DOI: 10.1590/S0100-72032010000400005 - volume 32 - Abril 2010
Amantino Camilo Machado Filho, José Felipe Jardim Sardinha, Rossicléia Lins Ponte, Elenice Pontes da Costa, Sabrina Silva da Silva, Flor Ernestina Martinez-Espinosa
Introdução
A ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) durante a gravidez representa risco aumentado de morbidade e mortalidade para o feto e o neonato, em virtude da transmissão vertical1, podendo essas doenças estar associadas à gravidez ectópica, abortos, natimortos e prematuridade, além de infecções congênitas, perinatais e puerperais2. Se essas doenças são diagnosticadas e tratadas precoce e adequadamente, as consequências para a mãe e para o concepto podem ser minimizadas3.
A falha na detecção precoce da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) durante o pré-natal representa uma oportunidade perdida de intervenção na gestante infectada, limitando as possibilidades de redução da incidência dos casos pediátricos infectados por transmissão materno-infantil4. Nesse contexto, no campo da assistência a mulheres portadoras do HIV, desde 1997, tem sido considerada prioritária a prevenção da transmissão desse vírus da mãe para o bebê, na medida em que a detecção do HIV durante o pré-natal, particularmente no transcurso do segundo trimestre da gravidez, permite a adoção de medidas profiláticas, como o uso de medicamentos antirretrovirais que diminuem o risco de transmissão vertical ao reduzir a replicação viral na mãe, considerado o fator protetor mais importante5.
Por outro lado, estudos de prevalência de outras retroviroses, como as causadas pelos vírus linfotrópicos de células T humanas (HTLV-I e II), são pouco conhecidos em gestantes, sendo bem mais estimados entre os doadores de sangue6. Acredita-se que durante a vida, 5% dos portadores do HTLV-I desenvolverão alguma doença associada a ele, como a leucemia ou linfoma de células-T do adulto, paraparesia espástica tropical e uveíte7. Sabe-se que o indivíduo é infectado por sangue e secreções genitais contaminados e de forma vertical, principalmente pela amamentação. A possibilidade de transmissão mãe-filho, quando a amamentação é livre, varia de 15,4 a 25%, e o tempo de aleitamento é diretamente proporcional à possibilidade de transmissão. É possível que haja outras vias de transmissão vertical, como a transplacentária e o canal de parto, já que a taxa de infecção é de 3,3 a 12,8% entre as crianças não-amamentadas8.
A sífilis ainda constitui uma doença com sérias implicações para a mulher grávida e sua prole, podendo causar abortamento, morte intrauterina, óbito neonatal ou deixar sequelas graves nos recém-nascidos9, apesar de testes diagnósticos baratos e acurados estarem disponíveis no mercado e da persistente sensibilidade do Treponema pallidum (T. pallidum) à penicilina4. Segundo dados do Ministério da Saúde, a incidência da sífilis passou de 1,3 casos por mil nascidos vivos em 2000 para 1,9 casos por mil nascidos vivos em 2005, variando de acordo com a região do país10. Por essa razão, o Ministério da Saúde tem recomendado que o teste diagnóstico da sífilis seja oferecido a todas as gestantes nos primeiros estágios da gravidez e tem realizado campanhas para a eliminação da sífilis congênita no Brasil11. No entanto, a despeito das campanhas e de outras iniciativas governamentais, a redução das taxas de transmissão vertical da sífilis tem representado um grande desafio para a Saúde Pública no país, fato evidenciado em 2005, quando cerca de 50.000 mulheres eram portadoras de sífilis - estimativa esta extremamente preocupante por suas implicações perinatais12.
