DOI: 10.1590/S0100-72032011000700002 - volume 33 - Julho 2011
Aline Valadão Britto Gonçalves, Luiz Claudio Santos Thuler, Fabíola Procaci Kestelman, Pedro Aurélio Ormonde do Carmo, Carlos Frederico de Freitas Lima, Rosana Cipolotti
Introdução
O único método para detecção precoce do câncer de mama que, até o momento, mostrou reduzir significativamente sua mortalidade (em torno de 25%)1,2, é o rastreamento populacional com mamografia (Mx)3. Milhões de mulheres são submetidas a rastreamento mamográfico, anualmente e, consequentemente, há maior detecção de lesões não-palpáveis (LNP)4,5.
O valor preditivo positivo (VPP) do diagnóstico de câncer de mama obtido por biópsias cuja indicação foi gerada pelo resultado da mamografia, ou o número de cânceres detectados dividido pelo número de biópsias realizadas, encontra-se na faixa de 10 a 40%. As biópsias com resultados benignos geram uma grande carga econômica sobre os programas de rastreamento, aumentando, desnecessariamente, a morbidade e a ansiedade das pacientes4,6.
Para LNP detectadas pela mamografia, existem as biópsias por marcação pré-cirúrgica (MPC) com fio metálico (fio de Kopans) ou Radioguided Ocult Lesion Localization (ROLL) com radiotraçador (geralmente Tecnécio 99) e as biópsias incisionais por agulha, sendo o erro destas em relação àquelas de 0 a 17,9%7,8. O agulhamento de lesões não-palpáveis, orientado por estereotaxia, para procedimento cirúrgico tornou-se padrão ouro, com o qual são comparados todos os outros procedimentos4,7.
A biópsia por agulha oferece uma alternativa à biópsia excisional devido ao menor custo, resultar em menor morbidade, além do resultado estético satisfatório4,7,8. Essas biópsias são realizadas por procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, destacando-se a core biopsy (CB) ou biópsia de fragmento por pistola automática.
A CB foi primeiramente descrita por Parker, em 1990, após adaptação do dispositivo de Lindgrën. É um procedimento rápido e confiável, minimamente invasivo, sendo capaz de distinguir mais precisamente o carcinoma intraductal do invasivo, além de testes imuno-histoquímicos poderem ser realizados, proporcionando ao cirurgião informação necessária para a decisão terapêutica. Apresenta resultado histopatológico concordante com a cirurgia na maior parte das vezes, evitando cirurgias desnecessárias em até 60% dos casos, e, por isso, é considerada a melhor ferramenta no diagnóstico de lesões da mama com elevada acurácia (>90%)6-13.
Entretanto, surgem problemas quando há subestimação à CB, que decorre da ausência de diagnóstico de lesões de maior gravidade, sendo de lesão de alto risco para carcinoma ductal in situ (CDIS)/carcinoma invasivo (CI) de 18 a 83%, de hiperplasia ductal atípica (HDA) para CDIS/CI de 7 a 88%, de neoplasia lobular para CDIS/CI de 0 a 61,5%, de lesão papilífera para CDIS/CI de 15 a 71,4%, e de CDIS para CI de 8 a 67%, além de haver maior subestimação de lesões que se apresentam como microcalcificações (MCS) em relação aos nódulos2,7,8,10,11,14-28.
Em virtude dessas amplas faixas observadas em diferentes países e serviços, justifica-se a verificação do grau de subestimação da CB em serviço de referência brasileiro, bem como associá-lo às características imaginológicas e histopatológicas das lesões mamárias.
Métodos
Foi realizado um estudo observacional, retrospectivo, no qual foram incluídas 352 CB guiadas por imagem e realizadas consecutivamente e cujas lesões foram, em seguida, biopsiadas cirurgicamente por marcação pré-cirúrgica com fio de Kopans e/ou tratadas definitivamente.
Os procedimentos foram realizados entre 15 de fevereiro de 2000 e 31 de dezembro de 2005, em regime ambulatorial, no setor de Radiologia do Hospital do Câncer III do Instituto Nacional do Câncer (HCIII/INCA), no Rio de Janeiro (RJ), e as informações foram armazenadas em um banco de dados que continha os resultados de 837 CB.
