DOI: 10.1590/S0100-72032010001000003 - volume 32 - Outubro 2010
Gerson Jacob Delazeri, Nilton Leite Xavier, Carlos Henrique Menke, Ana Cristina Bittelbrunn, Bernardo Leão Spiro, Marcos Pretto Mosmann, Márcia Silveira Graudenz
Introdução
A biópsia do linfonodo sentinela (LS) é considerada o procedimento padrão para avaliar o estado axilar em pacientes com câncer de mama em estágios iniciais1. A análise histológica do LS pode predizer o estado axilar, que é o principal fator prognóstico em câncer de mama, e pode evitar a dissecção radical em pacientes com axila negativa. A técnica para a biópsia do LS ainda não foi padronizada e várias abordagens são descritas2. Muitos trabalhos citam a injeção de azul patente e do radioisótopo em várias localizações: peritumoral, subareolar, intratumoral, subdérmica e/ou a combinação de ambas3.
Outra variação está relacionada com o radiofármaco4. Recentemente, alguns trabalhos utilizaram a técnica de injeção intraoperatória do radioisótopo5-9. As vantagens dessa abordagem seria a melhor logística, evitando-se o aprazamento e a ida adicional da paciente à serviço de medicina nuclear, a diminuição do custo8 e a eliminação da dor e ansiedade relacionadas ao procedimento no pré-operatório5. A não realização da linfocintigrafia, nesses casos, está justificada pelos trabalhos que demonstram que o exame não aumenta os índices de detecção do LS10-11.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia da injeção intraoperatória para identificação do LS em câncer de mama com o uso do Dextran 500-99m-Tc e analisar o tempo para marcação do LS axilar.
Métodos
Este é um estudo prospectivo realizado entre abril de 2008 e junho de 2009 com o objetivo de avaliar a eficácia da injeção intraoperatória de Dextran 500-99m-Tc na dose de 0,5 a 1,5 mCi. Nesse período foram realizadas 74 biópsias de LS em 73 pacientes. Uma das pacientes apresentava câncer de mama bilateral. Um dos casos foi realizado em homem. Foram elegíveis as pacientes com câncer de mama em estádios T1N0 e T2N0, de acordo com a classificação TNM12. Utilizou-se, como critério de exclusão, a administração prévia de quimioterapia. A média de idade das pacientes do estudo foi 58 anos (DP 14). Em 10,8 % dos casos (8/74), as pacientes haviam sido submetidas a biópsias cirúrgicas prévias na mesma mama; nas demais, o diagnóstico foi com biópsia por agulha grossa (core biopsy). A maioria (70,3%) das pacientes recebeu tratamento conservador (52 casos). A média de tamanho dos tumores foi de 2,19±0,96 cm (Tabela 1). Em três casos de mastectomia, as pacientes foram submetidas à reconstrução mamária no mesmo ato.
Após a indução anestésica, injetou-se de 0,5 a 1,5 mCi (18 a 55 MBq) de Dextran 500-99m-Tc filtrado (Millex GV Filter Unit 0.22 µm - Durapore PVDF Membrane) na região subareolar, num volume de 5 mL. Independentemente da localização do tumor, as injeções foram aplicadas na borda superior externa da aréola. Não se realizou a linfocintigrafia. A dose aplicada foi calculada de acordo com meia vida de seis horas do radiofármaco. Foram anotadas as doses preparadas, a hora do preparo e a do momento da injeção. Quando estavam programados dois procedimentos para o mesmo dia, as doses eram preparadas no mesmo momento. Foram obtidas medidas da captação com a sonda de detecção de radiação probe (EuroProbe) da região subareolar e da região axilar. As medidas foram efetuadas no primeiro minuto após a injeção e, posteriormente, a cada cinco minutos, até ocorrer a migração do radiofármaco para a região axilar e a identificação de um hot spot com o probe. Injetava-se 2 mL de azul patente no momento em que se identificava um hot spot na região axilar ou no máximo 20 minutos estipulados de espera, o que ocorresse primeiro. Aguardava-se mais cinco minutos para a marcação do LS com o azul patente, e então se procedia à incisão. Injetamos o azul patente após a marcação com o probe com o objetivo de avaliar isoladamente os dados relacionados ao radiofármaco. Eram retirados os linfonodos corados pelo azul patente, os marcados pelo probe e os linfonodos suspeitos à palpação. A dissecção axilar era feita nos casos de LS positivos para metástase.
Com relação à exposição à radiação, na sala cirúrgica, a dose requerida para a biópsia do LS fica abaixo dos níveis exigidos, não sendo proibida nos centros cirúrgicos13. A biossegurança foi demonstrada pelo autor que primeiro descreveu a técnica5, e pelos que a reproduziram com algumas modificações6-8. Utilizou-se método padronizado para transporte do radiofármaco ao bloco cirúrgico, e o material utilizado retornou para ser descartado, conforme rotina do Serviço de Medicina Nuclear.