O vírus da hepatite B (VHB) é a principal causa de hepatopatia crônica no mundo. Admite-se que cerca de 400 milhões de pessoas estejam infectadas por esse agente e que 15 a 40% dos indivíduos com a infecção irão desenvolver cirrose, insuficiência hepática ou carcinoma hepatocelular13. Dados epidemiológicos demonstram que a transmissão vertical é responsável por 35 a 40% dos novos casos de hepatite B no mundo e é por meio dela que o vírus é mantido na população14. Classicamente, admite-se que a evolução para infecção crônica ocorre em 90% das crianças infectadas no período neonatal, sobretudo naquelas cujas mães apresentam HBsAg e HBeAg positivos no momento do parto1,13. Vários estudos têm demonstrado que a imunoprofilaxia imediatamente após o nascimento, com a administração da vacina e imunoglobulina, previne a infecção neonatal pelo VHB em mais de 90% dos casos14,15. Práticas adequadas para prevenção e detecção de gestantes infectadas devem contribuir para reduzir o impacto da disseminação dessa infecção no nosso meio13,16.
A infecção por Chlamydia trachomatis (C. trachomatis) está associada a resultados adversos na gravidez, incluindo aborto, ruptura prematura de membranas, trabalho de parto prematuro, baixo peso ao nascimento, óbito fetal, infecção neonatal e endometrite pós-parto17. No Brasil, são raros os Serviços de Saúde que oferecem a pesquisa dessa bactéria sistematicamente como parte de uma consulta ginecológica ou de pré-natal18, embora na maioria das mulheres a infecção seja assintomática ou com sintomas mínimos. Esse dado é relevante na medida em que há evidências de que o rastreamento de gestantes assintomáticas pode detectar a infecção por clamídia e que o tratamento dessa infecção durante o curso da gestação melhora os resultados sobre a saúde materna e fetal, havendo recomendação para o rastreamento dessa bactéria durante a gravidez17.
Um componente importante para a vigilância das infecções sexualmente transmissíveis é o monitoramento da taxa de prevalência. Embora existam diversos estudos sobre prevalência das DST na gestação, desenvolvidos em outras regiões do país, há poucos relatos sobre a realidade da Região Norte, existindo lacunas do conhecimento, particularmente no Estado do Amazonas. Dessa forma, o interesse principal deste trabalho foi estudar a prevalência de infecção materna pelo HIV, HTLV, VHB, Chlamydia t. e de sífilis, bem como fatores de risco ligados a essas infecções, objetivando subsidiar a tomada de decisão em Saúde Pública, relativos ao planejamento de programas de prevenção e assistência.
Métodos
Foi conduzido um estudo transversal na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMTAM), que, embora seja uma unidade de saúde terciária para doenças infecciosas, atua como unidade primária de saúde no que concerne à realização de sorologias durante a gestação, atendendo uma população heterogênea, procedente de diversos bairros da zona urbana de Manaus.
A amostra foi calculada tendo por base uma população de 57.452 gestantes (conforme dados do DATASUS19), com uma prevalência de DST de 2% e pior erro esperado de 1%, estimando-se um número mínimo de 500 gestantes para serem incluídas no estudo. Foram selecionadas 690 gestantes da demanda espontânea da FMTAM submetidas à triagem pré-natal no período de Março a Setembro 2008. A seleção da amostra foi consecutiva, iniciada a partir de um dia pré-determinado ao acaso, junto ao laboratório de análises clínicas da FMTAM, onde as pacientes eram abordadas e convidadas a participar do estudo. As pacientes elegíveis para o estudo foram todas aquelas que, acreditando estar grávidas, procuraram a FMTAM para as sorologias de rotina de início do controle pré-natal. As pacientes objeto de análise no presente estudo foram aquelas que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e que tiveram gestação confirmada por método clínico, hormonal ou ultrassonográfico, independentemente da idade materna e do período gestacional. As mulheres cujo status sorológico positivo para alguma das doenças testadas era conhecido não foram analisadas no presente estudo, assim como as pacientes em uso de antibióticos ou de qualquer substância química intravaginal nas duas semanas que antecederam a coleta da amostra. Das 690 gestantes elegíveis, 9 foram excluídas por não desejarem participar do estudo e outras 7 porque tinham conhecimento prévio da condição de portadora de infecção por HIV.
Após a inclusão da paciente como sujeito da pesquisa, foi realizada entrevista com a aplicação de um questionário elaborado especificamente para esse fim, por profissionais de Saúde previamente treinados. Esse questionário era composto por perguntas sobre dados clínicos, epidemiológicos e socioeconômicos, priorizando informações sobre a idade, ocupação profissional, estado civil, escolaridade, uso de métodos contraceptivos, número de gestações, idade gestacional, número de consultas pré-natais, uso de drogas ilícitas e de álcool, entre outros. As perguntas foram conduzidas e as respostas anotadas pelo entrevistador, em ambiente reservado, sem a presença de terceiros.
