DOI: 10.1590/S0100-72032011001200002 - volume 33 - Dezembro 2011
Cleisson Fábio Andrioli Peralta, Lourenço Sbragia, João Renato Bennini, Ricardo Carvalho Cavalli, Monique Sampaio Rousselet, Ricardo Barini
Introdução
A incidência da hérnia diafragmática congênita (HDC) é de 1/2500 a 1/5000 nascidos vivos1,2. Oitenta e quatro por cento das lesões são do lado esquerdo do diafragma, 13% são do direito e 3% são bilaterais1-5. Em aproximadamente metade dos casos, há associação com outras anomalias estruturais ou síndromes genéticas (gênicas ou cromossômicas), sendo a taxa de mortalidade neste subgrupo próxima a 100%1-5. Considerando-se somente os casos de HDC isolada, a sobrevida neonatal varia de 30 a 70%1-5. A mortalidade elevada é atribuída à hipoplasia e à hipertensão pulmonares, acompanhadas por imaturidade tecidual, bioquímica e estrutural desses órgãos2.
A gravidade da HDC pode ser estimada no período pré-natal, por meio da avaliação ultrassonográfica do conteúdo herniado no tórax fetal e da medida da relação entre a área do pulmão contralateral à HDC e a circunferência craniana (relação pulmão/cabeça - RPC)6-15. Em um estudo multicêntrico, envolvendo 184 fetos com HDC isolada à esquerda e que foram acompanhados de forma expectante durante a gravidez, demonstrou-se que aqueles que apresentavam parte do fígado herniado no tórax e RPC <1,0 tinham chance de sobrevida pós-natal menor do que 15%13. Subsequentemente, relatou-se que a oclusão temporária da traqueia fetal com balão inflável permitia a elevação da sobrevida para aproximadamente 50% em casos com a mesma gravidade16,17.
O objetivo principal deste estudo foi comparar a sobrevida pós-natal (com alta do berçário) de fetos com HDC esquerda isolada grave, os quais foram submetidos à oclusão traqueal (OT) com a de controles não randomizados contemporâneos.
Métodos
Este foi um estudo experimental não randomizado e controlado, conduzido no Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti (CAISM - UNICAMP) de abril de 2007 a setembro de 2011, após aprovação de projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Alguns dos casos foram acompanhados desde a cirurgia fetal até o período neonatal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Parte dos resultados deste trabalho foi publicada como série de casos para demonstração da experiência inicial em um centro universitário com a técnica de OT18,19.
Para a seleção dos sujeitos da pesquisa, foram empregados os seguintes critérios de inclusão: gestantes cujos fetos eram portadores de HDC esquerda grave (com herniação hepática no tórax e RPC <1,0); idade gestacional (IG) inferior a 27 semanas completas no momento da confirmação do diagnóstico nas instituições participantes; ausência de outras anormalidades estruturais fetais graves (com necessidade de correção cirúrgica pós-natal), detectadas por meio da ultrassonografia morfológica ou da ecocardiografia e ausência de anomalias cromossômicas fetais detectadas por meio da análise cariotípica convencional. As gestantes foram incluídas após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão incluíam: desejo da paciente de retirar-se do estudo; detecção de malformações estruturais ou anormalidades cromossômicas após o nascimento e que não foram identificadas durante o pré-natal.
Antes da inclusão no estudo, detalhado esclarecimento foi oferecido à paciente quanto aos objetivos da pesquisa, à gravidade da doença fetal, às chances de sobrevida esperadas depois da conduta expectante ou da OT, aos potenciais riscos maternos e fetais decorrentes da cirurgia no pré-natal. As opções de OT ou de conduta expectante foram, portanto, disponibilizadas às pacientes, as quais foram respeitadas e apoiadas em suas decisões.
O grupo de estudo foi constituído por gestantes que optaram pela OT e o Grupo Controle foi formado por pacientes que não quiseram se submeter à cirurgia (pacientes inicialmente elegíveis para a OT, ou seja, que fizeram parte do grupo sob "intenção de tratamento").
A determinação da herniação hepática no interior da cavidade torácica foi feita somente com o uso da ultrassonografia, por meio da identificação do parênquima e dos vasos hepáticos (Doppler colorido) no interior do tórax e da posição do estômago herniado (sinal indireto: tipicamente, o estômago assume uma posição adjacente à coluna quando há herniação do fígado no tórax), como pode ser observado na Figura 1.
