DOI: 10.1590/S0100-72032011001000005 - volume 33 - Outubro 2011
Margareth Rocha Peixoto Giglio, Elisabeth França, Joel Alves Lamounier
Introdução
Diminuir a mortalidade materna e a infantil são algumas das metas a serem atingidas pela Declaração do Milênio até 2015. Aproximadamente dois milhões de recém-nascidos morrem anualmente em todo o mundo nas primeiras 24 horas de vida. Da mesma forma, cerca de 600.000 mulheres morrem de complicações relacionadas à gravidez, ao parto e ao puerpério1.
Há uma ampla variedade nas taxas de mortalidade materna e neonatal, bem como em suas causas entre os países. Nestes, há ainda entre as diversas regiões, refletindo, entre outros fatores, nas desigualdades socioeconômicas entre as populações. Nos países em desenvolvimento, grande parte dos óbitos maternos e neonatais poderia ser evitada com adequada assistência ao pré-natal e ao parto. Nesses países, verifica-se que ocorre maior disparidade na distribuição de cuidados durante o parto do que em relação a outros cuidados de saúde1,2. Além disso, há evidências de que a via de parto atende mais aos aspectos socioeconômicos e culturais do que aos médicos, sendo o parto normal mais frequente na população de menor poder aquisitivo, sendo muitas vezes questionada a qualidade da assistência prestada1-3.
Para avaliação da qualidade do processo da assistência ao parto normal, tem sido preconizada a comparação de procedimentos usados na assistência com normas e procedimentos recomendados na literatura como padrão-ouro, além de alguns indicadores de processo, tais como: a presença de partograma no prontuário médico e a porcentagem de partos assistidos por profissional de saúde1,4,5. No entanto, esses indicadores são pouco precisos, não conseguindo discriminar a qualidade dessa assistência nos locais em que a maioria dos partos é acompanhada por profissional de saúde. Por isso, mais recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado um novo indicador para avaliar a assistência ao parto normal, que é denominado de índice Bologna5.
Partindo da premissa de que o parto normal ao início de baixo risco é um evento natural que deve ser conduzido com o mínimo de intervenções possíveis, o índice Bologna é um indicador robusto, composto por variáveis que contemplam desde aspectos relacionados ao apoio à gestante quanto aos relacionados aos procedimentos técnicos da assistência ao trabalho de parto. Embora ainda pouco utilizado, esse indicador foi a primeira ferramenta disponível que avaliou a qualidade do processo de assistência ao parto normal de forma quantitativa5.
Em Goiânia, as disparidades nas taxas de mortalidade neonatal e de cesarianas entre grupos populacionais chamam atenção para as desigualdades na assistência ao parto3. Além disso, em estudo realizado nesse município, verificou-se maior proporção de morte neonatal entre os partos normais. Embora a estratificação por grupos populacionais indicasse que o parto normal foi mais realizado em situações de risco para morte materna e neonatal, verificou-se que quase 30% dos óbitos neonatais ocorreram em recém-nascidos com peso superior a 2.500 g, muitos desses associados à asfixia durante o parto3. Esse aspecto chama atenção para as possíveis deficiências na assistência ao parto normal.
A partir destas considerações, o presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade da assistência aos partos normais realizados em Goiânia, em 2007.
Métodos
Foi realizado um estudo transversal de amostra de puérperas de partos normais, ocorridos em 13 dos 14 hospitais que eram referência para partos de baixo risco em Goiânia, em 2007 (um hospital privado conveniado ao Sistema Único de Saúde - SUS - recusou-se a participar). Foram excluídos um hospital filantrópico e dois públicos por serem referências para gestações de alto risco. As duas categorias de hospitais estudadas eram responsáveis por cerca de 80% dos partos totais e 90% dos normais, realizados no município.
