DOI: 10.1590/S0100-72032011000900005 - volume 33 - Setembro 2011
Lorena Barbosa, Davianne de Queiroz Ribeiro, Flávio Cunha de Faria, Luciana Neri Nobre, Angelina do Carmo Lessa
Introdução
A importância do ácido fólico, especialmente nos últimos meses que antecedem a gravidez, para o adequado fechamento do tubo neural do feto é condição bem estabelecida na literatura1. Estudos apontam também para a redução no risco de ruptura da placenta2, de restrição do crescimento intrauterino e parto prematuro3,4, assim como prevenção de doenças respiratórias na infância5 e da síndrome de Down6.
Entretanto, o consumo dietético deste nutriente é, na maioria dos casos, insatisfatório, especialmente na gestação, quando as necessidades nutricionais se elevam7. Diante disso, institui-se no Brasil, em 2002, a fortificação de farinhas de trigo e milho com ácido fólico na tentativa de se aumentar a oferta deste nutriente na dieta dos brasileiros8, medida adotada também em outros 40 países do mundo9.
Como alternativa para minimizar os efeitos do baixo consumo dietético desse nutriente durante a gestação, organismos nacionais e internacionais de saúde recomendam a suplementação com ácido fólico, iniciada preferencialmente antes da concepção10-12.
No entanto, mesmo se tratando de uma recomendação mundial, a prevalência de consumo deste suplemento é ainda insatisfatória, tanto no Brasil, quanto em outros países do mundo7,13-15. Alguns estudos sugerem que o uso é dependente de fatores demográficos e socioeconômicos, bem como dos cuidados pré-natais, sendo que mulheres com menor escolaridade, sem companheiro e com pré-natal deficiente são mais susceptíveis a não consumir o suplemento de ácido fólico durante a gestação14,16.
Desse modo, torna-se necessário conhecer os fatores que influenciam o consumo do ácido fólico para a promoção de políticas públicas voltadas ao estímulo à suplementação que sejam mais apropriadas a cada região.
Os objetivos deste estudo foram estimar a prevalência de consumo de suplemento de ácido fólico durante a gestação e identificar os fatores associados ao seu consumo.
Métodos
O presente estudo foi desenvolvido em Diamantina (MG), município localizado na região do Alto Vale do Jequitinhonha, e que conta com 46.372 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,748; semelhante ao de cidades como Magé (RJ) ou Itabuna (BA), sendo que entre 5.507 municípios brasileiros, situa-se na 1.927º posição17.
A investigação desenvolveu-se por meio de estudo transversal com todas as mulheres que tiveram partos entre setembro de 2004 e abril de 2005, e que residiam na sede do município, sendo que o número de nascidos vivos no ano de 2003 foi estimado em 550 crianças18. O recrutamento das mães se deu por meio da Declaração de Nascidos Vivos (DNV), totalizando 280 mulheres.
Como o presente estudo é subprojeto de uma pesquisa mais ampla, o cálculo amostral foi realizado a posteriori. Considerando que este estudo além de determinar a prevalência do consumo de folato, pretendeu também conhecer os fatores associados ao seu consumo, foram utilizadas variáveis independentes escolaridade e idade materna para o cálculo amostral. A razão entre não expostos e expostos foi de 1:1 e de 3:1 para escolaridade superior a 8 anos e idade materna, respectivamente. As frequências do não consumo de folato entre mulheres de escolaridade superior a 8 anos e idade superior a 19 anos foram, respectivamente, de 35 e 68% e os valores de razão de prevalência utilizados foram os observados pela regressão de Poisson univariada 1,72, 1,35, respectivamente. O nível de confiança de 95% e poder de 80% foram os estabelecidos para o cálculo. Os valores amostrais obtidos foram 136 e 192. Sendo assim, considerou-se a amostra suficiente para o estudo proposto.