De cada paciente coletou-se amostra de 10 mL de sangue por punção de veia cubital, em tubo de coleta a vácuo, sem anticoagulante, para a realização dos exames sorológicos para HIV, HTLV, VHB e sífilis. Para a pesquisa de antígenos da C. trachomatis, foi coletada uma amostra de secreção endocervical com swab estéril, realizada por ginecologista-obstetra.
O exame diagnóstico para infecção por HIV foi realizado pelo método Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA), em equipamento automatizado, modelo Eti-Max (Diasorin®, São Paulo), utilizando-se kit comercial da mesma empresa. Foi seguido o fluxograma de diagnóstico sorológico para o HIV, conforme estabelecido pela Portaria Ministerial 059/MS, de 28 de Janeiro de 2003, segundo a qual as amostras positivas no primeiro ensaio por ELISA foram testadas por um segundo ELISA. Confirmada a positividade, a amostra foi testada por método de imunofluorescência indireta, com lâminas produzidas e distribuídas por Bio-Manguinhos. Uma nova amostra de sangue foi solicitada da paciente, com a qual se realizou mais um exame por ELISA, para confirmação da positividade da primeira amostra, fechando, assim, o diagnóstico.
O diagnóstico sorológico para o HTLV-I e II foi realizado por meio de testes ELISA, em equipamento automatizado modelo Eti-Max, (Diasorin®, São Paulo), utilizando-se kit comercial Murex HTLV-I+II (Abbott®, São Paulo) para a pesquisa de anticorpos anti-HTLV-I e II. Os testes positivos no ELISA foram confirmados pela reação em cadeia da polimerase (PCR), com kit comercial Amplicor (Roche®, São Paulo).
A triagem sorológica para a infecção por VHB foi realizada mediante identificação do antígeno de superfície desse vírus (HBsAg), em equipamento automatizado, modelo Eti-Max (Diasorin®, São Paulo) e utilizando-se kit comercial de ELISA da mesma empresa. As pacientes com sorologia positiva para o HBsAg foram testadas também para o antígeno "e" desse vírus (HBeAg), utilizando-se a mesma metodologia usada para a pesquisa do HBsAg.
Para a triagem sorológica da sífilis, foi utilizado teste não-treponêmico do tipo Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) com determinação quantitativa (título). Para a confirmação dos exames VDRL positivos, foi utilizado o teste treponêmico por quimioluminescência Treponema Screen (Diasorin®, São Paulo).
O teste diagnóstico para a infecção por C. trachomatis foi realizado por bioquímico, imediatamente após a coleta, por meio de teste rápido de detecção antigênica, em imunocromatografia de placa (BioEasy®, Belo Horizonte), conforme as instruções do fabricante.
Definiu-se como uso de álcool etílico durante a gravidez a ingestão de pelo menos 30 g dessa substância por semana. Considerou-se como uso de droga ilícita durante a gestação o uso de qualquer quantidade dessas substâncias durante a gravidez, como cocaína, heroína e maconha.
Os dados obtidos no questionário, bem como os oriundos dos resultados dos exames laboratoriais, foram registrados num banco de dados no software Epi-Info 6.04 (Centers of Disease Control and Prevention, EUA) e a análise estatística foi realizada no mesmo programa. Para a aceitação das hipóteses alternativas, foi considerado um intervalo de confiança de 95%, com nível de significância estatística de p<0,05.
Foram verificadas as prevalências de infecção por HIV, HTLV, VHB, C. trachomatis e de sífilis, bem como a associação dessas infecções com a frequência dos fatores de risco: idade materna, estado civil, escolaridade, paridade, uso de álcool, uso de drogas ilícitas, uso de método anticoncepcional e número de consultas pré-natais.
Em relação à análise estatística, as prevalências foram estimadas tendo como numerador as gestantes com sorologia positiva para cada um dos testes diagnósticos realizados sobre o número total de mulheres gestantes testadas para os mesmos.
