DOI: 10.1590/S0100-72032011000400005 - volume 33 - Abril 2011
Vilma Blondet de Azeredo, Kallyne Bolognini Pereira, Camila Barros da Silveira, André Manoel Correia dos Santos, Liliana Magnago Pedruzzi
Introdução
O período de lactação é um momento do ciclo de vida da mulher no qual observa-se aumento significativo da necessidade energética para garantia de adequada produção de leite e manutenção do organismo materno. Porém, atualmente observa-se que este momento do ciclo reprodutivo está associado ao aumento excessivo de peso corporal1.
Alguns pesquisadores sugerem que o adequado acompanhamento da gestante durante o pré-natal é fundamental para o controle do ganho de peso gestacional, sendo este um importante preditor da retenção de peso no pós-parto2. Pouco se sabe sobre as consequências do ganho de peso gestacional na vida da mulher no pós-parto, desconhecendo-se o risco de tornar-se ou manter-se obesa como resultado da gravidez3.
De maneira geral, após o parto, a maioria das ações visa apenas assegurar o aleitamento materno e cuidados com a criança1. Ainda não existe o estabelecimento de acompanhamento nutricional materno pós-natal, principalmente para o grupo de adolescentes, desconhecendo-se o efeito da lactação sobre o estado nutricional antropométrico e bioquímico da adolescente nutriz.
A anemia ainda hoje é um problema de saúde pública em nosso país4. Vários são os programas governamentais para minimizar este problema durante a infância e gestação5, contudo, não existem ações direcionadas para o diagnóstico e tratamento da anemia durante a lactação.
No Brasil, poucos são os estudos que avaliam o estado nutricional da adolescente nutriz em função do pós-parto e são escassas pesquisas que determinem a frequência de anemia no mesmo período. Assim, esta publicação tem por objetivo avaliar o efeito do tempo de lactação sobre o estado nutricional antropométrico e a frequência de anemia em nutrizes adolescentes.
Métodos
Este é um estudo analítico observacional longitudinal para o qual houve acompanhamento de adolescentes nutrizes entre a 5ª e 15ª semana pós-parto. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão no estudo: adolescente em aleitamento materno exclusivo (leite materno sem complementação de água ou chá) ou predominante (com inclusão de água ou chá)6, idade máxima de 18 anos, não ter nenhuma doença infecciosa e não estar ingerindo suplementos nutricionais e medicamentos que pudessem interferir na interpretação e análise dos resultados.
A amostra foi aleatória por conveniência. Todas as adolescentes nutrizes frequentadoras da Policlínica de Especialidades em Atenção à Saúde da Mulher Malu Sampaio, do município de Niterói (RJ), e da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no período de março de 2009 a março de 2010 foram convidadas a participar do estudo. Houve entrevistas com 80 adolescentes, porém, apenas 50 participaram de todas as etapas da pesquisa.
O consentimento de participação das voluntárias, por escrito, foi obtido após esclarecimentos da finalidade do estudo e do uso dos dados sob a garantia de anonimato. Uma vez cientes e de acordo com a proposta da pesquisa, as adolescentes foram entrevistadas para a caracterização do grupo e obtenção de informações sobre dados antropométricos, idade cronológica, idade da menarca, número de gestações, início das relações sexuais e frequência de amamentação na 5ª, 10ª e 15ª semana pós-parto (SPP). Os seguintes dados foram obtidos do prontuário materno: número de consultas pré-natal, informações de peso e estatura aferidas na primeira e na última consulta pré-natal.
Para avaliação do estado nutricional antropométrico dos recém-nascidos, as informações de peso (g), comprimento (cm) e perímetro cefálico (cm) foram coletadas do cartão de acompanhamento e avaliadas segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece como baixo peso ao nascer o neonato inferior a 2.500g7. Para comprimento e perímetro cefálico ao nascer foram utilizadas, como referências, as curvas da OMS publicadas em 20068 e 20079, respectivamente.
