DOI: 10.1590/S0100-72032011000800006 - volume 33 - Agosto 2011
André Bernardo, Mariano Tamura Vieira Gomes, Rodrigo Aquino Castro, Manoel João Batista Castello Girão, Claudio Emilio Bonduki, Claudio Atsushi Yokoyama
Introdução
A possibilidade da embolização arterial de miomas (EAM) causar infertilidade tem gerado discussões, apesar de ter se demonstrado resultados favoráveis à gravidez1. Os casos devem ser selecionados, casais devem ser informados dos riscos e termo de consentimento livre e esclarecido deve ser elaborado. O desafio é consolidar sua segurança na manutenção da fertilidade feminina.
Embolizar as artérias uterinas é manipular o sistema circulatório dos órgãos pélvicos e isto gera preocupações quanto às prováveis alterações na capacidade reprodutiva da mulher. Mudanças no fluxo sanguíneo endometrial podem causar dificuldades na nidação do ovo seja pela própria insuficiência vascular, seja pela possibilidade da liberação de substâncias vasoativas locais, mudanças na matriz extracelular e citocinas2. Alterações circulatórias ovarianas podem acarretar em perda ou diminuição da capacidade ovulatória e a necrose de leiomiomas pode acarretar danos miometriais com deformidades da cavidade uterina, tais como abaulamentos ou retrações endometriais3.
A avaliação prévia a qualquer terapêutica do leiomioma uterino pelos exames radiológicos especialmente a ultrassonografia, é de grande importância para direcionar o melhor tratamento em cada caso. A ultrassonografia pela via vaginal (USPTV) é amplamente utilizada, pois tem boa sensibilidade, baixo custo e acessibilidade maior em nosso meio4.
Face às considerações relatadas, interessou-nos avaliar os efeitos da embolização arterial de miomas sobre o útero, miomas e sobre a função ovariana
Métodos
Seleção de pacientes
Trinta mulheres do Ambulatório de Leiomioma do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPMUNIFESP) foram selecionadas para este estudo clínico, prospectivo e aleatório. Os critérios de inclusão foram: a presença de ciclos hipermenorrágicos, dismenorreia, desconforto urinário, desconforto pélvico (sensação de peso), dispareunia profunda e assintomáticas com úteros volumosos (>300 cm³). Os critérios de exclusão foram: pacientes com nódulos subserosos com componente intramural menor que 30%, nódulos submucosos com componente intramural menor que 30%, nódulos de limites imprecisos, sugestivos de processo expansivo, adenomiose e pacientes com dosagens ≥12 UI/mL.
Avaliação pré-EAM
Após esclarecimentos sobre todas as opções terapêuticas disponíveis e consenso entre a equipe médica e a paciente, o termo de consentimento foi assinado e estas mulheres se submeteram ao exame de USPTV, método diagnóstico eleito para a avaliação do volume uterino (VU) e diâmetro do mioma dominante (DMD). Foram levados em conta a sua facilidade de realização e praticidade na interpretação.
A ressonância magnética de pelve com contraste (RMPC) foi realizada para complementação à ultrassonografia em situações de mulheres com tumores volumosos (>700 cm³), com suspeita de adenomiose pela USPTV e crescimento tumoral após EAM.
O USPTV foi realizado sempre pelo mesmo profissional com titulação nesse tipo de exame e no mesmo aparelho. Foi realizado na fase folicular do ciclo menstrual, mensurado volume uterino e diâmetro do mioma dominante, assim como a descrição de sua localização.
A dosagem de FSH foi realizada na fase folicular precoce. As pacientes foram orientadas a suspender, trinta dias antes da coleta, qualquer medicação hormonal, tanto contraceptivos como reguladores hormonais para que não interferissem nas mensurações.
Embolização arterial de miomas (EAM)
No momento da internação, as pacientes foram submetidas a jejum de oito horas e receberam antibióticos (cefazolina 1 g), azitromicina (1 g) e anti-inflamatórios (cetoprofeno 100 mg) pelo menos duas horas antes do procedimento. As EAM foram realizadas na Sala da Hemodinâmica localizada no Hospital São Paulo.
Foi realizado bloqueio peridural e infundidas drogas analgésicas pelo mesmo anestesista em todos os casos selecionados. O procedimento consistiu em realizar cateterização seletiva das artérias uterinas bilateralmente e injetar no interior dessas artérias micropartículas gelatinosas (embospheres) esféricas e não esféricas com diâmetro que variaram de 500 µm a 900 µm. Encerrou-se o procedimento quando o intervencionista percebeu a diminuição do fluxo da injeção de contraste nas artéria uterinas com a imagem de "poda de árvore" ou "end point". Ao término do procedimento, foi feito controle da dor e observação das pacientes na Enfermaria e, após um a dois dias, receberam alta hospitalar. Após três meses, as pacientes foram reavaliadas e submetidas à realização de USPTV na primeira fase do ciclo e feita dosagem de FSH na fase folicular precoce para avaliação da função ovariana.