Foram selecionadas todas as CB consecutivas e arquivadas no serviço de Radiologia do HCIII/INCA – Arquivo Científico –, em que havia identificação do paciente e registro completo das características da lesão não palpável, do
BI-RADS® e do método de imagem Mx ou ultrassonografia (US) que indicou a biópsia realizada. Além disso, foram também registrados todos os dados da CB: guia, calibre da agulha, número de amostras, tempo do procedimento, tolerância da paciente e complicações.
Todas as CB foram realizadas com uso de pistola automática Pro-Mag® (Manan Medical Products, Northbrook, Ilinois, EUA) com avanço de 2,2 cm (longo alcance) e com agulhas de calibre 14-gauge acopladas (SACN Biopsy Needle, Medical Device Technologies), sob anestesia local, por quatro radiologistas dedicadas à radiologia mamária do HCIII/INCA, em regime ambulatorial. Para análise, toda lesão que ocupasse espaço (distorção arquitetural, assimetria focal ou nódulo), com ou sem MCS, foi considerada como nódulo e, como MCS, quando só houvesse esta lesão17,29. O tamanho da lesão foi determinado pelo maior eixo.
Sempre que a lesão era identificada à US, este preferencialmente foi o guia, sendo o aparelho usado, um Logic 400® (GE Healthcare), com transdutor linear 7–12 MHz, não esterilizado, mas encapado com preservativo. A paciente era colocada em posição supina ou supino-oblíqua de acordo com o melhor acesso à lesão. Se a CB fosse guiada por estereotaxia (STX), neste serviço esta era acoplada ao mamógrafo (STX add-on) através do Instrumentarium MGR®, com a paciente sentada e a mama sendo comprimida por placa fenestrada.
Após a CB de MCS, os fragmentos eram radiografados com ampliação de 1,5X para observar a representatividade do material, caso estas não fossem visualizadas, repetia-se o procedimento até se obter representatividade. Considerou-se que o procedimento foi adequado quando a lesão foi atingida corretamente, produzindo pelo menos cinco fragmentos satisfatórios (íntegros, representativos da lesão, afundando na solução de formalina) e sem qualquer intercorrência capaz de interferir no resultado. Os fragmentos foram fixados em formol 10% e, posteriormente, embebidos em parafina. Cada bloco foi seccionado em no mínimo três cortes (três a seis cortes) e corados com hematoxilina-eosina para avaliação histopatológica. Os laudos histopatológicos (LHP) das CB e das peças cirúrgicas foram emitidos por patologistas com vasta experiência em doenças da mama.
As lesões foram classificadas em três categorias: benignas, lesões de alto risco e malignas2,4,17,19,28. Carcinomas foram divididos em maligno invasivo (CDI, CLI) e maligno in situ (CDIS). Já as lesões de alto risco, em HDA, cicatriz radiada, hiperplasia lobular atípica (HLA), CLIS, lesões papilíferas, tumor filóides benigno e tumor do tipo mucocele. As lesões benignas foram classificadas como: alterações fibrocísticas, fibrose, fibroadenoma, linfonodo e outras lesões.
Para avaliar a subestimação da CB de lesões não-palpáveis da mama foram considerados lesões malignas todos os carcinomas, exceto o CLIS que é um marcador de risco. Calculou-se a subestimação de lesões de alto risco (HDA, lesão papilífera, tumor filóide, adenose esclerosante e neoplasia lobular) dividindo-se o número de lesões que se revelaram CDIS ou CDI à cirurgia pelo total de lesões de alto risco à CB, e a subestimação de CDIS dividindo-se o número de lesões que foram CDI à cirurgia pelo total de CDIS à CB.
Como rotina do serviço, lesões consideradas não-malignas na peça cirúrgica, mas que eram malignas na CB, foram tratadas como positivas para malignidade, desde que a revisão da CB não alterasse o LHP e que a imagem fosse concordante com este, já que isto poderia ter ocorrido por remoção total da área pela CB. Sempre que houvesse lesões associadas, a de maior gravidade determinou a histologia para análise.
A comparação foi realizada entre o diagnóstico histológico baseado na CB e na ressecção cirúrgica de cada lesão. Foi considerado subestimado se o resultado cirúrgico fosse discordante, com lesões mais avançadas, como CB com HDA e cirurgia com CDIS ou carcinoma invasor, e CB com CDIS e cirurgia com carcinoma invasor, além de lesões de alto risco com CDIS ou carcinoma invasor. Caso o diagnóstico fosse o mesmo na cirurgia, considerou-se concordante.