O recrutamento e as entrevistas foram realizados por um profissional nutricionista devidamente treinado e as informações, coletadas de acordo com questionário padronizado.
Avaliação antropométrica das voluntárias
Para a avaliação do estado nutricional antropométrico materno pré-gestacional e atual foi utilizado o índice de massa corporal (IMC) para adolescente (IMC/idade), baseado nos critérios estabelecidos pela OMS10, que considera obesidade os valores de IMC/idade > percentil 97, sobrepeso o valor de IMC/idade entre percentil 85 e 97, eutrofia entre 3 e 85 e baixo peso IMC/idade abaixo do percentil 3.
O ganho de peso gestacional foi calculado pela subtração do peso da última consulta pré-natal do peso pré-gestacional e avaliado segundo critério proposto pelo Institute of Medicine (IOM)11 conforme as faixas de ganho de peso recomendado segundo as categorias de IMC pré-gestacional: baixo peso (12,5 a 18,0 Kg), eutrofia (11,5 a 16,0 Kg), sobrepeso (7,0 a 11,5 Kg) e obesidade (7,0 a 9,1 Kg).
Avaliação bioquímica das voluntárias
Amostras de sangue foram obtidas pela manhã, após jejum noturno de 12 horas. A coleta de sangue foi realizada por técnicos habilitados das Unidades de Saúde, por meio de punção venosa em tubos contendo EDTA. Após o procedimento, foram acondicionadas em gelo e transportadas ao laboratório para análises posteriores. Alíquotas de sangue total foram separadas para determinação de hematócrito e hemoglobina. O restante do material foi centrifugado a 3.500 rpm por 15 minutos para obtenção do plasma. A hemoglobina foi determinada pelo método cianometahemoglobina por meio de kit colorimétrico comercial e expresso em gramas por decilitro (g/dL). Já o hematócrito, por procedimento padrão de microcentrifugação em capilar de vidro e expresso em percentual (%).
Análise estatística
Os dados são apresentados a partir de estatística descritiva, como média e desvio padrão (DP). A suposição de normalidade (distribuição Gaussiana) dos dados foi verificada utilizando os testes de Kurtosis e Skewness para suportar a utilização dos métodos estatísticos descritos. Para as análises de comparação de médias entre os três momentos estudados usou-se ANOVA com medidas de repetição e Tukey como pós-teste. Trabalhou-se com um nível de significância de 5%. Foi utilizado o programa SPSS for windows (Statistical Package for the Social Sciences, 2005), versão 14.0, para a realização das análises.
O protocolo de pesquisa cumpriu os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki e as normas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Antonio Pedro da Universidade Federal Fluminense (UFF), constando aprovado sob o protocolo número 070/06.
Resultados
Na Tabela 1 estão descritas as características gerais, reprodutivas e antropométricas das nutrizes adolescentes. Observa-se que a média etária das adolescentes é 16 anos, com a menarca aos 12 e início das relações sexuais aos 14. Todas são primíparas, com idade ginecológica média de 4,5 anos. A maioria (90%) realizou pré-natal com adequado número de consultas (>6).
Ao analisarmos o estado nutricional pré-gestacional e a adequação de ganho ponderal total na gestação, verifica-se que todas as voluntárias com sobrepeso e obesas e 33% das adolescentes eutróficas apresentam ganho de peso superior ao recomendado em função da classificação do IMC pré-gestacional (IMCPG). Já as com baixo peso tiveram ganho ponderal adequado ou abaixo do recomendado (60% e 40%, respectivamente).
Na Tabela 2 é apresentada a avaliação do estado nutricional pré-gestacional e atual das adolescentes. Quanto ao primeiro, em geral, 58% das adolescentes são eutróficas, 21% apresentam baixo peso e o mesmo percentual está acima do peso adequado, com sobrepeso ou obesidade.
Observa-se aumento significativo (valor p<0,05) do IMCPG (20,8 kg/m2) das adolescentes nutrizes quando comparado com o IMC atual, verificado na 15ª SPP (23,60 kg/m2), bem como incremento significativo (valor p<0,05) do peso corporal pré-gestacional médio (6,50 kg) no mesmo período.