Os dados foram coletados por meio de entrevista domiciliar realizada com as mães, por meio da aplicação de questionário semiestruturado com questões a respeito das características socioeconômicas da família e aspectos gerais da gestação. Outras informações foram obtidas diretamente da DNV.
A variável dependente do estudo foi definida como o uso ou não de suplemento de ácido fólico. As variáveis independentes foram: número de consultas de pré-natal (menor que 7 ou maior ou igual a 7); idade materna, menor ou igual a 19 anos (adolescente) ou maior que 19 anos (adulta); paridade (primípara ou multípara); escolaridade materna (8 anos ou mais de estudo e menos que 8 anos de estudo); situação marital (coabita ou não com companheiro); presença de anemia referida durante a gestação (sim ou não).
Na análise estatística, realizou-se a descrição da população quanto ao uso de folato durante a gestação de acordo com algumas variáveis de exposição, utilizando-se o teste do c2. Para o estudo conjunto dessas variáveis e obtenção da medida de associação, utilizou-se a análise de regressão de Poisson para resposta dicotômica pelo método forward stepwise. A entrada das variáveis, no modelo, obedeceu ao valor de significância mínimo de 20% e a permanência das mesmas foi definida ao nível de 5% de significância17. Para a construção do banco de dados e análises estatísticas utilizou-se os softwares Epi Info versão 6.04 e SPSS 18.0®.
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri sob o número de registro permanente 011/05 (029/04).
Resultados
Das 280 mães que compuseram a amostra, 88 (31,3%) relataram ter consumido suplemento de ácido fólico durante a gestação. Aproximadamente 60% dessas mulheres frequentaram 7 ou mais consultas durante o pré-natal, 62,6% eram casadas, 74,3% eram adultas e 53%, multíparas. A mediana de escolaridade foi de oito anos. O relato da ocorrência de anemia durante a gestação foi registrado para 32% das mulheres.
Na análise bivariada, observou-se maior frequência de consumo do suplemento de folato entre as mulheres que foram atendidas em sete ou mais consultas de pré-natal, com mais de oito anos de estudo, adultas e com companheiro. A paridade, embora não tenha alcançado significância estatística (p=0,053), apresentou tendência a maior frequência de uso do suplemento entre as primíparas. Já a presença de anemia não se associou ao consumo de folato (Tabela 1).
Na análise multivariada, permaneceram significantes o número de consultas pré-natal, a escolaridade e a idade materna. Mulheres com menor escolaridade, adolescentes e com número de consultas de pré-natal inferior a sete apresentaram, respectivamente, 1,61 (IC95%=1,341,93), 1,18 (IC95%=1,031,35) e 1,18 (IC95%=1,021,37) maior risco de não consumir o suplemento durante a gestação (Tabela 2).
Discussão
A prevalência de consumo de suplemento de ácido fólico durante a gestação foi superior entre gestantes de maior escolaridade, adultas e que frequentaram, no mínimo, sete consultas ao longo do período gestacional.
Outros estudos realizados no Brasil7,13,19 observaram proporções semelhantes às observadas neste estudo. Em estudo com 1.450 gestantes em Pelotas (RS), a prevalência de suplementação com ácido fólico foi de 31,8%13. No Rio de Janeiro, esta prevalência foi de 36,3% entre 201 gestantes de baixo risco atendidas em hospital público19, contra 22,4% entre 284 gestantes com gravidez de risco atendidas em hospital especializado7. Os dois últimos estudos avaliaram ainda o consumo dietético de folato pelas gestantes e encontraram elevada prevalência de inadequação do consumo (63,7 e 51,3%, respectivamente)7,19, reforçando a necessidade e importância da suplementação para se garantir o aporte da quantidade recomendada deste nutriente, especialmente durante a gestação, quando a demanda nutricional é ainda maior20.