Lesões não malignas, fossem elas de alto risco ou não, na CB e na cirurgia, foram classificadas como diagnóstico concordante. Se houvesse diagnóstico de benignidade à CB e à cirurgia apresentasse malignidade, a CB foi considerada falsa negativa. A taxa de falso negativo foi calculada dividindo-se o número total de câncer à cirurgia por lesões benignas à CB.
Já a CB com diagnóstico inconclusivo (pele, tecido adiposo, estroma conjuntivo, isto é, sem representação do tecido mamário)7,17 foi excluída do cálculo do grau de concordância, uma vez que determinou nova biópsia por agulha grossa ou cirúrgica. No entanto, sua representação na amostra foi determinada.
Sempre que possível, o trajeto da CB foi retirado na cirurgia, fosse ela diagnóstica ou terapêutica. O tipo de cirurgia dependia da histologia da lesão e da extensão clínico-radiológica. Quando se tratavam de lesões impalpáveis, estas foram marcadas pré-operatoriamente com fio metálico por US ou STX e a remoção completa da lesão foi confirmada por mamografia da peça cirúrgica.
Os dados coletados foram transcritos para a ficha de registro em um banco de dados criado no programa Excel®eforam analisados de forma descritiva, utilizando-se médias, com os respectivos desvios padrão e percentuais, além de figuras e tabelas. O grau de concordância entre os dois exames histopatológicos foi obtido pelo percentual de concordância e pelo coeficiente kappa de Cohen (0=pobre; 0,1–0,2=ligeira; 0,21–0,40=considerável; 0,41–0,60=moderada; 0,61–0,80=substancial; 0,81–1,0=excelente). Para todas as análises foram considerados resultados estatisticamente significantes quando p<0,05. Os dados foram analisados por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 13.0® (Chicago, Illinois, EUA) para verificar a associação da subestimação com as demais variáveis utilizando-se os testes do c2 para dados paramétricos e exato de Fisher para dados não-paramétricos para comparação de proporções, além de ANOVA para dados paramétricos e Mann-Whitney U para não-paramétricos, nos casos de comparação de médias. A força da associação entre as variáveis estudadas e a subestimação do diagnóstico foi analisada por meio do risco relativo (RR) acompanhado dos respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%).
A coleta de dados foi iniciada após a aprovação deste projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do INCA em 12 de março de 2007 (Reg. CEP 015/07). Foram respeitados os princípios da Declaração de Helsinque (World Medical Association, 2000) e da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996) que orientam a pesquisa médica envolvendo seres humanos, incluindo estudos com matéria humana.
Resultados
As 352 CB, com cirurgia subsequente, eram provenientes de 321 pacientes do sexo feminino, com média de idade de 56,1 anos (±11,7; 26–86). Vinte pacientes apresentaram duas lesões, quatro pacientes possuíam três lesões e uma tinha quatro lesões. As demais 296 pacientes apresentaram lesões únicas.
A categoria BI-RADS® que indicou a biópsia foi a 3 em 4,8%, 4 em 71,0% e 5 em 24,2%. Dos 17 casos BI-RADS® categoria 3, apenas um (5,9%) apresentou malignidade à cirurgia. O nódulo foi a lesão mais frequente (71,3%), sendo maligno em 46,2%, e com tamanho médio, quando mensurado, de 17,2 mm (±8,4; 5–63 mm),
sendo 69,9% menores do que 20 mm. As MCS perfizeram 28,7% das CB, sendo que 43,5% apresentaram malignidade à CB. A localização das lesões foi 49,5% à direita e 50,5% à esquerda.
O instrumento (tipo de guia) utilizado para CB foi a Mx em 57,1% e a US em 42,9%. O número médio de fragmentos retirados foi de 8 (±2,4; 4–22), tendo 99,7% das CB apresentando pelo menos 5 fragmentos, enquanto nos casos com MCS (101), foram encontrados pelo menos 10 fragmentos em 39 casos de CB (38,6%). O procedimento (CB) durou em média 24 minutos
(±9,0; 10–60), tendo sido tolerado pelas pacientes em 99,1% dos casos. Houve hemorragia em 6,5% das biópsias, que foi controlada por meio de compressão sem necessidade de intervenção cirúrgica, e 1,1% casos com reação vaso-vagal. Não ocorreu complicação infecciosa.
O LHP da CB foi inconclusivo em 55/352 (15,6%) dos casos (Tabela 1), sendo 81,8% benignos à cirurgia. A CB foi benigna em 26,4%, sugestiva de alto risco em 12,8% e maligna em 45,2% (Tabela 1).