Para a avaliação da RPC, inicialmente foi obtido um corte ultrassonográfico transversal do tórax fetal em nível das quatro cavidades cardíacas. Nesta imagem, a área do pulmão contralateral à HDC foi desenhada manualmente (método de tracejado) e expressa em mm2 (Figura 1). Esta área foi dividida pela medida da circunferência craniana (expressa em mm) em secção transversal do polo cefálico14,20.
Protocolo para OT
A cirurgia foi agendada entre a 26ª e a 28ª semanas de gravidez. A paciente deveria permanecer internada por pelo menos três dias. O preparo para o procedimento consistiu de: jejum de pelo menos oito horas; ranitidina (150 mg) e nifedipina (20 mg) por via oral, durante oito horas e uma hora antes da cirurgia; cefazolina (1 g) endovenosa uma hora antes da OT.
Os procedimentos foram realizados em centro cirúrgico, sob condições de antissepsia preconizadas para as cirurgias laparoscópicas.
A anestesia materna foi peridural contínua (75 a 90 mg de bupivacaína 0,5% + 100 mcg de fentanil) ou combinada (5,0 a 7,5 mg de bupivacaína hiperbárica 0,5% + 5,0 a 7,5 mcg de sufentanil), administradas pelos espaços intervertebrais L3-L4 ou L4-L5.
Depois de realizada a anestesia materna, novo exame ecográfico foi realizado para avaliação da posição do feto e da placenta em planejamento final para o melhor acesso à cavidade uterina. Quando necessária, a manipulação externa do feto foi realizada com a finalidade de colocá-lo em situação longitudinal, apresentação pélvica e com a face voltada para as regiões anterolaterais direita ou esquerda do abdômen materno. Todo cuidado foi tomado para evitar os ramos mais calibrosos das artérias uterinas e as porções mais caudais do útero no acesso endoscópico.
A anestesia fetal foi realizada depois de seu adequado posicionamento, por meio de injeção intramuscular de pancurônio (0,2 mg/kg) e fentanil (15 mcg/kg), com agulha de 20 gauge/15 cm sob guia ultrassonográfica.
A OT foi realizada de acordo com passos previamente descritos5,16-19: um trocáter de 10-F com ponta piramidal (11650 TG, Karl Storz, Germany), coberto por uma cânula de Teflon□ (Performa, Cook, Belgium), foi inserido sob guia ultrassonográfica na cavidade uterina em direção à boca do feto; o trocáter foi substituído pelo sistema de fetoscopia, composto por uma camisa curva de 3,2 mm (11530 KC, Karl Storz, Germany) contendo em seu interior um endoscópio semirrígido de fibra óptica de 1,2 mm de espessura (11530 AA, Karl Storz, Germany) e um cateter (MABDPE, Balt extrusion, France) com um balão de silicone destacável (Goldbal 4, Balt extrusion, France) em sua extremidade distal. A inserção do sistema de fetoscopia na cavidade oral fetal foi guiada simultaneamente por ultrassonografia e endoscopia; deste ponto em diante, estruturas anatômicas de referência foram sequencialmente identificadas por visibilização endoscópica (superfície da língua, úvula, epiglote, cordas vocais, traqueia e carina) à medida que todo o sistema de fetoscopia foi movido adiante; o balão foi avançado e posicionado cranialmente à carina, insuflado com 0,7 mL de solução salina e destacado da extremidade do cateter.
Depois do procedimento de OT, a gestante permaneceu internada por pelo menos 24 horas em repouso relativo, recebendo nifedipina (20 mg VO de oito em oito horas) e analgésicos, se necessário.
Uma semana após o procedimento, novo exame ecográfico foi realizado com a finalidade de confirmar a presença e o adequado posicionamento do balão na traqueia fetal. Subsequentemente, novos exames foram realizados a cada duas semanas até a retirada do balão.
Protocolo para desoclusão traqueal
Para os casos submetidos à OT, a intenção inicial foi de que a desoclusão fosse realizada por via endoscópica entre a 32ª e a 34ª semana de gestação. Quando esta programação foi possível, os mesmos passos mencionados para OT foram seguidos, da internação materna até o acesso endoscópico à traqueia fetal. O balão foi puncionado com o uso de uma agulha (19 gauge) ou de uma fibra de laser de 600 µm (fonte de laser Medilas D Skinpulse - Dornier MedTech, Germany; potência de 30 a 40 W), por meio do mesmo sistema de fetoscopia usado para a OT.
