, também, variação de 37 a 42 semanas, porém com média (DP) de 40,1 (1,5). Um total de 10,3% das pacientes não soube informar a data da UM (Tabela 1).
Em 46,8% dos casos (59 pacientes), a indução do trabalho de parto deveu-se a gestações prolongadas. As síndromes hipertensivas aparecem como segundo maior motivo, correspondendo a 35,7% das gestantes (45 pacientes). As outras causas somadas foram responsáveis por 17,5% das induções (22 pacientes).
Após a administração do misoprostol, 73 pacientes (57,9%) evoluíram para parto vaginal, enquanto as outras 53 gestantes (42,1%) foram submetidas à cesariana. Com relação à indicação da cesárea, observou-se que 43,4% (23 casos) dos casos aconteceram por conta de malogro de indução; 30,2% (16 casos) ocorreram devido a algum tipo de distocia durante o trabalho de parto; 22,6% (12 casos) foram por sofrimento fetal agudo e apenas 3,8% (dois casos) tiveram sua etiologia em um quadro de iminência de eclâmpsia.
O índice de Bishop foi menor que quatro em 68 casos (54%) e se apresentou maior ou igual a quatro nas demais 58 pacientes, o que correspondeu a 46% dos casos. Nas situações em que o índice de Bishop foi menor que quatro, a mediana encontrada foi de três, com mínimo de um e máximo de três. Já naqueles casos onde o referido índice foi maior ou igual a quatro, achou-se uma mediana de quatro, com mínimo de quatro e máximo de seis (Tabela 2).
Ao realizar-se a análise do comprimento do colo uterino medido por USG transvaginal e sua associação com o tipo de parto, encontrou-se, entre as pacientes que evoluíram para parto vaginal, uma média do tamanho do colo de 29,2±10,1 mm. Já naquelas em que o desfecho ocorreu por cesariana, obteve-se uma média do tamanho do colo de 29,7±8,0 mm. Construiu-se uma curva ROC avaliando o comprimento do colo uterino como preditor do parto vaginal. Nesta análise, a área sob a curva foi de 0,5 (IC 95%=0,4-0,6), com p=0,8 (Figura 1).
Avaliando-se o escore de Bishop, encontraram-se os seguintes valores associados com parto vaginal: média de 3,6±1,2 cm e mediana de 4 cm. Nos casos em que evoluíram para cesariana, estes valores foram de, respectivamente, 3,2±1,5 e 3 cm. A curva ROC, avaliando o escore de Bishop como preditor de parto vaginal, apresentou uma área sob a curva de 0,6 (IC 95%=0,5-0,7) e p=0,02 (Figura 2).
Com o uso do teste de regressão logística, comparou-se as duas curvas ROC, demonstrando-se ser o escore de Bishop, efetivamente, um melhor preditor de parto vaginal. Analisando-se os parâmetros de acurácia, um índice de Bishop inicial maior ou igual a quatro apresentou sensibilidade de 56,2% e especificidade de 67,9% para parto vaginal, com razão de verossimilhança positiva de 1,75 e negativa de 0,65. A acurácia observada do escore de Bishop inicial maior ou igual à quatro para predição do parto vaginal foi de 62%.
Das 81 pacientes nulíparas, 45 evoluíram para cesárea. Destas, 75,6% apresentavam índice de Bishop menor que quatro e 24,4% tinham Bishop maior ou igual a quatro. Naquelas que apresentaram parto vaginal, 41,7% obtiveram avaliação do Bishop menor que quatro, enquanto que, nas outras 58,3%, o índice de Bishop encontrado foi maior ou igual a quatro (p=0,003 para o teste exato de Fisher Tabela 3).
Discussão
O misoprostol, na dose de 25 mcg, foi efetivo na evolução do trabalho de parto para parto vaginal em 57,9% dos casos. Este resultado está de acordo com os de diversos outros estudos, documentando a eficácia do misoprostol para indução do trabalho de parto com feto vivo11-14. As taxas de cesárea, relativamente elevadas, podem refletir a conduta do serviço e a baixa tolerância das equipes de plantão em aguardar o parto vaginal em pacientes submetidas à indução.
No tocante à avaliação ultrassonográfica do colo uterino, entretanto, esta não se mostrou um bom método preditor de parto vaginal em pacientes com trabalho de parto induzido com misoprostol. As médias de comprimento cervical foram semelhantes entre as pacientes que tiveram parto vaginal e aquelas submetidas à cesariana, o que não permite estabelecer o valor apropriado para um ponto de corte com o qual se pudesse predizer o resultado final da indução. Por meio da curva ROC, confirmou-se este achado, não demonstrando-se associação significativa entre a medida ultrassonográfica do colo do útero e a evolução para parto vaginal15-18.