A cirurgia realizada foi a segmentectomia em 70,2% dos casos, sendo o tempo médio entre a CB e a cirurgia de 4,2 meses (±6,3; 0,0–57,1). O LHP da cirurgia foi benigno em 26,7% dos casos, alto risco em 18,2%, maligno em 55,1% (Tabela 1).
Desconsiderando-se as 55 CB inconclusivas, uma vez que determinaram a realização de novo procedimento diagnóstico, houve concordância no diagnóstico entre a CB e a cirurgia em 244/297 (82,1%) dos casos. O grau de concordância medido pelo coeficiente kappa de Cohen foi de 0,75, considerado substancial (p<0,05). Foi detectada sensibilidade de 83,7% (IC95%=77,4–88,6), especificidade de 94,7% (IC95%=88,3–97,8), valor preditivo positivo de 96,3% (IC95%=91,7–98,5) e valor preditivo negativo de 78,1% (IC95%=70,1–84,5). A incidência de resultados falsos negativos foi de 16/297 (5,4%), com associação estatisticamente significante com BI-RADS® categoria 4 (12/16; p=0,003), bem como terem sido retirados pelo menos 5 fragmentos (15/16; p<0,001). Houve remoção completa da lesão maligna à CB em 10/297 casos (3,4%), sendo 9 casos malignos invasivos e um maligno in situ, com 6 lesões BI-RADS® categoria 4 (p=0,003), 7 se apresentando como nódulos (p<0,001) e todos com pelo menos cinco fragmentos (p<0,001).
Ocorreram 27/297 (9,1%) casos de subestimação nesse grupo, com média de idade de 57,7 anos (±10,5, 39–75,7) (ANOVA, p=0,4). Houve associação significante (teste exato de Fisher, p=0,01) entre a lesão ser BI-RADS® 5, comparativamente às categorias 3 e 4 somadas, e subestimação, com risco relativo (RR) de 2,39 (IC95%=1,18–4,88). Também houve associação com MCS (c2, p<0,001), com RR de 5,62 (IC95%=2,63–11,97). Ocorreu ainda associação significativa (c2, p=0,002) entre o procedimento ser guiado por Mx/STX e subestimação, com RR para procedimentos guiados por mamografia de 3,82 (IC95%=1,49–9,81) (Tabela 2).
Entre os casos subestimados, apenas houve mensuração de quatro nódulos biopsiados, com tamanho médio de 11,2 mm (±2,6; 9–15 mm), não tendo ocorrido associação (ANOVA, p=0,1). Entretanto, quando estratificados em menor do que 20 mm ou maior ou igual a 20 mm, observou-se que todos os casos subestimados eram menores do que 20 mm (teste exato de Fisher p=0,2) (Tabela 2).
Não houve associação entre número médio de fragmentos retirados à CB e subestimação (ANOVA, p=0,05), uma vez que foram retirados em média 8,8 fragmentos (±2,4; 5–14) nos casos subestimados e 7,9 fragmentos (±7,9; 4–22) nos não-subestimados. Ou seja, todos os casos subestimados apresentavam pelo menos 5 fragmentos. Nos 18 casos com MCS, subestimados, não houve associação com o fato de terem sido retirados pelo menos 10 fragmentos (χ2, p=0,9) (Tabela 2).
Não houve correlação significante entre a subestimação e a experiência da CB no serviço de 2000 a 2005, permanecendo estável a proporção de casos subestimados (Pearson, p=0,8) (Figura 1).
A taxa de subestimação para lesões de alto risco foi de 14/45 (31,1%), sendo 11/14 (78,6%) CDIS e 3/14 (21,4%) CDI, não apresentando variáveis associadas à subestimação. Todos os nódulos subestimados estavam abaixo de 20 mm. O número médio de fragmentos retirados foi de 7,7 (±2,1; 5–15); ou seja, todos os casos subestimados possuíam pelo menos 5 fragmentos.
A taxa de subestimação de HDA foi de 7/17 (41,2%), sendo todos os casos carcinoma in situ à cirurgia. Não houve associação estatisticamente significante com a categoria BI-RADS® (teste exato de Fisher; p=0,2), bem como com o tipo de lesão (teste exato de Fisher; p=0,1) e com o guia (teste exato de Fisher; p=1). Em todos os casos subestimados, havia pelo menos cinco fragmentos. Ademais, também não houve associação de subestimação com número de fragmentos para MCS apesar de em todos os casos subestimados haver menos de dez fragmentos (teste exato de Fisher; p=0,3).
