DOI: 10.1590/S0100-72032011000600007 - volume 33 - Junho 2011
Luis Bahamondes, Felipe Pinho, Nilson Roberto de Melo, Eliane Oliveira, María Valeria Bahamondes
Introdução
Os anticoncepcionais hormonais, incluindo os anticoncepcionais combinados orais, são os métodos contraceptivos reversíveis mais eficientes disponíveis e ao mesmo tempo são os mais utilizados no planeta, se excluírmos a China onde o método mais utilizado é o dispositivo intrauterino (DIU). Nos países desenvolvidos, em torno de 18% das mulheres casadas ou unidas alguma vez, usam anticoncepcional oral combinado (ACO) sendo esta proporção de 75% nos países em desenvolvimento1 o que representa milhões de mulheres em uso em todo o mundo, incluindo o Brasil.
A característica mais marcante dos ACO é a facilidade de uso, embora o maior problema seja o fato da necessidade de ingestão diária que leva ao esquecimento frequente, com aumento da taxa de falha contraceptiva2. A eficiência contraceptiva teórica dos ACO é altíssima, mas durante o uso típico, ou seja, mulheres que usam fora dos estudos clínicos controlados, a efetividade é menor que a esperada, o que pode ser reflexo das dificuldades que as mulheres enfrentam na aderência ao método, o que resulta por sua vez em baixas taxas de continuação a longo prazo.
Como exemplo, nos Estados Unidos a taxa de falha com ACO durante uso típico é de 8%, entretanto, para mulheres em uso perfeito esta taxa tem sido descrita como sendo apenas de 0,3%3,4. A grande diferença deve ser atribuída a fatores humanos, principalmente pelo esquecimento de algumas pílulas. O uso correto e repetitivo pelas mulheres é fundamental para a taxa de efetividade, principalmente nos ACO que dependem de ingestão diária, ao contrário dos métodos de longa duração como DIU e implantes nos quais a continuação não depende de lembrança diária, semanal, mensal ou trimestral.
Os contraceptivos hormonais, em geral, se caracterizam por altas taxas de descontinuação e isto deve ser atribuído à pobre aderência, o que pode ser reflexo de efeitos colaterais5,6, principalmente por efeitos hormonais indesejáveis ou esquecimento de tomar uma ou mais pílulas7,8, o que leva a gravidezes não planejadas ou não desejadas.
É estimado que 32% de novas usuárias de ACO descontinuem no primeiro ano9 e uma análise com companhias de seguros de saúde nos Estados Unidos mostrou que mais de 35% de novas usuárias de ACO não retornaram a buscar a nova prescrição em um prazo de três meses de uso. Dados similares têm sido observados no Brasil onde 45% das usuárias de ACO descontinuaram o uso nos primeiros 12 meses, sendo 12% por eventos adversos, embora esta proporção seja maior para injetáveis (64%)10. Embora ACO com menor dose de estrogênio estejam disponíveis no mercado brasileiro e estas novas formulações tenham sido desenvolvidas para minimizar os eventos adversos e aumentar a continuidade de uso, isto não tem ocorrido devido à maior taxa de sangramento irregular que provocam11.
Devido à escassa informação existente no Brasil em relação ao número de mulheres que iniciam o uso de ACOs e descontinuam prematuramente, o objetivo deste estudo foi avaliar a taxa de continuação e as razões de descontinuação de uso de diversos ACO em uma coorte de mulheres brasileiras residentes em áreas urbanas do país.
Métodos
Este estudo descritivo de corte transversal foi realizado baseado em uma amostra não-probabilística com 400 ginecologistas do Brasil, escolhidos por sorteio entre aqueles registrados na Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Todos os médicos ofereceram consentimento verbal concordando em participar da pesquisa.
A estratégia de seleção adotada permitiu a inclusão de mulheres de diferentes estratos socioeconômicos, embora o fato de serem recrutadas em consultórios privados ou de convênios, não tenha permitido entrevistar mulheres dependentes unicamente do setor público.