Os valores do VU e DMD foram expressos em cm³ e cm respectivamente e, analisados e expressos por média±desvio padrão (DP). Os dados foram, então, submetidos à análise estatística pelo teste t pareado. Os valores do FSH foram quantificados em UI/mL, analisados e expressos por média±DP. Os dados foram então submetidos à análise estatística pelo teste t pareado e teste não paramétrico de Mann-Whitney.
Resultados
A análise da USPTV e do FSH foi realizada em 29 pacientes com média±DP de idade em 36,7±6,7 anos.
A média±DP do VU pré-EAM foi 402,4±165,9 cm³ e do DMD foi 5,9±2,1 cm. Na Tabela 1 observamos valores verificados de VU e DMD pré- e pós-EAM.
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Quanto à redução, três pacientes (10,3%) não apresentaram redução do VU pós-EAM e quatro pacientes (13,8%) não apresentaram redução do DMD pós-EAM. A Tabela 2 demonstra a redução observada.
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Foram testadas todas as correlações possíveis entre as variáveis, duas a duas, utilizando o teste de correlação de Pearson. Estão descritos apenas os resultados de correlação que apresentaram significância estatística.
O tempo transcorrido da EAM até a realização do USPTV não se correlacionou com a porcentagem de redução do VU r=-0,123 (negativa fraca) e p=0,526, nem com a porcentagem de redução do DMD r=0,100 (positiva fraca) e p=0,604.
A dosagem dos níveis de FSH pré-EAM apresentou média±DP de 4,9±3,5 UI/mL. Uma paciente teve valor aumentado de FSH pós-EAM compatível com pósmenopausa (>20 UI/mL). Na Tabela 3, observamos os valores de FSH pré- e pós-EAM, independente do tempo de realização da dosagem.
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Pela análise descritiva, observamos aumento dos níveis de FSH pós-EAM em 17 pacientes (58,6%) e diminuição em 12 pacientes (41,4%). Houve variação no tempo entre a EAM e a dosagem de FSH. O tempo da dosagem do FSH pós-EAM apresentou correlação positiva com os níveis séricos de FSH pós-EAM r=0,39 (positiva moderada), p=0,03.
Em 14 pacientes (48,3%), a dosagem dos níveis de FSH foi realizada entre 60 a 120 dias pós-EAM e a média±DP foi 4,2±2,7 UI/mL e, em 15 pacientes (51,7%) a dosagem dos níveis de FSH foi efetuada após 120 dias e a média±DP foi 6,7±6,0 UI/mL (p=0,25, utilizando-se o teste não paramétrico Mann-Whitney).
Discussão
O leiomioma é uma doença com características benignas e acomete principalmente mulheres no menacme que já tiveram filhos e/ou têm uma idade avançada para engravidar. Nos últimos anos, observou-se aumento da demanda de pacientes acima de 30 anos portadoras de leiomiomas sem prole constituída, onde o tratamento cirúrgico pode comprometer a preservação da capacidade reprodutiva feminina5.
Os avanços terapêuticos minimamente invasivos são relevantes para o controle dessa afecção e têm contribuído para postergação de cirurgias definitivas e gestações em úteros miomatosos6. Neste trabalho, analisamos o impacto da EAM sobre o VU e DMD, utilizando-se USPTV e dosagem de FSH para avaliar a função ovariana. A taxa de redução pós-EAM de VU e DMD, após três meses, observada em nosso estudo foi semelhante em outros trabalhos que utilizaram a mesma técnica, porém, avaliaram os resultados em períodos que oscilaram de 6 a 24 meses. Pode-se sugerir que a partir de 48 dias (tempo mínimo utilizado neste estudo) é possível avaliar a redução do VU e DMD após a EAM utilizando-se a USPTV.
Em trabalho no qual foram incluídas 84 mulheres portadoras de leiomiomas submetidas a EAM, o VU inicial médio foi 538 cm³ e, após seis meses, de 361 cm³, observando-se diminuição do volume em 36,9% durante o seguimento7. Em trabalho envolvendo mulheres submetidas à EAM com Polivinil Álcool (PVA), houve redução de 29% do volume uterino após 3 meses e 41% após 1 ano de seguimento, em imagens obtidas por USPTV8.
Em outro estudo envolvendo mulheres seguidas por USPTV, observou-se redução de volume uterino em 43,7%9 e, em trabalho feito em mulheres japonesas com leiomiomas sintomáticos, houve diminuição do volume dos tumores em 36,5% após 6 meses e 39,5% após 24 meses10.
Observamos casos de não diminuição do VU e DMD em até três meses de análise neste estudo. Isto pode ser explicado pelo fato de a maior taxa de redução ocorrer entre três a seis meses na maioria dos trabalhos, e também pela dificuldade de se avaliar previamente, pelo USPTV, eventuais degenerações e a vascularização dos leiomiomas em úteros maiores. A ressonância magnética de pelve com contraste tem melhor acurácia para as lesões miomatosas, no diagnóstico diferencial com adenomiose e deve ser utilizada quando houver dificuldades na precisão diagnóstica dos leiomiomas10,11.