Ocorreram 5/16 (31,2%) casos de subestimação em lesões papilíferas, sendo 3/5 (60,0%) casos de carcinoma in situ e 2/5 (40,0%) casos de carcinoma invasivo. Dentre os dois casos de papiloma atípico à CB, um se tratava de carcinoma papilífero intracístico à cirurgia. Não houve associação estatisticamente significante entre a categoria BI-RADS® e subestimação (teste exato de Fisher, p=0,2), bem como com o tipo de lesão (teste exato de Fisher, p=1). Apenas um caso com menos de 20 mm apresentou subestimação (teste exato de Fisher, p=0,2). Houve associação estatisticamente significante entre STX e subestimação (teste exato de Fisher, p=0,036). O número médio de fragmentos foi de 7,6 (±1,7; 5–11 fragmentos). Ademais, todas as biópsias apresentavam pelo menos cinco fragmentos.
Houve 6/297 (2,0%) casos de tumor filóides à CB, com apenas 1/6 (16,7%) caso subestimado, tratando-se de CDIS micropapilífero associado a atipias e fibroadenoma, sendo nódulo com BI-RADS® categoria 4 e que não foi mensurado. Apresentou como guia a US, tendo sido retirados sete fragmentos.
O CDIS apresentou taxa de subestimação de 13/31 (41,9%), não havendo associação estatisticamente significante com a categoria BI-RADS® (teste exato de Fisher, p=0,2), bem como com o tipo de lesão (teste exato de Fisher, p=0,4) e com o guia (teste exato de Fisher, p=0,4). Nenhum dos casos subestimados foi mensurado em virtude de 12/13 (92,3%) serem MCS, que não são mensuráveis, e um caso de nódulo não ter sido medido. Todas as CB de MCS foram guiadas por STX. O dois nódulos mensurados possuíam menos de 25 mm de diâmetro (8 e 13 mm). O número médio de fragmentos foi de 9,4 (±3,1; 5–19). Além disso, não houve associação estatisticamente significante entre apresentar pelo menos dez fragmentos com subestimação (teste exato de Fisher, p=0,1). Também não tendo ocorrido associação entre ser comedocarcinoma e apresentar subestimação (teste exato de Fisher, p=0,1).
Discussão
Com o aumento contínuo do número de mulheres que vêm sendo submetidas ao rastreamento mamográfico anual, há maior detecção de lesões não-palpáveis (LNP)5. A CB ou biópsia de fragmento por pistola automática oferece uma alternativa à biópsia excisional devido ao menor custo, ser um procedimento rápido, resultar em menor morbidade, além de mínima cicatriz4,7,8,30.
A CB apresenta resultado histopatológico concordante com a cirurgia na maior parte das vezes, sendo considerada a melhor ferramenta no diagnóstico de lesões da mama10-13,31,32. Além disso, permite planejamento cirúrgico em único tempo, incluindo a abordagem axilar, evitando cirurgias desnecessárias em até 60% e segundo tempo cirúrgico em 70%2,12-14,18,22,23.
A escolha de casos para biópsia percutânea é baseada na classificação BI-RADS®30. No presente estudo, o BI-RADS® foi categoria 4 em 71,0%; ou seja, há predominância dessa categoria BI-RADS® uma vez que essa é a que pode apresentar risco de malignidade de 2–95%24. Dos 17 casos BI-RADS® 3, apenas um apresentou malignidade à cirurgia (5,9%), conforme relato de 2–13% de malignidade na categoria 329, talvez justificando sua investigação cito-histológica em detrimento do seguimento clínico atualmente recomendado. As MCS perfizeram 28,7% das biópsias, sendo que 43,5% apresentaram malignidade à CB, concordando com a literatura (40–84%)10,16. O guia mais utilizado para CB foi a mamografia em 57,1%.
Todas as pistolas utilizadas apresentavam calibre de 14G e avanço de 2,2 cm, uma vez que fornece fragmentos de boa qualidade sem aumentar o risco de hematoma8,11,12,17,30. O número médio de fragmentos retirados foi de 8, 99,7% apresentando pelo menos 5 fragmentos, de acordo com a recomendação de retirar-se pelo menos 5 fragmentos7,8,17,19,30,32. Há relato de aumento da acurácia da CB de 70%, com 1 amostra, para 100% quando há mais de 4 fragmentos26,27,30. Contudo, alguns autores recomendam acima de nove fragmentos para MCS14, o que foi observado nos casos com MCS (101) dessa amostra em 38,6% das CB, uma vez que a recomendação do Serviço de Radiologia Mamária do INCA era de pelo menos 5 fragmentos. Além disso, conforme recomendado pela literatura especializada, toda vez que a lesão apresentou MCS, os fragmentos foram radiografados para se confirmar a representatividade do material2,7,10,14,21,28.