O IMC médio por idade, nos diferentes estágios de lactação, encontra-se entre os percentis 75 e 85 e a classificação do estado nutricional revela maior frequência de mães adolescentes eutróficas, seguidas por sobrepeso/obesidade. Há, então, diminuição do número de casos de baixo peso e aumento de eutrofia e sobrepeso/obesidade na 15ª SPP. Ao final do estudo, a frequência de sobrepeso (27%) aparece três vezes maior que a de baixo peso (9%).
Em relação aos lactentes, apresentam média massa corporal, comprimento e perímetro cefálico médio normal ao nascimento. Entretanto, 9,4% são considerados de baixo peso ao nascer (peso inferior a 2.500 g). Na 5ª SPP não são mais observadas crianças com inadequação ponderal. Registra-se ganho ponderal mensal médio de 1 Kg, tanto aos 30 quanto aos 60 dias após o nascimento (Tabela 3).
A frequência de amamentação diária observada na 5ª SPP é de 8,0±0,5 vezes, havendo redução significativa (valor p<0,0001) no número de mamadas até o final do estudo (10ª SPP: 6,9±0,2; 15ª SPP: 6,3 vezes ao dia).
Ao correlacionar as características maternas às dos recém-nascidos verifica-se associação entre ganho de peso gestacional materno e o peso e perímetro cefálico da criança ao nascer (r=0,7000, valor p=0,0001; r=0,6000, valor p=0,0040), respectivamente.
A concentração média de hemoglobina (12,0±1,8; 12,6±1,7; 12,9±1,8) e hematócrito (38,6±2,8; 39,3±2,4; 39,0±3,6) apresentam-se normais na 5ª, 10ª e 15ª SPP, respectivamente. Entretanto, observa-se aumento significativo (valor p<0,05) nos casos de anemia na 10ª e 15ª SPP em relação à 5ª SPP (Figura 1).
Discussão
Para a maioria das pessoas, a atividade sexual tem início na adolescência e a diminuição da idade da menarca vem estimulando os adolescentes ao início da atividade sexual precoce12. No presente estudo, a sexarca ocorreu, em média, por volta dos 14 anos, resultado semelhante ao observado em outro estudo na cidade de Niterói13. Esses dados, entretanto, são bastante preocupantes visto que a maturidade fisiológica e emocional ainda não está suficientemente desenvolvida na faixa etária mais jovem e muitas características das mães adolescentes (13 a 17 anos) são mais desfavoráveis do que daquelas entre 18 e 19 anos14,15.
Dados da literatura indicam que a idade cronológica materna, a ginecológica e a menarca são fatores de grande importância e devem ser considerados para avaliar os riscos para o feto, neonato e para a mãe, por conta de suas associações com o risco de baixo peso ao nascer, prematuridade e morte materna. Portanto, a melhor maneira de conhecer os riscos reprodutivos da adolescente grávida é por meio da idade ginecológica, ou seja, o intervalo de tempo, em anos, transcorridos entre a menarca e a idade de concepção16,17.
Observa-se ainda no presente estudo que as adolescentes apresentaram desfecho gestacional satisfatório, ao observar o peso e comprimento do bebê ao nascer, estando em consonância com outro estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro com adolescentes nutrizes18. Isto pode estar relacionado à idade cronológica (16 anos) e ginecológica superior a 3 anos (4,5 anos), além de acompanhamento pré-natal adequado (número de consultas pré-natal >6,0). Outras pesquisas, no entanto, relatam elevada frequência de baixo peso ao nascer entre os filhos de adolescentes (13,2% e 20,5%)16,17.
Os resultados mostram que a maioria das nutrizes adolescentes tiveram adequado ganho de peso durante a gestação e que este também foi importante para que os recém-nascidos apresentassem apropriado peso corporal e perímetro cefálico ao nascer, corroborando os dados da literatura19.