O tamanho da amostra de 404 partos normais foi calculado com base em uma estimativa de existência do partograma em 20% dos prontuários, precisão de 4%, intervalo de confiança de 95% e perdas estimadas de 5%. Utilizou-se a prevalência do achado de partograma por este ser um dos indicadores preconizados pela OMS para avaliação da qualidade de assistência ao parto normal. A seleção da amostra foi aleatória, sendo as puérperas elegidas de forma consecutiva, de forma a se obter uma amostra com alocação proporcional ao número de partos realizados em cada hospital. Os dados foram obtidos entre abril a dezembro de 2007, variando o período em cada hospital, na dependência do número de casos estimados para cada um deles. A estimativa do número de casos por hospital foi realizada baseada na proporção de partos realizados por cada hospital, em 2006, segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).
As visitas hospitalares eram iniciadas buscando nos livros de internação e de procedimentos do centro cirúrgico para identificação das admissões ao parto. Do total de gestantes admitidas para o parto no período, inicialmente avaliava-se o diagnóstico à admissão e a via de parto. As puérperas de parto normal eram, então, identificadas e selecionadas de forma consecutiva em cada hospital. Foi elegível para o estudo toda puérpera de parto ocorrido pela via transpélvica, com feto vivo ao início do trabalho de parto espontâneo ou induzido, independentemente da idade gestacional, apresentação fetal ou peso ao nascer. Como todos os recém-nascidos prematuros e/ou de baixo peso eram limítrofes (fato esse justificado pela clientela assistida nos hospitais estudados), eles foram incluídos na amostra (22 casos de gestação entre a 36ª e a 37ª semana).
Durante o período necessário para se obter o tamanho da amostra, foram admitidas 637 gestantes para o parto nos 13 hospitais estudados. A taxa de cesarianas de urgência foi de 9% (n=40). Com a exclusão de uma puérpera, que não concordou em participar da pesquisa devido à ocorrência do óbito neonatal imediatamente após o parto (0,2%), a amostra do estudo foi composta por 404 partos normais (Figura 1).
Cada parto foi pesquisado no período pós-parto ainda durante a internação, com o emprego de questionários estruturados, um preenchido consultando o prontuário por médico obstetra ou residente de obstetrícia, e outro aplicado à puérpera, por entrevistadoras previamente treinadas. Quase todas variáveis eram comuns aos dois questionários; contudo, a maioria das utilizadas neste estudo foi obtida das entrevistas com as puérperas, devido à falta de informações nos prontuários (cerca de 40% não tinham qualquer informação sobre a assistência ao parto). Os dados obtidos nas entrevistas e nos prontuários foram integrados em um banco de dados único. Dos prontuários, foram utilizadas apenas as variáveis: presença do partograma, anotações no partograma, dilatação cervical à admissão, duração do trabalho de parto, uso de soro, ocitócicos e analgesia durante o segundo estágio do parto, índice Apgar, peso ao nascer, uso de antibióticos e de ocitócicos no pós-parto. As demais variáveis foram obtidas dos dados das entrevistas com as puérperas.
Para avaliar a qualidade da assistência, as práticas usadas na assistência foram categorizadas segundo a classificação da OMS para assistência ao parto normal: categoria A, práticas eficazes que devem ser encorajadas; categoria B, práticas ineficazes ou prejudiciais que devem ser abandonadas; categoria C, práticas para as quais não há clara evidência devendo ser utilizadas com cautela; categoria D, práticas normalmente utilizadas inadequadamente4. Foram determinadas as frequências de avaliações dos batimentos cardiofetais (BCF), da dinâmica uterina (DU), da pressão arterial (PA) e da frequência cardíaca (FC) materna e do toque vaginal (TV). Foram também calculadas a porcentagem dos partos assistidos por profissional de saúde, as taxas de cesarianas eletivas e de urgência e a porcentagem dos partos induzidos.
O índice Bologna foi calculado para cada parto. Para isso, foram consideradas as cinco variáveis que compõem tal índice: presença de acompanhante familiar no parto, uso do partograma, ausência de estimulação do trabalho de parto (uso de ocitocina, fórcipe, manobra de Kristeller) ou cesariana de urgência, parto na posição não-supina e contato pele a pele da mãe com o recém-nascido pelo menos 30 minutos na primeira hora. Para cada uma dessas variáveis foi dada uma nota, "1" se presente e "0" se ausente. O valor total do índice foi obtido pela somatória dessas notas, sendo o valor "0" considerado como a menor qualidade e "5", a maior. Qualidades intermediárias se encontram entre os dois valores5.