Assim como no Brasil, na Índia, a suplementação de folato durante a gestação esteve abaixo de 50%21. Em Portugal, esta prevalência foi levemente superior (55,4%)14 ao observado nos estudos brasileiros, porém ainda aquém do esperado. O mesmo padrão foi observado na Irlanda, onde a suplementação ocorreu em 51% das gestantes22. Na Holanda, estudo comparou a prevalência de suplementação de ácido fólico em gestantes logo após o início de uma campanha nacional de incentivo à suplementação deste nutriente e um ano após a campanha ter sido lançada, e observou que a prevalência de consumo aumentou com a campanha (16,8 para 48,6%), mas ainda permaneceu com níveis insatisfatórios23.
Esses resultados demonstram que há um descompasso entre as recomendações e a prática clínica. Como é consenso no meio científico os benefícios da suplementação de folato, tanto para a gestante quanto para seu bebê, parece estar havendo uma negligência por parte dos profissionais de saúde que acompanham as gestantes, tanto no sentido de prescreverem quanto de monitorarem o consumo deste suplemento.
Entre os fatores maternos que têm sido apontados pela literatura disponível como determinantes do não uso do ácido fólico estão a baixa escolaridade materna, gravidez na adolescência, gestação não planejada e baixo nível socioeconômico, além da realização de um pequeno número de consultas durante o período pré-natal7,14,20.
Em concordância com achados prévios, neste estudo permaneceram associados ao não uso do ácido fólico durante a gestação no modelo final de regressão, a baixa frequência ao pré-natal (comparecimento em menos de sete consultas), a baixa escolaridade materna e a gravidez na adolescência. No entanto, é importante salientar que apesar do número de consultas menor que sete ter sido um fator associado ao não uso do suplemento, muitas mães (35,35%) apesar de terem realizado mais que sete consultas não foram suplementadas.
Vale destacar ainda que além da informação uso ou não do suplemento, é importante que as pesquisas sobre esse tema questionem as gestantes se houve, em algum momento do acompanhamento pré-natal, a indicação de uso do mesmo, visto que frequentemente muitas mulheres, por medo de engordar, recusam fazer uso de medicamentos durante a gestação. É neste momento que o profissional de saúde deve exercer seu papel de educador, orientando as mulheres sobre a necessidade do uso e desmistificando tabus sobre os mesmos. Neste estudo, não foi questionado às mães sobre a prescrição dos suplementos, apenas sobre seu consumo.
A influência do pré-natal sobre o consumo de suplementos já foi referida por outros autores, como por Lunet et al.14, que observaram que entre as gestantes portuguesas que realizaram um pré-natal adequado (baseado no Índice de Adequação da Utilização dos Cuidados Pré-natais, que leva em conta o mês de início e o número de consultas), a chance de consumir suplemento de folato foi duas vezes maior quando comparada àquelas que não frequentaram o número de consultas adequado ao longo da gestação.
Da mesma forma, Mezzomo et al.13 relataram maior prevalência de suplementação com folato entre gestantes de Pelotas (RS), que frequentaram sete ou mais consultas durante o pré-natal, associação encontrada também por Zubair et al.24 em Islamabade, Paquistão.
Ao que parece, em países desenvolvidos, o tipo de serviço de saúde utilizado pela gestante para realização do pré-natal (se público ou privado) não interfere na suplementação de vitaminas e minerais, embora a baixa idade e baixa escolaridade materna tenham se associado, como demonstrado por Yu et al.25 utilizando dados de 9.953 gestantes participantes da Pesquisa Nacional de Saúde Materna e Infantil (National Maternal and Infant Health Survey), realizada nos Estados Unidos.
Já no Brasil, segundo Mezzomo et al.13, a suplementação com folato durante a gestação foi duas vezes maior entre mães que foram atendidas na rede privada de saúde durante o pré-natal, refletindo a diferença na qualidade do serviço prestado à gestante a depender do tipo de atendimento. Neste estudo, não foi possível qualificar o tipo de serviço procurado pela gestante para atendimento pré-natal, mas acredita-se que apenas as mães de melhor nível socioeconômico, como conseguinte, de maior escolaridade, tenham procurado a rede privada, resultando em maior suplementação destas mães, como foi observado.
Todos os cuidados com a alimentação da gestante, uso da suplementação vitamínico-mineral, saúde materna, além de outros fatores importantes para o bem-estar do binômio mãe-filho devem ser trabalhados durante o pré-natal. O Ministério da Saúde preconiza seu início no primeiro trimestre gestacional, totalizando no mínimo seis consultas ao final da gestação11. Para garantir que as gestantes sejam bem informadas, orientadas e assistidas, o acompanhamento pré-natal deve ser desenvolvido por uma equipe multiprofissional, capacitada para atender a mulher e proporcionar a ela uma gestação tranquila e segura26.
Mães de baixa escolaridade são as mesmas que iniciam o pré-natal mais tardiamente e possuem menor frequência de consultas. O baixo nível de escolaridade materna associado à eventual inabilidade dos profissionais de saúde em traduzir conceitos científicos em conceitos populares pode resultar em dificuldade de compreensão para aderirem ao uso de suplementos21.
Nesse estudo, não foi possível avaliar se o baixo percentual de suplementação entre mulheres com baixa escolaridade foi devido a não adesão da mesma ao uso do suplemento ou se houve menor frequência de prescrição. No entanto, como a escolaridade pode afetar a adesão ao uso, é importante que os profissionais envolvidos no atendimento pré-natal dêem maior atenção ao atendimento a essas gestantes, procurando sempre orientá-las a respeito da importância do ácido fólico para sua saúde e do futuro bebê.
A baixa escolaridade materna já foi relatada como influenciadora do consumo de ácido fólico por gestantes em estudos previamente publicados13,27,28. Isto pode ser explicado, em parte, pelo fato de que a maior escolaridade materna seria uma expressão de maior nível socioeconômico, o que permitiria um maior consumo de medicamentos29-31. Por outro lado, é possível que mães com maior escolaridade se refiram mais ao consumo de suplementos do que aquelas com menor escolaridade29.
No presente estudo, as mães adolescentes apresentaram menor consumo de suplemento de ácido fólico, assim como observado por Mezzomo et al.13. Estes autores demonstraram ainda que quanto maior a idade materna, maiores eram as chances de a gestante ser suplementada. Outros autores também encontraram influência da idade materna sob o consumo de suplementos de ácido fólico durante a gestação22 e de multivitamínicos em geral27. Segundo van Eijk et al.32, as adolescentes possuem menor probabilidade de frequentarem as consultas pré-natais, o que poderia justificar a menor frequência de suplementação observada neste grupo.
Embora o ácido fólico esteja amplamente distribuído na natureza, a inadequação de seu consumo durante a gestação não tem sido rara, como observado neste estudo. A política adotada pelo Ministério da Saúde de suplementação universal das gestantes não foi alcançada, pelo menos para esta população, onde o percentual de gestantes que fizeram uso do suplemento foi muito baixo, longe, portanto, de alcançar essa universalização. A situação pode ser considerada ainda mais crítica devido ao fato de que mulheres em condições mais desfavoráveis, como as de baixa escolaridade, são também as que menos fizeram uso do suplemento.
Tendo em vista que o presente estudo não avaliou se o não consumo foi devido a não prescrição pelo médico ou, por não adesão à prescrição feita, novos estudos são necessários para esclarecer essa questão. Dessa forma será possível direcionar ações que possam ser mais efetivas para o cumprimento da recomendação de suplementação e, consequentemente, evitar a carência de folato na gestação. Reconhece-se, no entanto, que qualquer intervenção deve envolver mudanças de comportamento, portanto pode levar anos, e envolve complexas interações entre conhecimento teórico e prático. Neste sentido, acredita-se também ser importante entender as crenças e atitudes maternas com relação ao uso de vitaminas durante a gestação.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.
Recebido 03/05/2010
Aceito com modificações 19/07/2011
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Diamantina (MG), Brasil.