DOI: 10.1590/S0100-72032011000700004 - volume 33 - Julho 2011
Luciana de Oliveira Marques, David Gomes Cordeiro Júnior, Vanessa Vieira Dal Lago, Sheron Luize Costa de Carvalho, Luiz Martins Collaço, Ana Cristina Lira Sobral
Introdução
A menopausa é um tema relevante na área clínica, epidemiológica e de saúde pública, pois com o aumento da expectativa de vida prevê-se que as mulheres possam viver um terço de suas vidas após a menopausa1. Menopausa é o cessar permanente da menstruação, consequente da perda da função folicular ovariana ou da retirada cirúrgica dos ovários2. O hipoestrogenismo, característico desta fase, ocasiona alterações fisiológicas e clínicas1,3 tais como: sintomas vasomotores, atrofia urogenital, aumento do risco de doenças crônico degenerativas1,3-5. A terapia de reposição hormonal (TH) é uma alternativa para se diminuir estes sintomas3,4, promovendo melhor qualidade de vida6. Em mulheres com útero intacto, no esquema de TH, deve-se associar estrogênio e progestágeno, este para equilibrar o efeito proliferativo do estrogênio no endométrio7. A TH pode apresentar alguns aspectos indesejáveis como aumento do risco de neoplasias dependentes de hormônio, como a do endométrio3,8 e da mama3,4,6,8,9, além do aumento do risco de tromboembolismo3,6,8.
Os primeiros relatos sobre o aumento do risco de câncer de mama, em usuária de estrogênio, supunham que o aumento ocorria apenas pelo uso do estrogênio e que a progesterona teria efeito protetor para esta neoplasia10. Estudos posteriores relataram que a TH aumentaria o risco de câncer de mama, sendo este maior quando utilizado estrogênio associado à progesterona em comparação ao estrogênio isolado11,12.
Sabe-se que o epitélio mamário normal apresenta receptores para estrogênio e progesterona, e o risco de câncer de mama seria proporcional ao número de ciclos ovulatórios9,13,14. Dentre os possíveis mecanismos da carcinogênese mamária relacionada à TH, estariam a existência de pequenos cânceres preexistentes que cresceriam mais rápido com a estimulação hormonal, e também a tumores de novo causados por aumento das mutações15.
No desenvolvimento mamário normal, os ductos são estimulados por estrogênios e os lóbulos, por progesterona, mediados por receptores nucleares. Na pós-menopausa, o número de células lobulares com receptor estrogênio positivo aumenta cerca de 50%, e observa-se uma maior proporção de carcinoma lobular nestas pacientes, principalmente com TH combinada15.
Entre as novas drogas para TH da menopausa, tem-se empregado a trimegestona (TMG), uma progesterona potente e seletiva, derivada do 19-norpregnano, com alta afinidade relativa pelo receptor de progesterona e alta seletividade para o endométrio. Sabe-se que não tem afinidade por receptores androgênicos, glicocorticóides e mineralocorticóides. Um esquema de TH contendo estrogênio com TMG deveria evitar a hiperplasia endometrial e provocar mínimo efeito antagonista sobre os efeitos benéficos do estrogênio7,16. As informações disponíveis sobre o comportamento do tecido mamário frente à progesterona, referem-se àquelas de antigas gerações e sintéticas, não havendo muitos dados sobre às de nova geração como a TMG, além de não estar claro se a carcinogênese mamária varia conforme a classe da progesterona12.
Assim sendo, o presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da trimegestona sobre a proliferação celular do tecido mamário em ratas castradas.
Métodos
O projeto de pesquisa adotado foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com animais de experimentação da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR) sob o nº 4.690/08.
Foram utilizadas 45 ratas virgens (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia), convencionais, da linhagem Wistar, com idade variando de 90 a 120 dias, oriundas do biotério da própria instituição. Todos os animais receberam os cuidados preconizados pela Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório.
Na primeira fase do estudo, os animais foram submetidos à pesagem (peso inicial) e anestesiados até plano cirúrgico com a associação quetamina/xilazina, por via intraperitoneal, nas dosagens de 10 mg e 1mg para cada 100g de peso, respectivamente, para retirada cirúrgica e bilateral dos ovários. Após a recuperação anestésica, os animais foram mantidos no biotério da instituição, em número de cinco por gaiola identificada, recebendo água e ração padrão para a espécie (Nuvilab®) à vontade.