Cada médico assumiu o compromisso de incluir dez mulheres. As participantes foram mulheres em idade reprodutiva, não grávidas, não lactantes, não em amenorréia com idades entre 18 e 39 anos que consultavam solicitando contracepção com ACO ou com pílulas de progestogênio isolado. Os critérios de exclusão foram: contraindicações médicas para uso de ACO, uso de ACO no momento da consulta inicial, e desejo de engravidar em um tempo menor de seis meses. A todas foi aplicado um questionário simples no início de uso e aos seis meses posteriores a esta primeira consulta. O questionário incluía informações sobre: idade, etnia, situação marital, escolaridade, religião, se trabalhava fora da casa e antecedentes obstétricos e ginecológicos. Além disso, os médicos preencheram a informação sobre o tipo de ACO escolhido pela mulher ou prescrito, sem identificar a marca comercial do mesmo, apenas a quantidade de estrogênio (etinilestradiol - EE) e o tipo de progestágeno que continha na sua formulação. Também, nos casos de descontinuação de uso, as razões dadas pelas mulheres para este evento, dentro do período de seis meses de seguimento, foram anotadas.
O tamanho da amostra foi estimado em 1.427 mulheres, baseado em uma prevalência estimada de 48% de mulheres usuárias de ACO que descontinuariam no primeiro ano de uso considerando um erro tipo I, α=0,05 e tipo II β=0,20. A análise estatística incluiu análise descritiva das variáveis e porcentagens e descrição das razões para descontinuação.
Resultados
Foram coletadas 3.465 entrevistas na primeira visita e 1.699 na visita de seguimento aos 6 meses posteriores à primeira. A idade predominante foi entre 20 e 29 anos (56,3%); a maioria (82,3%) foi identificada como de cor branca, assim como mais da metade (57,3%) eram solteiras e quase um terço (32,3%) eram casadas. Em relação à escolaridade, uma proporção quase igual de 45% referiu ensino médio ou superior; quase dois terços (67,1%) se declarou católica e 83,3% trabalhavam fora da residência (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra algumas características reprodutivas das mulheres. A maioria (60,7%) nunca tinha engravidado e 27,0% tinham tido somente uma gravidez; 77,3% tinham já utilizado algum ACO anteriormente e a maioria (71,8%) tinha utilizado como método contraceptivo algum ACO no último ano seguido pelo condom (16,2%).
Em relação à composição do ACO prescrito ou escolhido pela mulher, o tipo de estrogênio os de maior prescrição foram os com EE na dose de 20 µg por comprimido (46,5%) seguido por ACO com 30 µg de EE (27,6%). Quando considerado a composição no tocante ao progestágeno, o ACO mais prescrito ou escolhido foi aquele com o gestodeno (GSD) (36,5%), seguido por ACO com drosperinona - DRSP - (22,0%) (Tabela 3).
Na Tabela 4, observa-se a distribuição das 1.699 pacientes na visita de seguimento aos 6 meses quanto à continuação ou não o uso do ACO e, no caso de descontinuação, as razões dadas para este evento. É possível observar que quase dois terços (63,5%) continuavam em uso na visita dos seis meses. Entretanto, entre aquelas mulheres que descontinuaram, as principais razões dadas foram o desejo de engravidar (36,5%) e os efeitos colaterais (57,3%). Os efeitos colaterais mais apontados pelas mulheres foram: cefaléia (37,6%), sangramento uterino irregular (23,6%) e aumento de peso (16,6%).
Discussão
O presente estudo conseguiu acompanhar um numeroso grupo de mulheres brasileiras em relação ao uso de ACO e as razões argumentadas para descontinuação prematura de seu uso, dentro dos primeiros seis meses da prescrição original. Entretanto, o maior fator limitante deste estudo foi que 49% das mulheres não retornaram para a consulta de seguimento aos seis meses da admissão. Este fato limita nossos resultados, já que este contingente de mulheres poderia estar em uso nessa consulta, o que levaria a uma taxa de continuação maior. Por outro lado, este contingente de mulheres poderia ter descontinuado o uso, o que aumentaria a taxa de descontinuação e seria interessante avaliar as razões para isto. É necessário ter em conta que é possível comprar ACO nas farmácias sem receita médica e que este fato deve ter limitado os retornos das mulheres. Também devemos ter em conta que a maioria dos médicos encarregados de acompanhar estas mulheres não tinha experiência prévia em pesquisa, o que pode ter influenciado o empenho em obter dados aos seis meses. Contudo, o número de casos esteve dentro da amostra proposta.