A certeza do alvo atingido não é a única condição para um diagnóstico preciso. Para tanto, a amostra deve ser suficiente em tamanho e número de fragmentos, uma vez que a possibilidade de diagnóstico conclusivo, subtipagem, gradação histológica e definição de invasão melhoram com o maior volume de tecido7.
O procedimento durou em média 24 minutos, conforme o esperado de 10–30 minutos10,17,24, sendo um procedimento diagnóstico de menores custo e duração do que a cirurgia.
Ocorreu tolerância da CB pela paciente em 99,1% dos casos. Houve hemorragia em 6,5% das biópsias, que foi controlada por meio de compressão sem necessidade de intervenção cirúrgica, 1,1% de reação vaso-vagal e não ocorreu complicação infecciosa. Logo, houve mais complicações e maior incidência de hematoma8. Isso provavelmente ocorreu por se tratar de hospital-escola com residentes e estagiários em treinamento.
O LHP da CB foi inconclusivo em 15,6% dos casos, concordando com o descrito na literatura de 0–18%4,7,17. Esses casos ocorreram, principalmente, no início da realização da CB nesse serviço, bem como com início de treinamento de nova radiologista intervencionista em 2005, o que é compatível com a curva de aprendizado do procedimento11. Desses 55 casos inconclusivos, 45 (81,8%) foram benignos à cirurgia, semelhante ao descrito na literatura4. O diagnóstico histopatológico foi maligno em 45,5%, conforme relato de 10–40%2,4,7,8,14,17, mas diferente de outros autores com mais de 80% de malignidade13. Esses valores dependem, sobretudo, do tipo de referência para patologia benigna e/ou maligna desses serviços. Só foi encontrado um caso de neoplasia lobular (LIN) à CB cuja histopatologia foi concordante com a cirurgia. O diagnóstico de LIN pode ser subestimado de 14–17% dos casos29. Trata-se de patologia incomum, sem imagem específica, necessitando de maior volume tecidual para diagnóstico histopatológico, e muitas vezes, sendo um achado incidental.
O diagnóstico obtido pela CB e cirurgia foi concordante em 82,1% dos casos, semelhante a outros autores que relataram concordância de 80–100%4,7,8,12,26,29,31. A sensibilidade foi de 83,7% (IC95%=77,4–88,6), especificidade de 94,7% (88,3–97,8%), valor preditivo positivo de 96,3% (91,7–98,5%) e valor preditivo negativo de 78,1% (70,1–84,5%). Conforme descrito na literatura, a sensibilidade varia de 82 a 99%, especificidade, de 93 a 100% e valor preditivo positivo (VPP) de 97 a 100%30. A incidência de falso-negativo foi de 5,4%, concordando outros autores que relataram incidência de falso negativo à CB de 0,3–13%2,4,11,12,14,17,30, representando falha no alvo da biópsia. Houve remoção completa da lesão maligna à CB em 3,4%, após revisão histopatológica, o que está de acordo com o descrito na literatura (4–25%)2,8,13,14,17,19,28. Há relato de maior frequência de retirada completa da lesão em HDA. O resultado da CB sempre foi comparado com a avaliação clínico-radiológica, e nova abordagem diagnóstica (CB ou cirurgia) foi realizada quando houve diagnóstico de benignidade à CB, mas o aspecto da lesão era suspeito7,11,12,17,24,30.