Na segunda fase do estudo, que corresponde ao 60º dia pós-operatório, os animais foram submetidos à nova pesagem (peso intermediário) e coleta de secreção vaginal para análise citológica pela coloração de Papanicolau, como método indireto de confirmação do hipoestrogenismo, ou seja, atrofia.
Ainda nesta fase do estudo, a amostra foi separada de forma aleatória, em 3 grupos de 15 animais, que receberam diariamente a medicação designada para cada grupo por 60 dias ininterruptos. As dosagens das medicações foram determinadas segundo cálculo halométrico, que converte a dose utilizada em humano para a dose correspondente na espécie animal utilizada, sendo que: o grupo controle recebeu 1 ml de soro fisiológico 0,9% (SF); o grupo estrogênio recebeu 6,5 µg de 17 beta-estradiol diluído em 1mL de SF e o grupo combinado recebeu 6,5 µg de 17 beta-estradiol associado a 1,625 µg de trimegestona, diluídos em 1 ml de SF.
Na terceira fase do estudo, após o término da medicação, os animais foram submetidos à pesagem (peso final) e anestesiados como na primeira fase do estudo, tendo então retiradas as quatro mamas inguinais, que foram fixadas em formalina tamponada e destinadas à confecção de lâminas de histologia para as análises morfométrica e imuno-histoquímica do tecido mamário. Nesta ocasião, foi coletada novamente secreção vaginal para a segunda análise citológica do trofismo vaginal, semelhante à primeira. A seguir, procedeu-se a eutanásia dos animais mediante overdose anestésica, com mesmos anestésicos e vias antes utilizados.
Os pesos inicial, intermediário e final serviram para avaliação ponderal no decorrer do estudo. Durante o estudo ocorrerem nove óbitos por acidente anestésico, sendo cinco no grupo controle durante a castração, dois no grupo estrogênio e dois no combinado, ambos na primeira coleta de secreção vaginal, todos excluídos da análise estatística.
A análise morfométrica dos ductos e alvéolos mamários corados pela técnica hematoxilina-eosina (HE) foi realizada em quatro campos por corte histológico, sob um aumento de 400 vezes, e pelo mesmo patologista. A análise foi baseada em um "sistema de graduação histopatológico para anomalias epiteliais, induzidas por 7,12- dimetilbenzantraceno (DMBA), em tecido mamário de fêmeas de ratos"17. Tal graduação refere-se à hiperplasia epitelial e à atividade secretora nas células epiteliais, seguindo a seguinte classificação: normal, atipia sem proliferação epitelial, hiperplasia epitelial da unidade ductal terminal lobular leve (HEB1), hiperplasia epitelial da unidade ductal terminal lobular moderada (HEB2), hiperplasia epitelial da unidade ductal terminal lobular severa (HEB3), hiperplasia alvéolo-nodular (HAN), atividade secretora nas células epiteliais e análise do estroma mamário17.Esta descrição, apesar de ser graduada por um modelo baseado em anomalias de tecido mamário de ratas induzidas por DMBA17, tem sido adotada em outros estudos que utilizam rato como modelo experimental4,18. Fez-se uma analogia entre as alterações descritas na graduação adotada com as observadas na mama humana, HEB1 corresponderia à hiperplasia ductal típica (HDT) leve; HEB2 à HDT moderada; e HEB3 à hiperplasia ductal atípica (HDA). A HDT leve é considerada sem risco para câncer invasor, HDT moderada é considerada de risco leve (duas vezes) para o câncer invasor e HDA é considerada lesão associada a risco cinco vezes aumentado para o câncer invasor da mama4. Na imuno-histoquímica para avaliação da proliferação celular mamária, utilizou-se o anticorpo primário anti-PCNA (Proliferating Cell Nuclear Antigen) clone PC10 m0879 (Dako®) na diluição 1/800. A proliferação celular foi quantificada através da contagem de núcleos de células ductais e alveolares, marcadas pelo anticorpo anti-PCNA, onde foram considerados positivos somente os núcleos em coloração castanho escuro, realizando-se a contagem de 100 núcleos por campo no corte histológico, no aumento de 400X.
Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística utilizado-se o software GraphPad e adotando-se como significante p<0,05. Empregou-se o teste exato de Fisher para análise morfométrica, a análise de variância ANOVA para avaliação poderal, e os testes Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para imuno-histoquímica.
Resultados
O peso inicial médio dos animais foi de 255,8 g (p>0,05) entre os grupos, o que demonstra a homogeneidade da amostra. O mesmo ocorrendo em relação ao peso intermediário (média de 302,5 g) e final (média de 324,9 g). O peso médio de cada fase do estudo, para cada grupo, está demonstrado na Tabela 1.
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Observou-se progressivo aumento de peso nos três grupos, durante as fases do estudo (p<0,05), estes de 3 e 11,7% no grupo controle, 18,1 e 5,2% no grupo estrogênio, e 24 e 5,2% no grupo conjugado, sendo primeira, segunda e terceira fases, respectivamente.
Na primeira análise de citologia vaginal, observou-se que todas as ratas apresentavam padrão atrófico, confirmando o hipoestrogenismo decorrente da castração. Na segunda análise realizada antes da eutanásia, todas as ratas do grupo controle permaneciam atróficas; três do grupo estrogênio (3/13) e seis do grupo combinado (6/13) estavam tróficas. Ainda, uma do grupo estrogênio (1/13) e duas do grupo combinado (2/13) foram classificadas como hipotróficas, ou seja, apresentavam tanto células superficiais quanto células profundas. Isto demonstra que a associação de 6,5 µg de 17 beta-estradiol a 1,625 µg de trimegestona causa mais trofismo vaginal do que o uso isolado de 6,5 µg de 17 beta-estradiol.
Análise morfométrica
Observou-se alterações epiteliais mamárias em 16/36 da amostra, sendo HEB1 em 13/36 e HEB2 em 3/36. Não foi encontrado HEB3 nem HAN. Nas ratas que tiveram alterações epiteliais mamárias, foi observada atividade secretora em 5/13, não sendo encontrada esta alteração em ratas classificadas com epitélio mamário normal. Analisando as alterações histológicas de acordo com o esquema terapêutico usado, o grupo estrogênio demonstrou mais alterações, ocorrendo HEB1 em 6/13 e HEB2 em 3/13, existindo microcalcificação intraductal em um animal. No grupo combinado, encontrou-se HEB1 em 5/13, e no grupo controle, foi observada atividade secretora em 1/10 e HEB1 em 2/10 ratas (Figura 1).
O estudo morfométrico do tecido mamário mostrou diferença significante (p=0,03) entre os grupos controle e estrôgênio, sendo que o 17 beta-estradiol causou mais HEB1 e HEB2. Não se observou diferença quando se comparou os grupos controle e combinado (p=0,4), ou seja, a associação de 17 beta-estradiol e trimegestona não promoveu alterações significativas no tecido mamário em comparação aos achados do grupo controle.
Comparando-se os grupos estrogênio e combinado, não foi encontrada diferença estatística (p=0,2), possivelmente pelo pequeno número da amostra, porém foi observado ocorrência mais frequente do padrão proliferativo nas ratas que receberam o 17 beta-estradiol isolado em comparação às que receberam 17 beta-estradiol associado à trimegestona (Tabela 2).
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Em relação às influências sobre o estroma, ocorreu fibrose em 7/13 do grupo estrogênio e 3/13 do grupo combinado, esta alteração não foi identificada no grupo controle, impossibilitando sua análise comparativa com os outros grupos. Na comparação entre os grupos estrogênio e combinado observou-se maior alteração do estroma no grupo estrogênio, porém esta não foi significante (p=0,2), talvez também pela pequena amostra.
Análise imuno-histoquímica
Na avaliação da proliferação celular, não se verificou diferenças na porcentagem de células PCNA positivas entre os grupos (controle versus estrogênio p=0,8; controle versus combinado p=0,7; estrogênio versus combinado p=0,3).
Discussão
Modelos animais são uma ferramenta importante para elucidação de mecanismos de ação da terapia hormonal19. Com o modelo de estudo em ratas, é possível fazer uma analogia entre as alterações descritas nas mamas destas com as observadas na mama humana, embora se saiba que existam diferenças entre as espécies4. Uma diferença importante é que os ratos mantêm a capacidade reprodutiva ao longo da vida, portanto não há menopausa natural20, mas o hipoestrogenismo pode ser induzido por castração20.