Trabalhos publicados nos últimos anos têm estudado o papel da USG transvaginal na avaliação cervical e na predição do sucesso da indução do parto7-9. No entanto, seus resultados têm sido discrepantes quando comparam a medida ecográfica do colo com o escore de Bishop ou somente com a dilatação cervical. Essa discrepância nos resultados dos diversos estudos pode refletir a utilização de pontos de corte inadequados para avaliar o colo uterino. Um estudo demonstrou que colos menores do que 30 mm evoluíam para parto vaginal em 100% dos casos, enquanto aquelas cérvices maiores ou iguais a 30 mm só indicavam parto vaginal em 73% das vezes19. No entanto, os presentes resultados são bem diferentes, uma vez que a média do tamanho do colo encontrado, tanto nas pacientes que tiveram parto vaginal, quanto naquelas que tiveram cesariana, foi em torno de 29 mm.
Outra pesquisa, ao avaliar o intervalo entre o início da indução do trabalho de parto e o parto vaginal, encontrou que a cervicometria aparecia como boa preditora isolada da mensuração deste intervalo20. Todavia, o ponto de corte utilizado foi de 40 mm, portanto, concluiu-se que colos maiores que 30 mm, porém menores que 40 mm, poderiam ter uma evolução satisfatória para o parto vaginal com um intervalo de tempo aceitável.
Um ensaio clínico com 152 gestantes encontrou que a avaliação cervical por USG e a paridade representaram fatores preditivos isolados para cesariana depois da indução de misoprostol21. No entanto, o ponto de corte utilizado para o tamanho do colo uterino foi de 20 mm, o que está em desacordo com o que encontraram os dois estudos prévios citados19,20. Esse ponto de corte também não corresponde à média de tamanho cervical encontrada nesta pesquisa, que foi de 29 mm. Além da questão dos pontos de corte, julgou-se que outros fatores também podem justificar essas discrepâncias, como diferenças na população estudada e nas variáveis estudadas, além das condutas distintas de cada serviço, podendo resultar em taxas de cesariana e parto vaginal bastante diferentes.
Cumpre destacar que, ao contrário do evidenciado para a medida ultrassonográfica do colo uterino, encontrou-se uma acurácia bem maior do escore de Bishop, que se evidenciou com um bom preditor de parto vaginal em pacientes submetidas à indução com misoprostol 25 mcg. A área sob a curva ficou em torno de 62% e o melhor ponto de corte encontrado foi o de 40 mm, a partir do qual, quanto maior o escore de Bishop, maior a chance de evolução para parto vaginal.
Este resultado é semelhante ao encontrado em diversos outros estudos, os quais evidenciam ser o escore de Bishop um bom preditor para parto vaginal15-18,22-25. Entretanto, o ponto de corte encontrado (40 mm) difere dos resultados de alguns outros estudos que descreveram pontos de corte distintos. Um estudo, incluindo 80 gestantes, utilizou um ponto de corte para o escore de Bishop de seis, e evidenciou que, abaixo deste valor, a medida do colo por USG maior que 30 mm tornava-se melhor preditora dos resultados finais da indução18. Os próprios autores lançaram um questionamento em relação a um ponto de corte alto para o escore de Bishop, uma vez que, nas pacientes em que o tamanho do colo era maior que 30 mm e o escore de Bishop era quatro, houve necessidade de doses menores de misoprostol sem grandes diferenças na predição entre os dois grupos.
Por outro lado, um ensaio clínico multicêntrico utilizando 240 pacientes utilizou um ponto de corte de três para o escore de Bishop, de tal forma que seus resultados evidenciaram a medida do colo (28 mm) como sendo melhor preditora dos resultados finais após indução do parto26. Acredita-se ser este um ponto de corte muito baixo, o que pode ter ocasionado este resultado.
Destaca-se que o escore de Bishop modificado ainda tem sido, ao longo dos anos, um dos métodos mais confiáveis de avaliação do colo uterino. Embora se questione a sua subjetividade, diversos estudos têm demonstrado ser este um método bastante acurado para a predição do sucesso da indução e, possivelmente, para a seleção do método a ser utilizado. Julga-se, portanto, que não se justifica sua substituição, na prática clínica, por outros métodos como a medida ultrassonográfica do colo uterino.
Claramente, novas pesquisas devem ser realizadas comparando este escore com a mensuração ultrassonográfica da cérvice uterina, padronizando-se pontos de corte para uniformização dos resultados, o que pode permitir uma metanálise. No entanto, até que estes ensaios estejam disponíveis, o escore de Bishop modificado deve continuar sendo utilizado como principal preditor dos resultados da indução do parto com misoprostol, uma vez que, apesar de sua subjetividade, sua avaliação ainda fornece os melhores subsídios na predição do sucesso da indução em termos de parto vaginal.