Supomos que os resultados deste estudo estão relacionados ao acesso das adolescentes gestantes aos serviços de saúde e ao adequado acompanhamento pré-natal em relação à região onde o estudo foi realizado. Ressaltamos, também, o fato destas voluntárias serem frequentadoras de serviço público com atendimento voltado para a gestante adolescente, o que pode mostrar a importância da assistência à saúde para este grupo específico da população no desfecho gestacional.
Observamos aumento médio de 6,5 Kg no peso corporal das adolescentes nutrizes (peso na 15ª SPP Peso pré-gestacional PPG), ao contrário do esperado: perda de peso corporal em função da utilização da reserva de energia acumulada durante a gestação7. Consequentemente, verifica-se alto percentual (27%) de sobrepeso/obesidade materno na 15ª SPP. Resultado similar foi apresentado por Nucci et al.19 em um estudo realizado no Brasil em que foi observada frequência de 29,2% nos casos de sobrepeso/obesidade materno no pós-parto. Resultado semelhante (aumento de 7,5 kg) foi constatado por outros pesquisadores ao acompanharem mulheres adultas brasileiras durante 9 meses no pós-parto20.
Deve-se considerar que a característica relacionada ao aleitamento materno praticado pelas adolescentes estudadas apresentou-se em acordo com a política de saúde pública, que estimula a amamentação exclusiva como meta pelos primeiros seis meses de vida da criança6 e a frequência de amamentação não sofreu influência das características maternas. Entretanto, houve declínio do aleitamento da 5ª para a 15ª SPP, fato esperado, pois se sabe que a frequência das mamadas tende a diminuir no decorrer das semanas pós-parto, visto que há desaceleração do crescimento da criança acompanhada por maior espaçamento entre as mamadas, passando de 3 em 3 horas para 4 em 4 horas e também devido à capacidade gástrica da criança, que aumenta e com isso diminui o número de mamadas. Em função do critério de inclusão estabelecido para o recrutamento das adolescentes nutrizes (aleitamento exclusivo ou predominante) em nosso estudo, não observamos frequência de desmame.
Enfatizamos que o IOM21 considera adequada a perda de 0,5 a 1,0 kg para mulheres que praticam amamentação exclusiva, com IMC adequado, e de 2 kg para nutrizes com sobrepeso, após o primeiro mês do pós-parto, fato não observado no presente estudo.
Os resultados relacionados aos indicadores bioquímicos do estado nutricional de ferro mostram grande frequência de adolescentes nutrizes com anemia ao longo das SPP, ressaltando que trata-se de um grande problema nutricional no pós-parto e não apenas durante a gestação. Estes resultados são corroborados pela literatura na qual estudos realizados com adolescentes nutrizes18,21-24 e adultas25, no Rio de Janeiro, mostram frequência de anemia similar (>30%) às aqui reportadas.
Cabe ressaltar que não são encontrados na literatura estudos com acompanhamento longitudinal, similar ao desenho desta pesquisa, o que dificultou a melhor discussão dos resultados. Entretanto, com as informações obtidas e as poucas encontradas na literatura, observa-se a importância do adequado acompanhamento nutricional no pós-parto de adolescentes com o objetivo de reduzir os riscos da obesidade e distúrbios nutricionais subclínicos, como a anemia, ao longo do ciclo de vida reprodutiva da mulher.
Concluímos que, estes resultados mostram o aumento do peso corporal durante a lactação e que a anemia é um problema nutricional neste momento biológico e não apenas durante a gestação. Portanto, deve haver um acompanhamento médico e nutricional materno no pós-parto, com o intuito de prevenir a obesidade e diagnosticar e tratar possíveis deficiências nutricionais subclínicas existentes neste momento biológico.
Agradecimentos
À Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PROPPi) da UFF pelo fomento à pesquisa e à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo auxílio à Pesquisa (APQ1) e bolsa de mestrado concedidos, sem o qual o desenvolvimento e a continuidade deste estudo não seriam possíveis.
Recebido 08/09/2010
Aceito com modificações 17/11/2010