Vale ressaltar que pouco mais de 40% das descontinuações foram atribuídas pelas mulheres a eventos adversos e, dentre eles, os mais referidos foram cefaléia, aumento de peso e sangramento uterino irregular. Entretanto, outra limitação do estudo foi que estas mulheres eram em sua maioria brancas, solteiras e com ensino médio ou superior, o que não reflete totalmente a população brasileira, mas reflete o fato das entrevistas serem conduzidas em consultórios privados ou de convênios médicos.
Não existem dúvidas de que os ACO estão entre os métodos contraceptivos disponíveis mais eficientes3,4 e o seu uso é um dois mais prevalentes entre os métodos contraceptivos no Brasil12. Entretanto, o uso deste método requer atenção diária por parte da mulher com um regime que, nas pílulas monofásicas, em geral é de 21 pílulas seguidas de 7 dias de descanso, assim é preciso evitar o esquecimento da ingestão e também o dia de reinício de um novo ciclo de pílulas. Isto tem levado a taxas de falha maiores que as esperadas, chegando a quase 8 entre 100 usuárias no ano3,4, e à atração de muitas mulheres por métodos de longa duração como implantes e DIU, que oferecem proteção pelo menos por 5 anos com uma única intervenção13.
Tem sido referido que a aderência ao método contraceptivo e a observância no esquema da ingestão é dependente da motivação da mulher, mas também depende, principalmente, da orientação recebida do médico no momento da prescrição14. Mesmo em métodos contraceptivos que não requerem atenção diária ou frequente por parte da mulher, como implantes ou contraceptivos intrauterinos, a aderência ideal ou as taxas de continuação dependem, além dos fatores individuais do método, da observância da mulher para seguir usando um método determinado. A qualidade da orientação oferecida às mulheres afeta de forma importante a aceitabilidade e continuação dos contraceptivos15.
Tem sido descrito que dentro do primeiro ano de início do contraceptivo, 7 a 27% das mulheres interrompem o uso por razões que poderiam ter sido discutidas entre o médico e a paciente durante a consulta inicial de prescrição16. Revisões têm mostrado que em matéria de contracepção é necessário uma abordagem individual centrada nas necessidades individuais de cada mulher ou casal e que a relação interpessoal entre a paciente e seu médico é fundamental para obter êxito nesta matéria16.
Entretanto, no sentido oposto, uma revisão17 avaliou a efetividade de diferentes técnicas para melhorar a aderência e as taxas de continuação de métodos hormonais de contracepção. Concluiu-se que são necessários mais estudos para avaliar os benefícios da orientação intensiva. Apenas foram identificados oito estudos clínicos randomizados e somente um mostrou benefício significante da intervenção quando mulheres que receberam repetidamente informação estruturada sobre o injetável trimestral com acetato de medroxiprogesterona de deposito (AMPD), descontinuaram menos o método dentro dos 12 meses de início quando comparadas com as mulheres que receberam orientação rotineira. O grupo que recebeu orientação intensiva também descontinuou menos por transtornos de sangramento18. No sentido oposto, um estudo no Canadá mostrou que mulheres melhor informadas eram capazes de dar respostas mais acuradas sobre uso de ACO, benefícios e eventos adversos dos mesmos19, mas não avaliaram a taxa de continuação.
Nossos resultados mostraram que, aos seis meses de uso, pouco mais de dois terços das pacientes iniciais ainda estavam usando o ACO escolhido ou indicado. Um estudo com um grande número de mulheres (1.602) em foram avaliados dois ACO monofásicos, ambos com 1 mg de noretisterona (NET) e 35 μg ou 50 μg EE20, mostrou taxas de continuação para ambos ACO similares, de 63% ao fim dos 12 meses. Outro estudo21 com 783 mulheres, a taxa de continuação aos 6 meses de início do uso foi de 88 e 86%, respectivamente, para ACO monofásico ambos com 30 μg de EE e 150 μg de desogestrel (DSG) ou 75 μg de GSD. Dois estudos realizados nos Estados Unidos mostraram taxas de continuação aos 6 meses de 53,6% entre 1.477 mulheres e 7.870 ciclos de avaliação de um ACO com levonorgestrel (LNG) 100 μg e EE 20 μg22; o outro estudo23 com 1.716 mulheres com menos de 25 anos de idade avaliadas em clínicas do setor público mostrou somente 43% de taxa de continuação com o uso de um ACO. Estes autores mostraram também que as descontinuações ocorreram por razões não relacionadas com eventos adversos e de fato estes não estiveram presentes.