Surgem problemas quando há subestimação, que decorre da ausência de diagnóstico de lesões de maior gravidade à CB, tendo sido descrita por Burbank em 1997, conforme citado por Ciato et al.11. Houve 9,1% casos de subestimação nesse grupo, que se encontra dentro da faixa de 2,1 a 26,6%7,8,11,18,29,32. Houve associação de subestimação com BI-RADS® categoria 5, apresentando risco 2,39 vezes maior em relação às categorias 3 e 4. Entretanto, não seria o esperado, já que o risco de malignidade nesse grupo é maior do que 95%. Inclusive, relata-se a possibilidade de não realizar CB nesses casos, realizando diretamente a cirurgia. No entanto, pode ter ocorrido a coleta de fragmentos da periferia da lesão8,11,18,29. Também houve associação com o tipo de lesão, ou seja, entre subestimação e a lesão ser MCS, com risco 5,62 vezes maior, já esperado conforme toda literatura de referência2,7,10,14,21,28. Todos os casos subestimados eram menores do que 20 mm, concordando com relato de maior subestimação para nódulos menores do que 20 mm19. Ocorreu associação significativa entre o procedimento ser guiado por Mx e apresentar subestimação, já que quando guiado por US, o procedimento é visualizado em tempo real, sendo a US protetora para subestimação, implicando em risco 3,82 vezes menos chance de subestimação2,7,10,14,21,28. Não houve associação entre número médio de fragmentos retirados à CB e subestimação, uma vez que foram retirados em média 8,8 fragmentos, mas que provavelmente não atingiram a lesão corretamente. Além disso, quando estratificados em menor e pelo menos cinco fragmentos, todos os casos subestimados apresentavam pelo menos cinco fragmentos, discordando da literatura14,20.
A taxa de subestimação para lesões de alto risco foi de 31,1%, concordando com outros autores que relatam subestimação para lesões de alto risco de 18 a 83%10,17,20,24. Não houve associação entre subestimação de lesão de alto risco e tipo de lesão e com pelo menos dez fragmentos em lesões com MCS, discordando do relato que ser nódulo e apresentar menos de cinco fragmentos apresentava maior subestimação20. Na maioria dos casos em que há detecção de lesão de alto risco e de malignidade à cirurgia, as lesões não se encontram dentro do sítio de biópsia, mas adjacentes. E que independentemente do tipo de biópsia percutânea ou de número de fragmentos, a falha de diagnóstico não será eliminada. Por isso, sugere-se que sempre seja realizada a ressecção cirúrgica20,32.
A taxa de subestimação para HDA foi de 41,2%, concordando com a literatura que relata subestimação de 7–88%32, representando uma etapa na progressão para carcinoma invasivo. Não houve associação estatisticamente significante com a categoria BI-RADS®, bem como com o tipo de lesão para HDA, discordando de outros autores que relatam maior subestimação em nódulos19,31. Todos os nódulos mensurados foram menores do que 20 mm19.
Em todos os casos subestimados, o número de fragmentos foi de pelo menos cinco fragmentos, semelhante ao recomendado19,28; contudo a lesão pode não ter sido atingida corretamente conforme alguns autores relatam que o fator mais importante para se reduzir subestimação é o número de fragmentos10,14,20,28,31. Ademais, não se pode desconsiderar a variabilidade interpatologistas quanto ao diagnóstico de HDA e CDIS de baixo grau, por se tratar de biópsia de amostragem, além de representarem uma etapa na evolução do câncer de mama10. Parece que o uso da mamotomia (MT ou biópsia de fragmento a vácuo) para esse tipo de lesão é capaz de reduzir a subestimação de HDA, com melhor definição arquitetural, menor erro de amostragem e melhor acurácia, mas ainda não é capaz de eliminá-la, provavelmente, em consequência da não remoção completa da lesão em MT guiada por US28. Relata-se redução da subestimação de 33–45% à CB para 7–35% à MT31.
A conduta em lesões papilíferas ainda é controversa em virtude de sua heterogeneidade21. Algumas instituições encaminham para ressecção cirúrgica todas as lesões papilíferas diagnosticadas à CB, em virtude da dificuldade de interpretação patológica, do erro de amostragem e do potencial pré-maligno, enquanto outras somente os casos atípicos24-26,30. Neste estudo, ocorreram 31,2% casos de subestimação para lesões papilíferas, taxa que se encontra dentro da faixa descrita na literatura de 11–71,4%21,25,26,32. A maioria das lesões papilíferas eram nódulos (87,5%), sendo 81,3% BI-RADS® categoria 4, concordando com o encontrado na literatura de 80–100%21,24. Contudo, as categorias BI-RADS® não apresentaram associação estatisticamente significante com a subestimação. Houve maior subestimação nos casos guiados por Mx, diferentemente quando realizados com US, uma vez que, nestes, o procedimento é visualizado em tempo real2,7,10,14,21,28. Todas as biópsias apresentavam pelo menos 5 fragmentos, número acima do descrito por outros autores (3–5 fragmentos)24-26.