Houve ocasiões em que a retirada programada do balão não foi possível , nos casos de pacientes que apresentaram sinais de trabalho de parto pré-termo antes da 32ª semana de gravidez. Nestes casos, o balão foi puncionado com agulha fina (20 gauge/15 cm) sob guia ultrassonográfica, após anestesia local materna e anestesia fetal (mesma utilizada para OT).
Conduta neonatal
No projeto de estudo, sugeriu-se que as pacientes incluídas deveriam ter seus partos nas instituições participantes, o que não foi possível devido a limitações no número de vagas nos berçários. Na Divisão de Neonatologia do CAISM-UNICAMP e no Departamento de Pediatria da da FMRP-USP, os protocolos seguidos para os recém-nascidos foram semelhantes, iniciando com intubação orotraqueal, sedação, manipulação mínima, ventilação mecânica convencional (UNICAMP) ou de alta frequência (USP). Drogas cardiovasculares e óxido nítrico foram utilizados, quando necessário. A correção cirúrgica da HDC foi programada para o momento em que os parâmetros hemodinâmicos e de oxigenação do neonato estivessem estáveis. A cirurgia consistiu de sutura primária do diafragma ou colocação de tela de pericárdio bovino.
As variáveis estudadas foram: RPC e observado/esperado da RPC (o/e RPC) no momento do diagnóstico da doença nos centros participantes e um dia antes da desoclusão traqueal; IG na OT; tempo cirúrgico (OT); complicações precoces e tardias (maternas e/ou fetais) da OT; necessidade de reoperação (nova OT); IG na desoclusão traqueal; complicações precoces e tardias (maternas e/ou fetais) da desoclusão traqueal; IG no parto; complicações neonatais; sobrevida com alta do berçário; necessidade de oxigenação de suporte após alta hospitalar e complicações tardias dos sobreviventes.
A relação o/e RPC foi obtida pela divisão da RPC medida pela mediana esperada de intervalos de referência previamente publicados14,20.
Foram consideradas complicações precoces maternas e/ou fetais da OT e da desoclusão traqueal aquelas que ocorreram durante os procedimentos ou até duas semanas completas após: sangramento materno e/ou fetal; descolamento prematuro de placenta normalmente inserida (DPPNI); extravasamento de líquido amniótico para a cavidade abdominal maternal; corioamnionite; rotura prematura pré-termo de membranas (RPPTM); trabalho de parto pré-termo (TPPT) e óbito fetal.
Foram consideradas complicações tardias maternas e/ou fetais da OT e da desoclusão traqueal aquelas que ocorreram depois de duas semanas completas dos procedimentos: DPPNI; RPPTM; TPPT e óbito fetal.
Medianas e valores máximos e mínimos foram usados para descrever as variáveis contínuas. Frequências absolutas e relativas foram calculadas para variáveis categóricas. Na comparação entre os casos submetidos à OT e aos controles, testes do χ2 ou exato de Fisher foram usados para dados categóricos e o teste de Mann-Whitney foi aplicado para variáveis contínuas. Para comparação entre a RPC e o o/e RPC antes e depois da OT, utilizou-se o teste de Wilcoxon. O programa SPSS, versão 16.0 (Chicago, IL, USA), foi usado para análise e um valor de p menor do que 0,05 foi considerado significativo.
Resultados
Durante o período de estudo, a OT foi oferecida a 47 gestantes, cujos fetos eram portadores de HDC grave. Trinta e três delas (70,2%) optaram pela cirurgia fetal e 14 (29,8%) pela conduta expectante. Dentre os 33 fetos submetidos à OT, 30 (90,9%) tinham HDC à esquerda e três (9,1%) à direita. Em meio às gestantes que decidiram pela conduta expectante, 13 (92,9%) tinham fetos com HDC à esquerda e uma (7,1%) à direita. Dois dos 30 fetos portadores de HDC à esquerda e que foram submetidos à OT tinham anomalias cromossômicas. Um desses fetos tinha cariótipo normal no líquido amniótico, anatomia normal além da HDC, mas apresentou trissomia do cromossomo 13 (provavelmente mosaico) detectada por CGH (Comparative Genomic Hybridization) no sangue após o nascimento. No segundo caso, o feto era portador de trissomia do cromossomo 21 e tinha a HDC como única malformação estrutural. A OT foi realizada após detalhada discussão com o casal e aprovação do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do CAISM-UNICAMP.