Para a comparação da distribuição das variáveis "idade", "idade gestacional", "número de gestações", "anos de instrução" e "número de consultas pré-natais", foi utilizado o teste t de Student, com os resultados expressos em média e desvio padrão. Para as variáveis "profissão", "estado civil", "ingestão de bebida alcoólica", "hábito de tabagismo", "uso de drogas ilícitas" e "história prévia de aborto", utilizou-se proporção simples, com valores expressos em porcentagem. Para a análise, foram utilizados o teste do χ2 e o exato de Fischer.
A Odds Ratio foi utilizads para avaliar a força de associação entre variáveis, comparando-se a frequência de idade materna, estado civil, escolaridade, paridade, uso de álcool, uso de drogas ilícitas, uso de método anticoncepcional e número de consultas pré-natais em mulheres gestantes que foram detectadas como positivas para DST objeto deste estudo, com as gestantes que tiveram sorologias negativas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMTAM, sob número 1.767/2006. Todas as gestantes que aceitaram participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução n.º 196 do Conselho Nacional de Saúde. As pacientes com testes positivos para infecções objeto deste estudo foram encaminhadas para atendimento especializado no ambulatório de Infecção e Gestação da FMTAM.
Resultados
A idade das gestantes variou entre 13 e 43 anos, com média de 23,9±6,3 anos; declararam ser casadas ou viver em união estável 80,1% dos casos. A média de anos de instrução foi 6,8±1,4 e 9,1% referiram ser analfabetas. Em relação à profissão, 47,5% relataram ser dona-de-casa. Referiram ingerir bebida alcoólica 6%, e 4,1% referiram fumar durante a gestação. A média de gestações foi de 2,4±1,6, sendo que 44,2% da casuística eram primigestas. Observou-se que 25,7% das pacientes haviam apresentado história prévia de aborto. A média de idade gestacional foi de 19,2±8,1 semanas, sendo 31,2% no primeiro trimestre e apenas 2,1% testadas durante as primeiras quatro semanas de amenorreia. Em relação ao número de consultas pré-natais, 99% das gestantes já haviam iniciado o pré-natal, sendo que destas, 58,2% referiram ter sido submetidas a uma única avaliação até o momento da entrada no estudo (Tabela 1).
As taxas de prevalência encontradas foram de 0,6% para a infecção por HIV; de 0,7% para o HBsAg e de 0,5% para o HBeAg. Em relação à sífilis, 1,2% das amostras foram positivas para o VDRL, mas apenas 1 % foi confirmado por teste treponêmico. Encontrou-se uma prevalência de 2,7% para infecção por C. trachomatis. Nenhuma amostra testada para HTLV foi positiva no teste de ELISA (Tabela 2).
Não houve associação entre os fatores de risco pesquisados e a infecção por HIV, VHB e sífilis. Observou-se associação significativa entre idade inferior a 20 anos (OR=5,7; IC=1,7-22,1; p=0,002) e de primigestas (OR=4,0; IC=1,1-15,3; p=0,02) com infecção por C. trachomatis.
Discussão
No presente trabalho, a prevalência de infecção por HIV foi de 0,6%, achado semelhante à média nacional. No Brasil, estima-se em 0,4% a prevalência do HIV em gestantes, sendo que até Junho de 2005 haviam sido registrados 11.901 casos de crianças que adquiriram o vírus por TV20. Num estudo realizado em 27 municípios da Região Sul do país incluindo 8.002 gestantes, a prevalência encontrada foi de 0,5%21. Em Vitória (ES), num levantamento soroepidemiológico, encontrou-se uma prevalência de 0,6%, incluindo 1.380 parturientes atendidas numa maternidade pública4. No Mato Grosso do Sul, estudo envolvendo 153.857 gestantes acompanhadas pelo Programa Estadual de Proteção à Gestante encontrou uma prevalência de 0,2%22. Na região amazônica, outro estudo encontrou prevalência de 1,8% entre 2.298 grávidas testadas para HIV na FMTAM23. Entretanto, essa pesquisa não excluiu as gestantes que tinham conhecimento prévio da condição de portadora de HIV.