Para construção do banco de dados e análise estatística, utilizou-se o programa SPSS, versão 11.5. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa do Hospital Materno-Infantil de Goiânia e da Universidade Federal de Minas Gerais.
Resultados
Dos 404 partos normais que constituíram a amostra, cerca de 80% eram de residentes em Goiânia, 76,5% apresentavam união consensual e 48,5% tinham 9 a 11 anos de escolaridade. A prevalência de baixo peso ao nascer foi de 3,9%, de prematuridade 5,2% e de gestação na adolescência 27% (dados não-apresentados).
A Tabela 1 apresenta as características da assistência ao parto. Praticamente todas as mulheres receberam assistência durante o parto, ou seja, a porcentagem do trabalho de parto e de partos assistidos por profissional de saúde foi de 100%. As nove puérperas que referiram não terem sido examinadas foram admitidas em período expulsivo, e as três que tiveram o parto no leito receberam assistência do profissional de saúde para ligadura do cordão umbilical, dequitação e atendimento ao recém-nascido após a expulsão do feto. Entretanto, a assistência ao recém-nascido em sala de parto pelo pediatra ocorreu em apenas 30% dos partos.
A Tabela 2 mostra as avaliações dos parâmetros fundamentais para adequada monitoração da evolução do trabalho de parto e da vitalidade fetal, evidenciando a baixa frequência desses procedimentos.
A Tabela 3 apresenta as práticas encontradas na assistência aos partos estudados, conforme a classificação da OMS para assistência ao parto. Observa-se alta frequência das práticas da categoria B, com comprovada ineficácia ou prejuízo e que devem ser evitadas.
Em relação ao índice Bologna, verificou-se que a maioria dos partos obteve valor menor ou igual a 1 (n=281 partos, correspondendo a 71,5% dos 393 partos classificados), com média de 1,04 para o município e IC95%=0,9-1,1 (dados não-apresentados).
Discussão
Os resultados encontrados são preocupantes ao evidenciarem que, embora os partos tenham sido acompanhados por profissional de saúde, na maioria das vezes pelo obstetra, a qualidade de assistência esteve muito aquém da preconizada pelas atuais evidências científicas4,6-9. Esses achados demonstram que a porcentagem de partos acompanhados por um profissional de saúde, principal indicador preconizado pela OMS para avaliar a qualidade desta assistência1, é pouco discriminativa, não sendo suficiente para a avaliação nos locais em que a maioria dos partos é realizada por profissional de saúde.
Em nosso meio há poucos estudos que avaliaram a qualidade de assistência ao parto utilizando indicadores de processo, sendo o presente estudo pioneiro no país ao utilizar o índice Bologna. Até 2011, o único estudo descrito na literatura utilizando esse índice foi realizado na Suécia10, com valor encontrado para o índice Bologna de 3,81. Verificou-se, ainda, que a porcentagem de partos assistidos por profissional de saúde no país foi de 99,9%, a taxa de cesarianas eletivas foi 7,9% e a taxa de partos induzidos, 8,6%. A qualidade da assistência ao parto analisada por esse conjunto de indicadores foi considerada muito boa, referendada pelo índice Apgar de quinto minuto menor que sete, ocorrendo apenas em 0,4% dos recém-nascidos. Por ter sido realizado em um país com excelente sistema de saúde materno-infantil e baixíssimos coeficientes de mortalidade neonatal (2/1.000 nascidos vivos) e materna (3/100.000 nascidos vivos), esse estudo pode ser considerado referência na avaliação do desempenho do índice Bologna em condições excelentes de assistência ao parto10.
Considerando-se esses aspectos, a proporção de 30% das cesarianas eletivas que foi encontrada no presente estudo foi alta. É possível que boa parte dessas não tenha tido indicação obstétrica, como tem sido relatado em vários países em desenvolvimento e em regiões metropolitanas do Brasil11. A taxa de cesariana no Brasil aumentou de 38,9%, em 2000, para 46,5%, em 200711.