As principais causas de descontinuação referida pelas mulheres no nosso estudo foram o desejo de uma gravidez seguida de eventos adversos, entre os quais os mais comuns foram sangramento menstrual anormal, cefaléia, ganho de peso e problemas na pele. As mulheres envolvidas em estudos clínicos randomizados ou em estudos experimentais, nos quais é testado um novo ACO, são mais propensas a taxas de continuação maiores e aceitam mais visitas de controle, às vezes incentivadas por orientação intensiva, pelo próprio pesquisador ou pelo patrocinador. Entretanto, mulheres envolvidas em estudos não experimentais como o presente, são mais representativas de usuárias típicas de ACO.
O fato da principal causa de descontinuação observada no nosso estudo ter sido o desejo de engravidar, é reflexo de que majoritariamente a população era jovem e sem filhos, e isto foi apontado previamente24. Alguns métodos contraceptivos são mais apropriados que outros em certos momentos da vida e os ACO, em geral, são menos usados por mulheres muito jovens ou por aquelas na transição para a menopausa. No momento em que as mulheres jovens começam a ser mais sexualmente ativas e, provavelmente, mais confiantes em seu médico, elas iniciam o uso de ACO. Por exemplo, na Inglaterra o pico de uso de ACO está aos 20 - 24 anos de idade e após esta idade, o uso declina. Na Suécia25, um grupo de mulheres foi acompanhado durante 10 anos sendo observado que aos 24 anos de idade metade ainda usava ACO, taxa que decaiu para 22% aos 29 anos. Também foi observado que entre as causas de descontinuação para uso de ACO, o desejo de engravidar foi de 6, 32 e 52% aos 19, 24 e 29 anos de idade, respectivamente.
Eventos adversos têm sido apontados como a principal causa de descontinuação de uso de ACO26. Em um estudo prospectivo realizado nos Estados Unidos27, 37% das usuárias de ACO que descontinuaram o uso, referiram eventos adversos. Os mesmos eventos adversos referidos pelas mulheres neste estudo foram observados em outro estudo nos Estados Unidos23, como mudanças menstruais, acne e problemas no cabelo, seguido da expressão "não gosto" do ACO. Um estudo de corte transversal realizado em diversos países, incluindo o Brasil16, mostrou que entre as usuárias de ACO, as taxas de descontinuação ou troca por outro método no ano anterior à entrevista foi de 81% e troca de método por eventos adversos foi de 57%, e 67% admitiram ter esquecido alguma pílula ou usado o ciclo de forma errada nos 3 meses anteriores. Outros autores28 mostraram que as mulheres que mais descontinuaram o uso de ACO, eram aquelas que usavam fórmulas com 20-25µg de EE, aquelas com noretindrona, norgestimato e DSG, sendo este último progestágeno, o terceiro em prescrição no nosso estudo. Infelizmente, não correlacionamos a taxa de descontinuação com o tipo de ACO em uso.
Como o uso de ACO é um evento simples e sua descontinuação termina a proteção contraceptiva imediatamente, é muito importante conhecer suas causas e tentar identificar estratégias para aumentar a aderência ao método ou, ao menos, orientar a mulher ao uso de outro contraceptivo quando não existir o desejo de uma nova gravidez. Outros autores29 referiram descontinuação de 55% ao fim do primeiro ano de uso de ACO.
É necessário explicar os benefícios não contraceptivos que os ACO têm e tentar reverter as mensagens negativas que, às vezes, são colocadas na mídia. O chamado "medo da pílula" ocorrido em 1995 na Noruega, resultou na suspensão do uso de ACO por 25.000 mulheres, em dois meses30.
A taxa de continuação do uso de ACO é baixa em geral e especialmente em longo prazo, e pouco se sabe sobre as razões para descontinuação25. Este estudo pode contribuir para que os médicos orientem melhor suas pacientes iniciantes no uso de ACO sobre os eventos adversos esperados que, em geral, são mínimos e temporários, e sobre os benefícios não contraceptivos dos ACO19,31. Esta orientação deveria ser dada antes do início e a cada consulta de retorno, tanto para nova prescrição, quanto por outros motivos.