O CDIS é precursor de carcinoma invasivo22. Antes da difusão da Mx de rastreamento, era raramente detectado, passando a apresentar 15–20% de todos os cânceres de mama e 25–56% de todas as lesões impalpáveis22. A maioria das lesões era do tipo comedocarcinoma e, após esse exame de rastreamento, o CDIS passou a se apresentar como lesões menores e de baixo grau15. Obteve-se taxa de subestimação de 41,9%, concordando com a literatura, que relata subestimação para CDIS variando de 8 a 67%. Em relação à categoria BI-RADS®, não houve associação estatisticamente significante com subestimação de CDIS, bem como com o tipo de lesão e com o guia, conforme relatado por Rutsteinet al.22. Nenhum dos casos subestimados de CDIS foi mensurado em virtude de 92,3% dos CDIS serem MCS, concordando com a literatura18. O dois nódulos mensuravam abaixo de 25 mm, conforme encontrado por outros autores que relatam maior subestimação quando maior do que 25 mm14,18,22. O número médio de fragmentos nos casos de CDIS foi de 9,4, dentro da faixa descrita de 5–1010,14,15,18. Além disso, não houve associação estatisticamente significante entre apresentar menos de 10 fragmentos com subestimação, discordando de outros autores que relatam maior subestimação quando menos do que 10 fragmentos e quanto maior o tamanho do nódulo18,22. Não houve associação estatisticamente significante entre ser comedocarcinoma e apresentar subestimação de CDIS, discordando de autores que relatam maior subestimação22. O maior problema de não se detectar invasão em casos de CDIS à CB é que será necessário um segundo tempo cirúrgico para abordagem axilar (5–44%), aumentando o custo. Por isso, há necessidade de que sejam identificados fatores associados com elevada probabilidade de invasão, para que seja realizada biópsia do linfonodo sentinela no mesmo tempo cirúrgico18,22. Já foram realizadas várias tentativas de se utilizarem características clínicas, radiológicas, histológicas e relacionadas ao procedimento para detectar variáveis associadas à subestimação, não havendo, contudo, consenso28,31.
Desde 1998 vem sendo observada uma tendência à utilização de agulhas mais calibrosas (11G e 8G), de sistemas a vácuo, e de equipamentos que permitam a obtenção de maior volume de tecido (96 mg x 17 mg)8-18. Isso proporciona uma melhor definição das lesões, dentro do espectro de HDA/ CDIS de baixo grau, contudo não é capaz de eliminar a necessidade de ressecção cirúrgica para melhor avaliação, já que ainda pode-se apresentar subestimação em até 19% dos casos. Além disso, a MT é capaz de biopsiar não somente a lesão alvo, mas também a área circunjacente7,14,18,19,22. Entretanto, ainda não está definido se MT guiada por US, cuja agulha é visualizada dentro da lesão em tempo real, seja superior à CB para abordagem de nódulos.
Conclui-se que, atualmente, a CB é considerada a ferramenta de escolha no diagnóstico de lesões da mama, em virtude de suas elevadas sensibilidade e especificidade, custo relativamente baixo, confiabilidade, além de ser minimamente invasiva e bem tolerada pelos pacientes, ter capacidade de diferenciar lesões in situ de invasivas e ser capaz de fornecer informações importantes para a decisão terapêutica. Entretanto, em virtude da heterogeneidade das lesões de alto risco, há necessidade de ressecção cirúrgica pelo risco de subamostragem. Ademais, calcificações em geral ocorrem em áreas de CDIS e/ou no tecido benigno adjacente e, raramente, no componente invasivo do tumor. Por isso, como CB atinge especificamente as MCS, a subestimação histológica dos casos inicialmente diagnosticados como CDIS sem invasão acontece independentemente do número de fragmentos retirados.
As limitações deste estudo relacionam-se ao modelo de estudo (retrospectivo), bem como por não ter ocorrido reavaliação histopatológica e dos exames de imagem. O viés de seleção deve-se à avaliação exclusiva de lesões que foram submetidas posteriormente à cirurgia, contudo é essa a única forma de calcular subestimação.
Agradecimentos
Ao Instituto Nacional de Câncer (INCA)/Ministério da Saúde por permitir a utilização do seu banco de dados e ao Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
Recebido: 18/03/2011
Aceito com modificações: 25/04/2011
Hospital do Câncer III do Instituto Nacional de Câncer INCA Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Universidade Federal de Sergipe UFS Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa POSGRAP Mestrado em Ciências da Saúde Aracaju (SE), Brasil