Também foi alta a proporção das cesarianas de urgência, encontrada neste estudo cerca de duas vezes maior que a do estudo sueco10. Tal fato pode refletir a baixa utilização de fórcipe12, as possíveis complicações decorrentes da alta taxa de ocitócicos no trabalho de parto e, ainda, a alta frequência de parturientes admitidas em fases iniciais do trabalho de parto. A admissão precoce, antes da fase ativa do trabalho de parto, tem sido referida como uma das causas do aumento das intervenções, com maior utilização de ocitócicos e de cesarianas1,9,12.
A porcentagem de partos assistidos por profissional de saúde encontrada foi de 100%, apesar do pediatra, que, no meio médico, é o profissional mais capacitado para assistência integral ao recém-nascido na sala de parto, estar presente em apenas 30% dos casos. A presença do obstetra em quase todos os partos, por si só, não foi suficiente para garantir a assistência adequada.
Na Suécia e em vários países desenvolvidos, a maioria dos partos de baixo risco é realizada por enfermeiras obstétricas preparadas para assistir tanto ao parto quanto ao recém-nascido (incluindo reanimação neonatal) em unidades primárias de assistência, interligadas a centros mais complexos, por meio de um efetivo sistema de referenciamento6-8,10. Isso permite que possíveis alterações sejam diagnosticadas a tempo das parturientes serem transferidas para unidades mais complexas, garantindo que os casos que não evoluam satisfatoriamente possam ter pronto-atendimento especializado do obstetra e do pediatra6-8,10.
No Brasil, além do médico, o único profissional regulamentado para assistência ao parto é o enfermeiro obstetra9. Como em nenhum hospital havia profissional contratado especificamente para essa assistência, o encontro de profissionais não-médicos, realizando avaliações durante o trabalho de parto e o parto, da mesma forma que realizando assistência neonatal em sala de parto, indica provável má qualidade da assistência. Ressalva deve ser feita aos hospitais públicos, nos quais boa parcela da assistência por profissional não-médico foi realizada por estudantes de medicina ou enfermagem, cumprindo estágios curriculares supervisionados.
As frequências das avaliações do BCF, da DU, da PA e da FC materna foram extremamente baixas, ressaltando-se que essas informações foram obtidas na entrevista com as puérperas, uma vez que mais de 40% dos prontuários não tinham qualquer anotação sobre a assistência prestada ao trabalho de parto. Além disso, 29,1% dos partos não tiveram nenhuma avaliação do BCF durante o trabalho de parto, sendo que apenas 3,7% desses estavam em período expulsivo. A avaliação do BCF e da DU, principais parâmetros para adequada monitorização do bem-estar fetal e da evolução do trabalho de parto, com frequência de pelo menos uma por hora, ocorreu em apenas 14,1 e 12,9% dos partos, respectivamente. Por outro lado, a realização do TV em metade dos casos foi feita em intervalos menores que um por hora, contrariando a recomendação preconizada de um toque a intervalos de duas horas4,9. Outros estudos encontraram resultados semelhantes13.
Da mesma forma, a baixa qualidade da assistência pôde ser documentada também pela baixa utilização de procedimentos da categoria A da OMS, ou seja, práticas eficazes que devem ser incentivadas, associada à grande utilização de práticas das categorias B, C e D, as quais são consideradas ineficazes ou prejudiciais, sem evidência científica para utilização ou são usadas de forma inadequada. Dentre as mesmas, ressalta-se a baixa utilização do partograma e a alta utilização de ocitocina durante o trabalho de parto, sendo que nenhum dos partos estudados foi monitorado por cardiotocografia, prática recomendada para acompanhamento dos partos induzidos ou conduzidos por ocitócicos4.