Durante a internação e a realização da EAM, não houve intercorrências clínico-cirúrgicas. A EAM foi realizada seguindo a técnica de Seldinger, respeitando-se sempre o sinal de "poda da árvore" ou "endpoint". Após a injeção, as partículas deslocam-se para regiões de menor resistência, causando a oclusão e isquemia em seu trajeto à jusante12. Atenção especial foi dada à possibilidade de embolização das artérias ovarianas já que, por vezes, o fluxo sanguíneo predominante se originam das artérias uterinas.
Sabe-se que os vasos ovarianos possuem diâmetro menor que 500 µm em média e a utilização de partículas com tamanho maior reduz o risco de oclusão desses vasos13. Em estudo com pacientes submetidas à EAM com PVA, foi comparada a técnica com "endpoint" com a técnica de embolização limitada, onde encerra-se a EAM antes do "endpoint". Observou-se com uso de RM sinais de infarto tumoral incompleto no segundo grupo13.
A seleção minuciosa dos casos, a utilização de micropartículas gelatinosas ao invés de PVA, a evolução da técnica de Seldinger e o maior controle da dose de radiação, favorecem a manutenção da perviabilidade de vasos ovarianos e à menor suscetibilidade dos ovários à agressão ionizante14-18.
O tempo médio de internação foi de dois dias, exclusivamente para controle da dor. Após a alta, todas as pacientes foram orientadas a retornar em consulta após 30 dias e 90 dias para reavaliação. Estudos comparando pacientes submetidas a histerectomia e a EAM, observouse retorno mais precoce ao trabalho e menor grau de dor pós-operatório das pacientes submetidas à EAM19.
Em trabalho comparativo entre EAM e miomectomia, concluiu-se que a pontuação na qualidade de vida foi significativamente melhorada em ambos os grupos. Nenhuma diferença significativa foi observada desde a melhora do sangramento, redução do volume uterino, pontuação na melhora da qualidade de vida e pontuação na melhoria de qualidade de vida global, entre os grupos. A diferença observada foi que pacientes submetidas a EAM precisaram de menos dias de afastamento do trabalho, poucos dias de internação hospitalar e tiveram menos intercorrências hospitalares20.
Em nossa casuística, 2 de 29 casos (6,9%) tiveram elevação dos níveis de FSH e, foram compatíveis com os índices da literatura. Em um destes casos, a elevação foi transitória. No outro, se tratava de mulher de 46 anos com histórico pessoal de menarca precoce e tabagismo de longa data, os níveis de FSH elevaram-se persistentemente.
Alterações clínicas e laboratoriais sugestivas de insuficiência ovariana já foi descrita entre as submetidas a EAM (3 de 26 casos, 12%). Em estudo envolvendo 63 mulheres, concluiu-se que mulheres com mais de 45 anos têm 15% de chance de elevação dos níveis de FSH para os de pós-menopausa21. Descreve-se um caso de FSH persistente acima de 20UI/mL em paciente de 49 anos22.
A idade avançada parece favorecer alterações nos níveis de FSH. Em trabalho realizado com 66 mulheres, 45 tinham menos de 45 anos e 21 mais que 45 anos. Os autores observaram falência ovariana em nove dos 21 casos, para as com mais de 45 anos, e em nenhum dos 45 casos com menos de 45 anos23. Em nosso trabalho, não observamos alteração dos níveis de FSH para níveis de pós-menopausa nas pacientes mais jovens. Apesar de não haver diferença significante, percebemos que os níveis de FSH são mais elevados quando dosados a partir de 120 dias pós-EAM. Esse resultado pode indicar que tal avaliação deva ser realizada mais tardiamente.
Os casos onde ocorreram amenorreia transitória, irregularidade menstrual e/ou elevação temporária dos níveis de FSH podem ser explicadas pelas anastomoses das artérias uterinas e ovarianas ou na predominância do fluxo ovariano pela artéria uterina24.
As anastomoses entre artérias uterinas e ovarianas podem ser encontradas em 44% das mulheres, o que implica em risco maior de aumento significativo dos níveis de FSH basal comparando com pacientes sem anastomoses25. Em nossos casos, estava prevista a interrupção do procedimento caso estivessem presente anastomoses das artérias uterinas com as artérias ovarinas e/ou predominância do fluxo ovariano pela artéria uterina. Como não foi observado nenhuma desas situações em nosso estudo, todas foram realizadas.
A aortografia, exame que poderia ser útil para detecção desse problema, raramente é útil. Em alguns trabalhos pôde-se detectar as artérias ovarianas com aortografia26,27. O fato de manipular vasos arteriais, injeção de contraste e um índice baixo de detecção, desfavorece a realização desse exame previamente28. Finalmente, nossos resultados nos permitem concluir que, após 12 semanas da EAM, ocorre a redução significativa do volume uterino e do diâmetro do mioma dominante em 34,5 e 23,14%, respectivamente. Não há aumento significativo dos níveis séricos de FSH nas mulheres que foram submetidas à EAM, indicando que o procedimento não causa alteração da função ovariana, em especial nas pacientes com menos de 45 anos.
Recebido 25/10/2010
Aceito com modificações 31/08/2011
Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP São Paulo (SP), Brasil.
Conflito de interesses: não há.