Neste estudo, nenhuma paciente apresentou sorologia positiva para HTLV. Este achado sugere que a prevalência dessa infecção seja muito baixa em pacientes com características similares a esta casuística. No Estado do Amazonas, não foram encontrados estudos de prevalência de HTLV entre gestantes. A prevalência do HTLV em gestantes varia nos diversos estudos, sendo mais elevada no Japão24 e em países africanos25. No Brasil, considerada região não-endêmica, a soroprevalência em gestantes foi de 1,3% em Vitória1, 1% no recôncavo baiano26 e a mesma prevalência de 0,1% em Mato Grosso do Sul6,27 e Goiânia8 - este último incluindo 15.485 gestantes. O achado do presente estudo sugere que a prevalência de HTLV pode ser baixa na população testada, mas tal dado não pode ser interpretado como ausência de risco nas gestantes. Dessa forma, o rastreamento para esse vírus durante o pré-natal se justifica, já que a possibilidade de transmissão vertical é alta e as medidas profiláticas são simples e eficientes.
A faixa de positividade para o HBsAg em gestantes encontrada em estudos nacionais, fora da região amazônica, varia de 0,3 a 1,7%22,27,28, dados similares aos encontrados em outros países, excetuando-se regiões da Ásia29 e da África30, onde são observadas prevalências de cerca de 15%. Nesta casuística, encontra-se uma prevalência de 0,7% para o HBsAg, achado compatível com alguns estudos referenciados na literatura1,15, mas inferior aos encontrados em algumas regiões na Amazônia, onde a infecção por VHB constitui um grave problema de Saúde Pública. Nessa região, conforme demonstram levantamentos soroepidemiológicos, a distribuição dessa infecção é bastante heterogênea, encontrando-se uma maior prevalência de indivíduos expostos, ou portadores, nas áreas correspondentes a Amazônia Central e Ocidental31.
Um estudo transversal de nove subrregiões do Estado do Amazonas, incluindo 62 municípios, encontrou prevalência média de 3,2% de HBsAg entre 1.460 gestantes atendidas pelo Programa Pré-Natal31. Entretanto, esse estudo demonstrou que a prevalência para o baixo Amazonas foi de 1,1%, sendo esse dado semelhante ao achado deste trabalho. A baixa prevalência encontrada nas gestantes da presente casuística pode estar associada a fatores protetores, como uso de vacinas e menor número de parceiros sexuais, bem como às diferentes populações estudadas e aos diferentes tamanhos amostrais, dentre outros. Entretanto, entende-se que tal achado não deve inviabilizar o rastreamento do VHB durante o pré-natal, haja vista que a Amazônia é considerada área de endemicidade elevada, podendo ser graves as consequências para o concepto, decorrentes do não-diagnóstico dessa infecção durante a gestação.
A prevalência de sífilis encontrada neste estudo foi de 1%, percentual semelhante ao encontrado em outras regiões do país4,27, mas inferior ao estimado para a Região Norte, como evidenciado num estudo realizado em 2004, numa amostra representativa de parturientes de todas as regiões do Brasil, no qual observou-se uma taxa de prevalência de 1,6%32. Estudos nacionais recentes evidenciam uma prevalência de 0,4% em Vitória4, 0,9% em Sergipe3 e de 2,7% em Mato Grosso do Sul22 - este último incluindo uma amostra de cerca de 150 mil gestantes. Estudos conduzidos em outros países encontraram 1,6% de prevalência entre 1.296 gestantes na Tanzânia33 e de 0,5% entre 20.053 gestantes na Itália34. A baixa prevalência de sífilis observada neste estudo pode representar um viés de seleção que tenha privilegiado a entrada de pacientes com menos fatores de risco, tais como aquelas pacientes que cuidam mais da sua saúde ou as gestantes que estão mais preocupadas com a saúde do concepto.