A presença de partograma nos prontuários em apenas 28,5% dos casos, com 13% desses sem qualquer anotação, reflete a pouca importância dada a esse instrumento. Vários estudos têm mostrado o valor do partograma tanto para o diagnóstico das alterações da evolução do trabalho de parto, quanto para a realização de intervenções em tempo hábil, garantindo o bem-estar materno-fetal4,9,14. Contudo, a qualidade da assistência parece estar associada não só à existência do partograma, sendo importante verificar se foi preenchido de modo que as anotações correspondam a reais avaliações feitas, indicando que esse instrumento foi o fio condutor das intervenções realizadas15. Em estudo realizado em maternidades da cidade do Rio de Janeiro, observou-se má qualidade de assistência ao parto, apesar de o partograma ter sido encontrado em 92% dos prontuários, ou seja, a falta de anotações refletiu melhor a falta de qualidade detectada16.
Se, por um lado, a ocitocina pode corrigir alterações da evolução do trabalho de parto, por outro, podem ser graves as complicações materno-fetais desencadeadas pelo uso inadequado dessa droga4. Assim, a OMS recomenda que a utilização de ocitócicos seja realizada em serviços de saúde com condições adequadas, incluindo a presença do obstetra e do pediatra, para que intervenções de emergência possam ser realizadas, caso haja necessidade4. A utilização de ocitócicos sem monitorização adequada do BCF também foi encontrada em outro estudo brasileiro16.
A utilização de ocitócicos e soro no trabalho de parto e da manobra de Kristeller no período expulsivo (categoria C da OMS), em cerca da metade dos partos, evidencia o alto grau de interferência na evolução do parto, contrariando as evidências para que esse transcorra com o mínimo de intervenções possíveis4. A frequente utilização de soro interfere na evolução natural do trabalho de parto por prejudicar a deambulação e limitar a parturiente ao leito4.
A utilização de ocitócicos por via parenteral no terceiro período do parto é uma medida recomendada para evitar a hemorragia pós-parto (categoria A, OMS), que é uma das principais causas de morte materna nos países em desenvolvimento4. Neste estudo, os ocitócicos foram utilizados durante o período em 56,7% dos casos. No entanto, em 34,3% desses, usou-se metilergonovina por via oral, prática comprovadamente ineficaz (categoria B, OMS)4.
Os partos estudados foram realizados em posição supina. Uma extensa revisão sobre a posição da parturiente no segundo período do trabalho de parto mostrou que qualquer posição, em comparação com a supina, associou-se com diminuição da duração do período expulsivo, de episiotomia, de e de anormais17. A par dessas considerações, a OMS orienta que o parto seja realizado na posição que mais convenha à parturiente4.
A realização de episiotomia (categoria D, OMS)4, em cerca de 70% dos partos, confirma a ampla realização do procedimento, verificado também nos países desenvolvidos, apesar das evidências sinalizarem cautela na sua utilização, com proporção estimada pela OMS em não mais que 10%4. Em estudo de metanálise, a episiotomia não-rotineira mostrou ter mais benefícios do que a rotineira, com menos trauma perineal posterior, menor necessidade de sutura e menos complicações de cicatrização. No entanto, houve menor risco de trauma perineal anterior com o uso rotineiro da episiotomia. Não houve diferenças entre os dois grupos em relação à dor, dispareunia, incontinência urinária e ao trauma perineal ou vaginal severo18.
A analgesia peridural (categoria D, OMS)4 foi realizada em apenas 7,7% dos partos, proporção próxima da de 10% encontrada no estudo sueco. De fato, essa prática é considerada pela OMS como uma das mais evidentes formas de medicalização dos partos de baixo risco4. Entretanto, em revisão de metanálise que incluiu mais de 6.000 parturientes, encontrou-se que, apesar da analgesia peridural aumentar em 38% o risco de parto instrumental, essa não aumentou o risco de cesarianas, lombalgias e do índice Apgar ao quinto minuto menor que sete, não ocorrendo nenhuma complicação grave19.
Nos países desenvolvidos com baixa utilização de analgesia farmacológica existem alternativas para o controle da dor, como o preparo psicoprofilático durante o pré-natal e o apoio próximo de familiares, obstetrizes e doulas no parto7,8,10. Ao avaliar que o medo da dor é importante causa do desejo de cesariana pela gestante e que a analgesia peridural pode diminuir as taxas dessas, o Ministério da Saúde do Brasil, pelas portarias 2.815/1998 e 572/2000, passou a incluí-la na tabela de remuneração do SUS9. Como em nenhum parto estudado foram encontrados métodos alternativos para o controle da dor, a baixa utilização da analgesia peridural indica negligência em lidar com a dor da parturiente.