Considerando-se somente os casos de HDC isoladas à esquerda, 28 pacientes compuseram o Grupo de Estudo (OT) e 13 fizeram parte do Grupo Controle.
Não houve diferença significativa entre os dois grupos em relação à IG (p=0,9), à RPC (p=0,7) e ao o/e RPC (p=0,6) no momento do diagnóstico nos centros participantes, nem tampouco na IG por ocasião do parto (p=0,1). A mediana da IG na retirada do balão traqueal foi de 33,3 semanas (27,9-35,1). A sobrevida com alta do berçário foi significativamente maior (p=0,01) no grupo da OT (10/28=35,7%) do que no Controle (0/13=0,0%), como pode ser observado na Tabela 1.
No grupo de estudo houve significativo aumento da RPC (p<0,001) e do o/e RPC (p<0,001) entre o momento do diagnóstico da HDC [RPC: 0,80 (0,40-0,94); o/e RPC: 27,0 (15,3-45,0)] e um dia antes da retirada do balão traqueal [RPC: 1,2 (0,50-1,80); o/e RPC: 40,0 (17,5-60,0)] (Tabela 1; Figura 2).
O tempo cirúrgico principal durante a OT teve mediana de 20 minutos (5 a 60). A duração da OT (entre a inserção e a retirada do sistema de fetoscopia da cavidade uterina) teve mediana de 5,4 semanas (1,1-6,3). Em seis casos (6/28=21,4%) houve necessidade de reoperação (nova OT, uma semana depois da primeira tentativa), por esvaziamento espontâneo do primeiro balão (três casos) ou por insucesso na primeira cirurgia (três casos).
A RPPTM ocorreu em dez casos (10/28=35,7%), tendo a intercorrência ocorrido sempre após a cirurgia para desoclusão traqueal.
Em dois casos (2/28=7,1%) houve complicações maternas diretamente relacionadas à cirurgia: em um deles houve extravasamento de líquido amniótico para a cavidade abdominal materna logo após a OT, o que teve resolução espontânea em uma semana. Em outro caso, houve DPPNI uma semana depois do procedimento, o que levou à resolução da gestação, com óbito do recém-nascido, mas sem repercussões maternas importantes (não houve necessidade de transfusão sanguínea).
Complicações fetais ocorreram em dois casos (2/28=7,1%) durante e após a OT: no primeiro houve rotura da traqueia fetal durante o procedimento. A cirurgia foi suspensa e nova OT foi realizada com sucesso uma semana depois. No segundo houve óbito fetal (inexplicado) um dia depois da OT, que foi realizada sem intercorrências perceptíveis.
Os recém-nascidos do Grupo Controle tiveram óbito na primeira semana de vida por hipoplasia e hipertensão pulmonares graves (definidos por avaliação clínica do neonato).
Em meio aos 18 recém-nascidos do grupo da OT que evoluíram com óbito, quatro (4/18=22,2%) tiveram sepse como causa da morte (dois deles após correção da HDC e respirando em ar ambiente) e os demais, hipoplasia e hipertensão pulmonares graves.
Quanto ao seguimento a longo prazo das dez crianças do Grupo da OT que tiveram alta do berçário, uma teve deiscência da cicatriz cirúrgica no diafragma e teve que ser reoperada, outra teve aderências abdominais e necessitou de tratamento cirúrgico e uma terceira apresentou hérnia inguinal bilateral, também necessitando de correção cirúrgica.
Discussão
No presente estudo observou-se melhora significativa na sobrevida pós-natal com alta do berçário de fetos com HDC esquerda isolada grave, que foram submetidos à OT em relação a controles não randomizados contemporâneos. Além disso, detectou-se significativo aumento do pulmão contralateral à HDC por meio da avaliação da RPC e do o/e RPC depois da OT. Não houve complicações maternas graves, além de um caso de DPPNI, e a intercorrência mais frequente foi a RPPTM após a retirada do balão traqueal.
