DOI: 10.1590/S0100-72032011000300003 - volume 33 - Março 2011
Tenilson Amaral Oliveira, Elisa Matias Vieira de melo, Márcia Maria Auxiliadora de Aquino, Corintio Mariani Neto
Introdução
A indução do trabalho de parto é utilizada em muitas situações clínicas, nas quais a terminação da gravidez reduzirá os riscos de morbidade e mortalidade materna e neonatal. Atualmente, a frequência de indução de parto atinge 15 a 30% dos casos1-3. O processo fisiológico que promove o trabalho de parto é complexo, de maneira que, quando se encontra uma cérvix desfavorável, definida como índice de Bishop menor que 6, existe risco aumentado de falha de indução4. Além disso, baixos índices de Bishop podem resultar em trabalhos de parto exaustivos e prolongados, aumentando a chance de partos fórcipes, cesáreas e hospitalização prolongada. Vários métodos farmacológicos foram testados para promover a indução do trabalho de parto com colo desfavorável, como hialuronidase, estrógeno e prostaglandinas4. Inúmeras preparações de prostaglandinas, incluindo comprimidos de misoprostol e dinoprostone (gel e comprimidos) estão disponíveis para utilização. Essas prostaglandinas vêm sendo amplamente utilizadas para amadurecimento cervical e indução do parto em todo o mundo4. Contudo, as preparações de prostaglandinas E2 são caras, o que torna difícil o seu uso nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Nos Estados Unidos, em 1992, o Food and Drug Administration (FDA) aprovou a PGE2 gel para uso em humanos e o pessário de silicone da PGE2 em 1995, o qual promove a liberação contínua da droga. Atualmente, encontra-se disponível no Brasil um sistema de liberação vaginal de dinoprostone4. O uso desses medicamentos, entretanto, pode se associar à presença de hiperestimulação uterina e anormalidades dos batimentos cardíacos fetais5.
Misoprostol é uma prostaglandina E1 análoga e tem sido considerada segura e eficaz para maturação e dilatação do colo uterino. O produto é barato, fácil de administrar, estável a temperatura ambiente, não necessitando de refrigeração. Ainda permanece incerto quanto à via ideal e dose de administração, para evitar as complicações potenciais, tais como taquissistolia, síndrome de hiperestimulação uterina e rotura uterina. Vários estudos na literatura sugerem que a eficácia e os efeitos colaterais são dose-dependentes6-8.
Dinoprostone é uma PGE2 análoga e tem se revelado um agente eficaz de amadurecimento do colo e indução do parto. Contudo, é um produto caro, requer refrigeração, administração endovaginal e ocitocina como adjuvante da estimulação da contratilidade uterina. Alguns estudos sugerem que é mais seguro que misoprostol, devido à menor frequência de síndrome de hiperestimulação uterina9,10. O objetivo do estudo foi verificar e comparar a eficácia e a segurança de dinoprostone e misoprostol para indução do parto vaginal, com ou sem o uso de ocitocina em nulíparas.
Métodos
De janeiro de 2008 a fevereiro de 2010, 238 pacientes foram submetidas à indução do parto com o uso do comprimido de misoprostol 25 mcg via vaginal, ou pessário, contendo 10 mg de dinoprostone, no Centro Obstétrico do Hospital Leonor Mendes de Barros. Foram selecionadas 184 pacientes desse grupo, que apresentavam os seguintes critérios de inclusão: nulíparas, gestação a termo, feto único, apresentação cefálica, membranas íntegras e índice de Bishop < 3. Foram excluídas mulheres que não tinham realizado exame de ultrassonografia com menos de 20 semanas de gravidez.
A escolha do medicamento a ser utilizado foi aleatória, a critério do médico plantonista, responsável pelo acompanhamento de gestantes com indicação de indução do parto. Trata-se, portanto, de estudo retrospectivo, observacional, para avaliar a eficácia das prostaglandinas, disponíveis em nosso serviço para esse procedimento.
As indicações para indução do parto também foram similares, conforme observamos na Tabela 1. A média da idade gestacional da indução não variou significativamente, sendo o pós-datismo a principal indicação em ambos os grupos (Tabela 1).
O comprimido de misoprostol 25 mcg foi colocado no fórnix posterior da vagina a cada 6 horas até a ocorrência de contrações regulares, na dose máxima de 100 mcg. Pessário com 10 mg de dinoprostone foi inserido num período máximo de 24 horas. O pessário vaginal é uma preparação montada numa matriz de polímero de hidrogel, para liberação de 0,3 mg/h. Ele é colocado transversalmente no fórnix posterior da vagina e removido em 24 horas ou mais cedo se ocorrerem contrações uterinas regulares ou rotura de membranas.
Após avaliação do índice de Bishop, os batimentos cardíacos fetais foram monitorados antes e após inserção dos análogos das prostaglandinas. Ausculta intermitente com o uso do sonar Doppler foi realizada de hora em hora durante a fase ativa do trabalho de parto. Dinâmica uterina foi verificada juntamente com a ausculta dos batimentos cardíacos fetais. Avaliação da dilatação do colo uterino foi anotada a cada 1 ou 2 horas em partograma. Caso ocorresse evolução lenta do trabalho de parto, isto é, ausência de pelo menos 2 contrações uterinas regulares em 10 minutos, de pelo menos 30 segundos, sem aumento progressivo da dilatação do colo, verificado pelo partograma, a ocitocina foi administrada 30 minutos após a retirada do pessário de dinoprostone ou 4 horas após o último comprimido de misoprostol. O uso intravenoso de ocitocina foi iniciado a partir de 4 mU/Mn e dobrada a cada hora, até o máximo de 32mU/min. Após o início do uso da ocitocina, ela foi mantida até o parto, seja cesárea ou normal, e suspenso diante da ocorrência de taquissistolia, sofrimento fetal ou distocia funcional.
A avaliação do bem-estar fetal foi avaliada pela cardiotocografia (CTG). Padrão não tranquilizador foi considerado caso o traçado apresentasse as seguintes características: desacelerações tardias persistentes; padrão sinusoidal; desacelerações variáveis com queda < 70 batimentos/min maior do que 60 segundos com retorno lento a linha de base e variabilidade < 5 batimentos/min.
Diante de anormalidades no exame de cardiotocografia, a indução foi suspensa, com a retirada do pessário ou da infusão com ocitocina. Além disso, a paciente era colocada em decúbito lateral e era feita a hidratação intravenosa.
Taquissistolia foi definida como pelo menos 6 contrações em 10 minutos. Contração uterina persistente de pelo menos 2 minutos foi considerada hipertonia uterina.
As variáveis selecionadas para análise foram: idade materna, idade gestacional, indicações de indução, duração do trabalho de parto, amadurecimento do colo, uso de ocitocina, taquissistolia, peso ao nascimento, índice de Apgar, tempo de internação, indicações de cesárea e parto vaginal. O amadurecimento do colo foi considerado presente quando o índice de Bishop atingiu seis. A porcentagem de parto vaginal foi o principal objetivo do estudo, tendo sido analisados também os que ocorreram antes de 12 horas. Os dois grupos de estudo foram comparados por meio dessas variáveis a fim de determinar a eficácia e segurança da indução com misoprostol e dinoprostone.
Análise estatística foi realizada pelo programa SPSS® (PASW statistics 18). Para a comparação da distribuição das variáveis idade materna, idade gestacional, duração do trabalho de parto, peso de nascimento e tempo de internação foi utilizado o teste t, com os resultados expressos em média e desvio padrão. Quanto à indicação de indução, amadurecimento do colo, tipo de parto, presença de taquissistolia, indicações de cesárea e índice de Apgar utilizou-se o teste do χ2 ou teste exato de Fischer. Foi considerado estatisticamente significante p<0,05.
Resultados
Os resultados maternos no período intraparto estão na Tabela 2. Não houve diferenças em relação à duração do trabalho de parto. Contudo o amadurecimento do colo foi mais eficaz no grupo com misoprostol, atingindo 87,3% dos casos nesse grupo (Tabela 2). A frequência de parto vaginal ocorreu em metade das pacientes que utilizaram dinoprostone. Essa diferença não foi estatisticamente diferente em relação ao misoprostol. Taquissistolia foi mais frequente no grupo que utilizou misoprostol, porém não demonstrou diferença significante em relação às pacientes que utilizaram dinoprostone (Tabela 2). A necessidade de ocitocina também foi semelhante entre os grupos (Tabela 2).
As principais indicações de cesárea estão relacionadas na Tabela 3. Observamos que a principal indicação foi falha de indução em ambos os grupos. O sofrimento fetal foi a segunda indicação mais frequente, tendo atingido 27,6% e 19,5% nos grupos com misoprostol e dinoprostone, respectivamente (Tabela 3).
O peso ao nascimento não foi significativamente diferente, conforme podemos observar na Tabela 4. O índice de Apgar < 7 no 5º minuto foi superior no grupo com misoprostol, porém sem apresentar diferença significante quando comparado com dinoprostone (Tabela 4). A média de dias de internação das mães e dos recém-nascidos também não variou significativamente entre os grupos (Tabela 4).
Discussão
Há evidências consistentes que recomendam o uso de prostaglandinas para amadurecimento do colo uterino e indução do parto. Entretanto poucos estudos compararam o uso de baixas doses de misoprostol com o pessário de 10 mg de dinoprostone. Nosso trabalho demonstrou que o pessário com 10 mg de dinoprostone e misoprostol 25 mcg são seguros, mesmo quando associados à ocitocina, apesar de apresentarem efeitos colaterais importantes, como taquissistolia, em proporções semelhantes. A frequência de ocorrência de partos vaginais em ambos os grupos não foi diferente, mas o amadurecimento do colo, avaliado pelo índice de Bishop > 6 foi mais eficaz com misoprostol, como tem sido demonstrado pela literatura11-13. Apesar disso, em nosso trabalho, o número de partos antes de 12 horas não foi superior nesse grupo. Diversos autores11-14 também não verificaram diferenças significativas com relação à frequência do parto vaginal em 24 horas, quando utilizaram 25 mcg ou 50 mcg de misoprostol, e compararam com 3 mg ou 10 mg de dinoprostone. Revisão sistemática15, por outro lado, concluiu que o tempo de intervalo até o parto foi menor com misoprostol, assim como a ocorrência do parto antes de 12 horas e 24 horas, apesar da incidência de cesáreas não ter sido diferente no total dos casos. A dose utilizada do misoprostol e, principalmente, a inclusão de multíparas poderiam explicar tais diferenças em relação aos nossos resultados.
Não houve diferenças com relação às indicações de cesárea, comparando ambos os grupos em nosso estudo. A associação de ocitocina, que ocorreu na maioria dos casos, pode ter levado ao aumento da atividade uterina e a presença de taquissistolia, contribuindo para a ocorrência de sofrimento fetal e levando ao aumento das indicações de cesáreas. O diagnóstico de sofrimento fetal foi verificado predominantemente pelas alterações detectadas no traçado de cardiotocografia, associadas ou não à presença de mecônio. Essas situações são influenciadas diretamente pela atividade uterina e pelo provável efeito, atribuído ao misoprostol, sobre o trato gastrointestinal do feto8,16. Como a cardiotocografia apresenta altas taxas de falso-positivos, contribuiu para elevadas taxas de cesárea em nosso estudo, visto que o diagnóstico de sofrimento fetal não foi confirmado no período neonatal, pois apenas 2,9% dos recém-nascidos do grupo misoprostol e 1,2% no gupo dinoprostone apresentaram índice de Apgar no 5º minuto menor que 7. Esses resultados estão de acordo com revisão sistemática, que incluiu 11 estudos15, onde os autores verificaram que misoprostol 25 mg e o pessário com 10 mg de dinoprostone não apresentaram diferenças significativas em relação ao índice de Apgar e a admissão na unidade de terapia intensiva. Em estudo envolvendo 1308 pacientes, Wing16 encontrou padrões não tranquilizadores pela cardiotocografia, como taquissistolia, hipertonia ou hiperestimulação, semelhantes ao comparar misoprostol e dinoprostone. Quando associado à ocitocina, o pessário com dinoprostone também não aumentou significativamente a incidência de hiperestimulação quando comparado a 25 ou 50 mcg de misoprostol14,17. Outros estudos18,19, ao contrário, sugeriram que, apesar da ocorrência de parto vaginal dentro de 24 horas não ter sido diferente, miso-prostol levou a maior frequência de taquissistolia e parto cesárea por sofrimento fetal.
Falha de indução e distocia funcional podem ser consideradas indicações correlatas e dependentes do examinador, pois mostrariam o mesmo quadro, isto é, a ineficiência da contratilidade uterina para atingir o parto vaginal, seja pela falta do desencadeamento de contrações uterinas regulares, ou pela ausência de contrações uterinas capazes de dilatar a cérvix. Alguns autores14,20 concluíram que houve uma tendência a aumento de parto cesárea devido a falha de indução no grupo com dinoprostone, enquanto misoprostol apresentou mais indicações de parto abdominal por sofrimento fetal. Em nosso estudo, encontramos a mesma tendência, apesar das diferenças não terem sido significativas.
Concluímos que ambos os medicamentos são eficazes para promover o parto vaginal, embora seja necessária a associação com ocitocina, apresentando perfil de segurança semelhante, sendo misoprostol mais eficiente no amadurecimento do colo uterino. Como se trata de estudo observacional, não randomizado, nossas conclusões podem ser limitadas, mas mostram a necessidade de investigações adicionais com relação à dose dos medicamentos utilizados, tendo em vista melhorar a eficácia e, ao mesmo tempo, evitar a ocorrência de alterações da contratilidade uterina e os parâmetros relacionados à vitalidade fetal.
Recebido 04/03/2011
Aceito com modificações 28/03/2011
Serviço de Obstetrícia do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros - HMLMB e Universidade Cidade de São Paulo - UNICID - São Paulo (SP), Brasil.