O contato pele a pele da mãe com o recém-nascido por pelo menos 30 minutos na primeira hora de vida, além de propiciar o envolvimento mãe-filho e o aleitamento materno, é um indicativo de que o parto transcorreu adequadamente4,5. Neste estudo, apesar desse contato ter ocorrido em 76% dos partos, durou 30 minutos em apenas 11,6%, podendo refletir, entre outros aspectos, o baixo nível de envolvimento desses serviços com os aspectos psicológicos envolvidos no ato do nascimento9. Contudo, quando se considera apenas a frequência do contato pele a pele, sem sua duração, esse foi superior ao encontrado em outros estudos brasileiros20.
A presença do acompanhante familiar no parto é um direito garantido no Brasil pela Lei nº 11.108/2005, regulamentado pelo Ministério da Saúde pela Portaria nº 2418/20059. Um estudo de metanálise, envolvendo 15.060 mulheres, encontrou que a parturiente com acompanhante tem trabalho de parto mais curto, maior frequência de parto transvaginal, menor utilização de analgesia e maior grau de satisfação21. Outros estudos também têm mostrado benefícios perinatais do apoio familiar no parto4,21,22. No presente estudo, a presença do acompanhante familiar foi pouco encontrada, demonstrando a negligência desse direito, mas podendo também refletir a falta de estrutura dos hospitais em acolher o acompanhante9.
O índice Apgar tem sido utilizado em várias publicações para avaliar a qualidade de assistência ao parto23. Neste estudo, a ocorrência de 12,9% dos recém-nascidos, com Apgar ao primeiro minuto menor que sete, e de 3% com Apgar também baixo ao quinto minuto foram bem maiores que os encontrados no estudo sueco, porém semelhantes a outros estudos brasileiros16,24. Porém, de forma geral, o índice de Apgar, provavelmente por ser um indicador de resultados, não refletiu muito bem a má qualidade encontrada na assistência aos partos estudados, justificando-se, assim, os esforços no sentido de se conseguir melhores indicadores para essa tarefa.
Nesse sentido, o índice Bologna sumarizou melhor a qualidade da assistência, sendo que a maioria dos partos não atingiu a nota 2. Esse aspecto fica mais bem evidenciado quando se compara a média de 1,04, encontrada neste estudo, com a do estudo sueco, que foi de 3,81. Esses resultados encorajam a utilização desse índice como indicador para análise do processo da assistência ao parto.
Um aspecto importante a ser ressaltado no presente estudo foi a utilização dos dados provenientes de entrevistas com as puérperas para a construção da maioria dos indicadores utilizados na análise, o que confere maior credibilidade aos resultados. Estudos têm mostrado alta confiabilidade das informações das puérperas e baixa qualidade das informações dos prontuários25,26.
Em síntese, os resultados aqui expostos indicam que a qualidade da assistência ao parto normal em Goiânia, em 2007, esteve bastante inadequada. Isso pôde ser constatado pelo baixo valor do índice Bologna, pela alta frequência de intervenções consideradas prejudiciais e pela baixa frequência de intervenções consideradas benéficas. Além disso, as altas taxas de cesarianas eletivas e de urgência encontradas chamam atenção para uma assistência inadequada ao parto de uma forma geral, não apenas no parto normal.
A partir dessas conclusões, espera-se que os resultados encontrados possam subsidiar políticas de saúde nesse município. Assim, algumas estratégias podem ser sugeridas: modificações no modelo assistencial hospitalar com integração de outros profissionais de saúde, em uma perspectiva multidisciplinar; exigência das entidades de saúde para que os profissionais realizem acompanhamento do trabalho de parto e parto com rigor científico; garantia de profissional capacitado para assistência ao recém-nascido na sala de parto e implementação de ações destinadas a dar suporte e apoio à parturiente e de medidas para controle da dor.
Recebido: 15/02/2011
Aceito com modificações: 26/10/2011
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.