O presente estudo demonstrou prevalência de 2,7% de infecção por C. trachomatis. Segundo dados da literatura, a prevalência pode variar, dependendo da população estudada e do método utilizado para o diagnóstico. Num estudo envolvendo 3.303 gestantes de 6 capitais das 5 regiões do país, utilizando a técnica de captura híbridaem amostras do canal cervical, encontrou-se taxa de prevalência de 9,4%18. Em Mato Grosso do Sul, utilizando-se pesquisa de anticorpos anticlamídia, a prevalência encontrada foi de 7,3%22, enquanto que no Rio Grande do Sul encontrou-se 4,3% de prevalência35. O exame pela PCR parece ser mais sensível na detecção de infecção por C. Trachomatis do que outros métodos36. Nos Estados Unidos, encontrou-se uma prevalência de 11,4% entre 1.974 gestantes testadas pela PCR37 e no Equador encontrou-se uma prevalência de 8,8% de amostras endocervicais positivas, também testadas pela reação em cadeia da polimerase38. Segundo o fabricante do teste utilizado nesta pesquisa, o teste rápido para a clamídia Bioeasy® tem sensibilidade de 88,5%. Dessa forma, a baixa prevalência encontrada entre as gestantes pesquisadas neste estudo pode se dever, em parte, ao teste utilizado para a detecção da C. trachomatis, haja vista que as técnicas que utilizam a PCR apresentam sensibilidade que se aproximam de 100%36.
Neste estudo, não foram evidenciadas variáveis associadas à infecção por HIV, VHB e sífilis. Entretanto, observou-se associação significativa entre idade inferior a 20 anos e de primigestas com infecção por C. trachomatis. A literatura tem referido associação entre adolescentes grávidas e o aumento de chances de apresentar infecção por C. trachomatis, enfatizando que o principal fator de risco para a aquisição dessa infecção é a idade inferior a 20 anos17. Numa pesquisa realizada em Londres, 35% das gestantes infectadas por clamídia eram adolescentes39. No Brasil, num estudo realizado em 6 cidades brasileiras, descreveu-se que o risco de apresentar infecção por clamídia foi 2 vezes maior para as gestantes com menos de 20 anos de idade18. Nesta pesquisa, esse risco foi cinco vezes maior entre as pacientes desse grupo etário. Em relação ao aumento de chances de infecção por clamídia em primigestas, este estudo encontrou um risco quatro vezes maior de aquisição de infecção por esse micro-organismo, dado compatível com os achados de uma pesquisa realizada no Reino Unido, no qual 69% das pacientes que apresentaram infecção por clamídia eram primigestas39.
O presente estudo evidenciou que a prevalência de infecção por HIV nas gestantes atendidas na FMTAM é semelhante aos valores descritos na literatura, enquanto que as prevalências de HTLV, VHB, sífilis e C. trachomatis na população estudada encontram-se abaixo das encontradas por diversos autores. Tais achados podem decorrer do fato de as doenças infecciosas serem dinâmicas, bem como serem dinâmicos os fatores de risco, o comportamento das populações e as próprias populações.
Limitações desta pesquisa incluem o tamanho da amostra e o delineamento do estudo, pois os estudos transversais não são os mais adequados para se investigar fatores de risco. Outro aspecto a ser considerado diz respeito à exatidão das respostas obtidas no questionário, uma vez que as respondentes podem ter omitido dados comportamentais em função de constrangimento. Entretanto, ressalvada a possibilidade da introdução de viés no presente estudo, estes achados reforçam a necessidade de enfatizar e de estimular um rastreamento para essas infecções no curso da gestação, razão pela qual considera-se que as triagens para todas essas infecções sejam mantidas e dirigidas para pacientes que têm menos condições de chegar ao momento do parto conhecendo seu status sorológico.
Agradecimentos
À enfermeira Márcia Gomes Ramalho e às estagiárias Emily Pontes da Costa, Lize de Oliveira e Sheila Ferraz de Coimbra, pela contribuição na coleta de dados desta pesquisa.
Às Doutoras Angélica Espinosa Barbosa Miranda e Samira Buhrer, pelas sugestões preciosas na confecção deste artigo.
Financiamento
Recursos do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, por meio do projeto número 294/06, em convênio com a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO).
Recebido 24/11/09
Aceito com modificações 22/4/10
Fundação de Medicina Tropical do Amazonas - FMTAM - Manaus (AM), Brasil.