Os medicamentos ditos progestagênios de nova geração, dentre estes a trimegestona, um dos mais potentes, foram desenvolvidos para se ligar muito especificamente ao receptor de progesterona e não a outros receptores, como receptores de androgênios, mineralocorticóides e glicocorticóides, justamente para se evitar ao máximo os seus efeitos colaterais19.
Em relação à variação ponderal, um estudo com medroxiprogesterona9 mostrou perda de peso após a terapia hormonal, o que não ocorreu neste estudo com o uso da trimegestona, sugerindo pouca atividade antimineralocorticóide19.
O aumento da incidência de câncer de mama na pós-menopausa pode ser simplesmente uma coincidência com idade avançada5, mas também é possível que haja fatores promotores. Uma interpretação a respeito seria que o câncer de mama poderia surgir a partir de células sensíveis aos efeitos estrogênicos. A TH é feita justamente nesta fase de maior sensibilidade hormonal, aumentando a chance de câncer mamário5.
O papel da progesterona sobre o tecido mamário tem sido controverso nas últimas três décadas. A ação desses hormônios sobre as células do tecido mamário variam de acordo com a estrutura molecular do hormônio, dose e duração do uso, e do saldo resultante de proliferação celular e apoptose no tecido mamário19.
Há relatos de alterações no ciclo celular de células mamárias induzidas pela progesterona. As células da mama em fase tardia da atividade do ciclo celular são inicialmente conduzidas para a fase S de síntese do DNA; porém este efeito é transitório, sendo que posteriormente esse hormônio suprimiria as ciclinas, suspendendo a divisão de células em fase G1 precoce21.
Alguns autores citam alterações celulares da mama com benzoato de estradiol, acetado de medroxiprogesterona e tibolona, encontrando exposição ao efeito mais acentuado com a associação de estrogênio com progesterona4. Em contradição, no presenteestudo, as alterações celulares ocorreram tanto com uso do 17 beta-estradiol isolado quanto ao associado à trimegestona, sendo menor, porém, com o uso da associação, provavelmente devido ao tipo de progesterona usada.
Em uma revisão de literatura sobre o componente progestagênico em TH no risco de câncer de mama, evidenciou-se risco maior em pacientes recebendo combinação de estrogênios e progesterona do que nas que receberam apenas estrogênio. Além disso, observou-se diferença entre os diversos tipos de progesterona utilizados. Estudos que utilizaram as progesteronas provenientes de derivados de androgênios mostraram que estas estão associadas a um aumento do risco, enquanto progesterona micronizada não tem ligação com a carcinogenese22.
Um estudo utilizando anticorpo anti-PCNA demonstrou que tanto estrogênio isolado quanto associado à progesterona, em mulheres, está associado com o aumento no nível de proliferação celular mamária23. Porém,em outro estudo retrospectivo, com 185 mulheres, no qual se utilizou o anticorpo Ki67 como marcador de proliferação celular mamária, não foi encontrado resultado significativo quanto a associação de estrogênio e progesterona, ou apenas estrogênio, sobre a proliferação epitelial24, concordante com os resultados do atual trabalho. As controvérsias nos relatos podem ser devido aos diferentes hormônios utilizados, sendo importante salientar que nem todos os progestagênios têm os mesmos efeitos sobre as células mamárias20,22. Outra consideração importante seria o tempo de TH utilizado, que variou entre os trabalhos, e ainda a idade de início da TH.
Concluímos que os hormônios usados em ratas castradas aumentaram a proliferação de células mamárias, tanto o 17 beta-estradiol isolado quanto associado à trimegestona, porém este efeito parece ser menor na associação; o mesmo ocorrendo em relação à fibrose do estroma mamário.
Agradecimentos
À Faculdade Evangélica do Paraná – FEPAR – por disponibilizar suas dependências físicas e colaboradores, viabilizando a realização deste estudo.
Recebido: 16/03/2011
Aceito com modificações: 25/04/2011
Disciplina de Experimentação em Clínica e Cirurgia do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná – FEPAR – Curitiba (PR), Brasil.