Os LS foram avaliados no transoperatório por meio da técnica citológica de imprint ou rasprint, sendo os esfregaços corados pela hematoxilina-eosina (HE) rápida. O protocolo anatomopatolológico para análise do LS foi a inclusão total do espécime, após cortes macroscópicos de 3 mm de espessura ao longo do eixo longitudinal do linfonodo. Obtiveram-se cortes histológicos escalonados, com intervalo de 200 micras, corados pelo HE, até o desgaste total do material emblocado. Colheram-se cortes para imuno-histoquímica (IHC) a intervalos de 1.000 micras. Os LS não foram submetidos a IHC de rotina, mas apenas para confirmação de metástases suspeitas. As metástases foram descritas como micrometástases (0,2 a 2 mm) ou macrometástases (maior de 2 mm), prevalecendo a de maior tamanho para a análise nos casos em que foram identificados mais de um LS. Foram anotados detalhes do procedimento cirúrgico, dose aplicada, tempo para migração, leitura com o probe e dados histopatológicos, incluindo-se tamanho do tumor, tipo e grau histológico, resultado da dissecção axilar e IHC.
O projeto foi financiado pelo Fundo de Incentivo a Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HCPA. Todas as pacientes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
A análise estatística foi realizada pelo SPSS, versão 18. O tamanho da amostra calculada foi de 73 casos, para um intervalo de confiança de 95%, considerando-se a taxa de identificação do LS de 95%. A análise descritiva foi feita por meio de média e desvio-padrão ou mediana e valores mínimo e máximo para as variáveis contínuas e frequências absolutas e relativas para as categóricas.
Resultados
Identificou-se o LS em 100% dos casos. A taxa de identificação com o probe foi de 98% (73/74 casos). Em 97,3% dos casos (72/74), o LS estava marcado pelo radiofármaco e pelo azul, um dos casos (1,3%) encontrava-se marcado apenas com o azul e outro caso (1,3%) marcado apenas pelo radiofármaco. A dose média de radiofármaco aplicada foi 0,9±0,2mCi. O tempo para marcação na região axilar, após a injeção subareolar, foi de 10,7 minutos (±5,7 min. ). Identificaram-se, em média, 1,6 linfonodos marcados com o radioisótopo e 1,5 com o azul patente (Tabela 2). O número médio de linfonodos removidos por paciente foi de 2 (variação de 1 - 8); 48,6 por cento dos casos (36/74), na classificação TNM eram T1. Destes, 25% (9/36) apresentaram metástases, sendo em 8 casos, macrometástases, e num caso micrometástase. Dos 38 casos T2, 47% apresentaram metástases (18/38), sendo 17 macrometástases e uma micrometástase (Tabela 3). Em dois casos, o linfonodo com presença de metástase foi identificado pela palpação transoperatória, não se encontrando marcado pelo azul ou pelo radiofármaco.
As pacientes com metástase foram submetidas a esvaziamento axilar, com exceção de dois casos em que as micrometástases foram identificadas apenas na avaliação definitiva do material cirúrgico. Devido às comorbidades e pelo baixo risco de metástase em outros linfonodos, optou-se por não submetê-las a novo procedimento. Dentre os 24 casos submetidos a esvaziamento axilar, em 62,5% (15/24) apenas o LS apresentava metástase.
Discussão
Neste estudo, observamos que a biópsia do LS com injeção intraoperatória do radiofármaco é eficaz, com taxa de identificação semelhante ao procedimento tradicional. Com a abordagem apenas intraoperatória, diminui-se o custo8, a dor e a ansiedade5 causados pelo procedimento no pré-operatório. O custo está relacionado com com a obtenção e análise da imagem8. Ressaltamos o pioneirismo da injeção intraoperatória do radiofármaco no Brasil e da utilização do Dextran-50099m-Tc. Utilizamos o Dextran pois em publicação anterior já se demonstrou melhor eficácia para identificação do LS com o Dextran em comparação com o Fitato14.
Em nosso trabalho, a taxa de identificação, obtida com a injeção subareolar do radiofármaco, associada ao corante azul patente, foi de 100%. A injeção subareolar foi aplicada segundo a técnica de Kern15. Utilizando a injeção subareolar do corante azul e do radiofármaco, esse autor descreveu uma taxa de identificação de 98,4% (184/187 casos), uma taxa de falso-negativo de 0% (0 de 20 casos), e uma precisão de predição do status axilar de 100% (70 dos 70 casos)16. A técnica é defendida por outros autores, baseada em trabalhos que demonstram alta taxa de identificação do LS, baixa ou ausente taxa de falsos-negativos e curva de aprendizagem rápida17-18. Em um estudo no qual se incluiu 730 pacientes demonstrou-se não haver diferença significativa nas taxas de identificação ou no número de linfonodos identificados quando se compara as injeções subareolar ou subcutânea, concluindo que as duas técnicas parecem resultar na identificação do mesmo linfonodo19. A injeção subareolar também pode ser usada com segurança em pacientes com tumores de mama multicêntrico20.