A técnica utilizada para OT nas pacientes foi inicialmente descrita por Flageole et al.21 e Deprest et al.22, tendo sido extensamente avaliada em estudos experimentais com ovelhas antes de ser aplicada em humanos. Em 2001, o procedimento, que recebeu o nome de Fetoscopic endotracheal occlusion (FETO), passou a ser oferecido a gestantes cujos fetos apresentavam HDC extremamente grave, com herniação hepática no tórax e RPC <1,0 (fetos com chance de sobrevida menor do que 15% diante da conduta expectante pré-natal, de acordo com os dados de Jani et al.13). Os primeiros resultados foram apresentados em 2004, após OT, em 24 casos de fetos com HDC esquerda isolada16. A duração média da cirurgia foi de 20 minutos (13 a 60 minutos), com sucesso na colocação do balão em 23 dos 24 casos. Em duas pacientes houve deslocamento e perda do balão. Nas demais 21 gestantes, observou-se aumento na RPC de uma mediana de 0,7 (0,5 a 0,9) antes da FETO para 1,7 (0,9 a 2,9) nas duas semanas subsequentes ao procedimento. Não houve complicações maternas graves, tais como hemorragias ou infecções. Uma paciente teve o parto 18 dias depois da FETO por apresentar sinais de DPPNI, tendo-se recuperado bem e sem necessidade de transfusão. Houve RPPTM em 16,7% dos casos antes de 28 semanas e em 33,3% dos casos depois da 32ª semana. A média de IG por ocasião do parto foi de 33,5 semanas (27 a 41). A sobrevida neonatal com alta hospitalar foi de 50%.
É importante salientar que o procedimento de OT foi idealizado e sugerido inicialmente para casos de HDC muito graves (herniação hepática no tórax e RPC <1,0), ou seja, com mínima chance de sobrevida pós-natal diante de conduta expectante durante a gestação. Segundo os dados de Jani et al.13, em casos menos graves (sem herniação do fígado no tórax, ou com herniação hepática e RPC >1,0), a sobrevida pós-natal sem a intervenção fetal foi de aproximadamente 70%. Para estes, levando também em consideração os riscos da intervenção cirúrgica para a gestante, a conduta expectante no pré-natal deveria ser a primeira escolha.
Mais recentemente, a razão o/e da RPC tem sido usada ao invés da RPC (interpretada independente da IG) para predição de prognósticos nos casos de HDC com herniação do fígado no tórax. Esta mudança ocorreu devido à observação de que a RPC aumenta ao longo da gestação (de 12 a 32 semanas), pois, ao passo que a área pulmonar aumenta 16 vezes, a circunferência craniana aumenta quatro vezes no mesmo período20. Torna-se, portanto, inadequado o uso de um ponto de corte único de RPC (<1,0) para a predição de pior prognóstico, sendo a utilização de pontos de corte dependentes da IG (ou o uso do o/e RPC) mais adequada. Dessa forma, Jani et al.14 demonstraram, em estudo envolvendo 354 fetos com HDC isolada acompanhados de forma expectante durante a gestação, que as taxas de sobrevida em casos de lesões à esquerda com herniação hepática e o/e RPC <25% eram menores do que 15%. Em casos de HDC à direita, o o/e RPC <45% associava-se à chance de sobrevida próxima de de zero. Nestes casos, foi posteriormente demonstrado que a OT (realizada em 210 fetos) permitia a elevação da sobrevida com alta do berçário para 49 (HDC à esquerda) e 38% (HDC à direita)17.
Os presentes resultados foram semelhantes aos da casuística europeia16,17 em alguns aspectos (IG no parto; aumento da RPC e do o/e RPC após a OT; segurança do procedimento para a mãe e para o feto). No entanto, a sobrevida com alta do berçário foi menor do que a observada nos estudos pioneiros (35,7x49%). É provável que deficiências na conduta neonatal possam ter contribuído para essas diferenças, tendo-se em vista que boa parte das crianças nasceu em centros que não os de referência para o estudo. Além disso, se óbitos por outras causas que não a hipoplasia e/ou hipertensão pulmonares não tivessem ocorrido (dois casos de infecção de cateter e sepse em recém-nascidos que já respiravam em ar ambiente e tiveram bom crescimento dos pulmões depois da OT), a sobrevida chegaria a 42,8% (12/28).
De qualquer forma, este estudo mostrou que o procedimento de OT fetal é seguro e melhora a sobrevida com alta do berçário (de zero para 35,6%) em casos de HDC à esquerda extremamente graves. Acredita-se que este seja apenas um primeiro passo para o aumento da sobrevida nessas condições, considerando-se que a OT promove somente a expansão dos pulmões e não sua diferenciação. Assim sendo, medidas que estimulem o desenvolvimento vascular e a maturação tecidual dos pulmões podem ainda ser exploradas e provavelmente contribuirão para a melhora dos resultados da cirurgia pré-natal.
Recebido: 07/11/2011
Aceito com modificações: 28/11/2011