Deve-se ressaltar a importância da palpação intraoperatória em busca de linfonodos suspeitos. Em nossa série, em 2,7% (2/74) dos casos, o linfonodo com metástase não estava marcado pelo radiofármaco ou pelo corante azul patente. Em uma série recente de 2.000 casos encontrou-se taxa de 3% (11 casos) de linfonodos positivos não marcados pelo azul ou pelo radiofármaco21; porém, assim como em nosso estudo, não foi possível calcular a taxa de falsos-negativos, pois não foi realizado o esvaziamento axilar em pacientes com LS negativos.
Os estudos de validação da técnica do LS apresentaram taxa de identificação de 85 a 99%, com falso-negativo de 6,7 a 8,8%22-25. Nossa taxa de identificação de 100% foi semelhante a outro trabalho publicado com injeção intraoperatória7. Outros estudos com injeção intraoperatória encontraram taxas de 96 a 99%5-6, 8. A injeção subareolar, o tamanho das partículas filtradas e o volume da injeção são fatores que contribuem para a alta taxa de identificação e rápida migração do radiofármaco7. Em nosso trabalho, procurou-se associar os três fatores: utilizando-se o Dextran 500-99m-Tc filtrado 0,22 µm, que permite migração mais rápida por eliminar as partículas maiores, a injeção subareolar de acordo com a técnica de Kern15 e o maior volume de injeção (5 mL de solução salina com o radiofármaco e 2 mL de corante azul patente). Outro fator que contribui na taxa de identificação é a associação do radiofármaco com o corante azul26.
O tempo para migração é fator crucial para o sucesso da técnica, pois a paciente encontra-se anestesiada. O tempo médio para marcação na região axilar após a injeção subareolar foi de 10,7 minutos (±5,7 min. ). O primeiro estudo com injeção intraoperatória do radiofármaco observou tempo médio entre injeção e incisão axilar de 19,9 minutos5. Foi demonstrado que a migração do radiofármaco para o linfonodo ocorre em 2 a 15 minutos27. Deve-se considerar que, embora as injeções superficiais aumentem o sucesso da biópsia do LS axilar, raramente irão drenar para a cadeia da mamária interna. Para o mapeamento da cadeia mamária interna, a injeção deve ser profunda, intratumoral ou peritumoral. Como apenas 1% dos pacientes terá metástase isolada nesses linfonodos, a importância desta abordagem continua como tema de debate1. Deve-se considerar também os raros casos de recidiva na cadeia mamária interna e a morbidade cirúrgica desse procedimento.
O número médio de linfonodos removidos foi 2 (variação de 1 - 8), com taxa de positividade global de 36,5%, sendo 25% nos tumores T1 e 47% nos tumores T2. O estudo Almanac encontrou média de 2 linfonodos por paciente com variação de 1 a 11, com 26% de linfonodos com metástase, sendo que 72% dos casos eram tumores <2,0 cm28. Outro estudo encontrou média de 2 linfonodos e variação de 1 a 1429 com 41% de metástase axilar. O uso de radiofármaco filtrado ou não filtrado não apresentou impacto sobre o número de linfonodos identificados30. Nos trabalhos com injeção intraoperatória, o primeiro estudo removeu, em média, 1,7 linfonodos por paciente (variação de 1 a 6), com taxa de positividade de 11% nos tumores T1, 40% nos tumores T2 e 67% nos T35. Os trabalhos subsequentes identificaram, em média, 1,6 a 1,8 linfonodos por paciente, com taxa de positividade de 11 a 16,8% nos tumores T1 e de 29 a 44% nos tumores T26,8. Esses dados demonstram que os nossos dados estão de acordo com a literatura tanto para os procedimentos com injeção pré-operatória ou intraoperatória. Essa abordagem para identificação do LS é oncologicamente segura, apresentando conforto ao paciente e agilidade à equipe cirúrgica.
Agradecimentos
Ao Professor Jorge Villanova Biazus e aos médicos do Serviço de Mastologia do HCPA (José A. Cavalheiro, Rodrigo Cericatto e Fernando Schuh). Aos médicos residentes do Serviço de Mastologia e do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA.
Recebido 14/9/10
Aceito com modificações 29/10/10
Serviços de Mastologia e de Medicina Nuclear do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil.