DOI: 10.1590/S0100-72032010000300008 - volume 32 - Março 2010
Edison Mantovani Barbosa, Alice Aparecida Rodrigues Ferreira Francisco, Joaquim Teodoro de Araujo Neto, Eloá Muniz de Freitas Alves, Márcia Garrido Modesto Tavares, João Carlos Sampaio Góes
Introdução
Os linfonodos axilares são os sítios preferenciais de disseminação do câncer da mama e o estádio axilar é considerado o principal fator prognóstico1. A técnica da biópsia do linfonodo sentinela (BLS) está devidamente validada e incorporada ao tratamento cirúrgico do câncer de mama, pois permite obter o estadiamento da axila com acurácia e baixa morbidade, sendo considerada a evolução mais importante do tratamento cirúrgico das últimas décadas2-6.
O processamento dos linfonodos sentinelas (LS) com maior número de cortes, com uso das técnicas de imunoistoquímica e de biologia molecular, permitiu um aumento de aproximadamente 30% no diagnóstico das metástases ocultas. Células tumorais isoladas (CTI), depósitos tumorais <0,2 mm e micrometástases de 0,21 a 2,0 mm não eram observadas no exame histopatológico de rotina7-10. Assim, o processamento mais detalhado do LS apresenta melhor acurácia que o estudo de rotina dos linfonodos axilares. As taxas de falso-negativo variam de 5 a 10% e estão associadas à baixa morbidade3,4,6,9,11. Adicionalmente, a melhor avaliação dos linfonodos proporciona, segundo alguns autores, a melhora na indicação do tratamento sistêmico adjuvante com ganho na sobrevida global (SG) e no intervalo livre de doença (ILD). Entretanto, ainda não há consenso na literatura sobre a importância clínica da detecção de metástases ocultas no câncer de mama12-20.
Em aproximadamente 50 a 65% das vezes, os LS são os únicos a apresentarem metástases. Portanto, faz-se necessário estabelecer fatores preditivos da existência de comprometimento metastático nos linfonodos não-sentinelas (LNS), evitando assim, a linfonodectomia axilar desnecessária21,22. Alguns autores têm procurado estabelecer as relações entre algumas características clínico-patológicas com envolvimento metastático dos LS, objetivando identificar fatores que permitam estabelecer a predição do envolvimento metastático dos LNS23-25. Este estudo foi realizado com o objetivo de avaliar quais parâmetros clínicos, patológicos e imunoistoquímicos poderiam ser preditivos de comprometimento metastático dos LNS em pacientes submetidas à BLS.
Métodos
Realizou-se um estudo retrospectivo com análise de dados de 1.000 prontuários de pacientes submetidas às BLS no Departamento de Mastologia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), no período de 1998 a 2008. As BLS foram realizadas em pacientes com carcinoma primário de mama sem tratamento prévio e com axila clinicamente negativa, de acordo com o protocolo de tratamento vigente. A identificação do LS foi realizada através das técnicas do corante biológico (azul patente), do radiofármaco (fitato-Tc-99m) e da combinação das duas.
Os parâmetros avaliados foram: idade, tamanho do tumor, grau histológico (Bloom & Richardson), embolização angiolinfática (EAL), receptores de estrogênio (RE), receptores de progesterona (RP), expressão do HER-2, tamanho das metástases nos LS e número de LS positivos.
As pacientes envolvidas neste estudo foram acompanhadas com exames de seguimento de rotina, com o objetivo de diagnosticar as recidivas locais e sistêmicas. A idade média foi de 57,6 anos (24 a 90 anos). O sexo feminino compreendeu quase a totalidade dos casos, com 995 (99,5%). O tamanho médio dos tumores foi de 1,85 cm (0,2 a 6,0 cm), sendo que 664 pacientes (66,4%) eram T1 (T<2,0 cm). O tipo histológico predominante foi o carcinoma ductal invasivo (CDI) com 677 casos (67,7%). O grau histológico II foi o mais frequente, com 540 casos (54%). Os receptores hormonais foram positivos para estrógeno em 649 (64,9%) pacientes e para progesterona em 643 (64,3%). O estudo imunoistoquímico para HER-2 foi positivo (3+) em 316 casos (31,6%) e a EAL estava presente em 282 pacientes (28,2%).
O exame de avaliação intraoperatória do LS foi realizado em todos os casos. Os linfonodos sentinelas foram processados com cortes seriados, interessando todo o material removido, de acordo com o protocolo estabelecido pelo Departamento de Anatomia Patológica e Citologia do IBCC. Os diâmetros dos focos metastáticos e dos linfonodos foram medidos com micrômetro ocular. Nos casos de focos múltiplos e independentes, considerou-se o de maior tamanho. Os LS foram negativos em 72,2% (722/1000) e positivos em 27,8% (278/1000) dos pacientes, sendo que 4,3% (12/278) apresentavam CTI; em 17,3% dos casos (48/278) micrometástases e 78,4% (218/278) apresentavam macrometástases. A Tabela 1 resume as características das pacientes.
Para a análise estatística, foram descritas as características tumorais por meio de frequências absolutas e relativas (contagem e percentual) para cada grupo e, para as pacientes que apresentaram metástases, foi verificada a associação entre as características tumorais e o tipo de metástase por meio de testes da razão de verossimilhanças (correção do teste χ2 para amostras insuficientes). A idade foi comparada aos tipos de metástases com uso de análise de variância (ANOVA). Para verificar a sobrevida destas pacientes, foi utilizado o tempo de seguimento, tendo-se metástase a distância como evento, e, para o tempo livre de doença, foram considerados eventos a metástase a distância ou a recidiva local e construídas funções de sobrevida de Kaplan-Meier, testando-se o tempo entre os tipos de LS com uso do teste log-rank. Os testes foram realizados com nível de significância a 5%. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
Resultados
Foram avaliados 1.546 LS (média de 1,5 por paciente) e 28.550 LNS (média de 28,5 por paciente). Em relação ao número de LS dissecados por paciente, foi de um LS em 596 (59,6%), dois em 294 (29,4%), três em 85 (8,5%), quatro em 21 (2,1%) e cinco ou mais em 4 (0,4%). Em 61,9% (172/278) dos casos o LS era o único linfonodo positivo.
Entre os parâmetros clínico-patológicos avaliados, mostraram-se significativos como sinalizadores de risco para o comprometimento metastático dos LNS o tamanho do tumor (p=0,016), o tamanho das metástases no LS (p<0,01) e o número de LS positivos (p<0,01). A Tabela 2 resume os resultados desta análise.
Não foram encontradas metástase no LNS nos 12 pacientes com CTI. No entanto, nos 48 pacientes com micrometástases, o LNS estava acometido em 6 delas (12,5%), sendo que todos foram dissecados no nível I de Berg e, nas 218 pacientes com macrometástases, o acometimento do LNS ocorreu em 100 casos (45,9%). De acordo com a análise estatística, o tamanho da metástase foi estatisticamente significativo para a presença de metástase em linfonodos não-sentinela (p<0,01). A Tabela 3 mostra a relação entre o tipo de metástase no LS e o acometimento de LNS.
Após 54 meses de seguimento médio, não houve nenhuma recorrência local ou sistêmica no grupo de pacientes com CTI, enquanto no grupo de micrometástases observou-se uma recorrência local e duas sistêmicas, totalizando 6,25% de evolução desfavorável. No grupo de macrometástases, ocorreram 4 recidivas locais e 30 recidivas a distância, um total de 15,6% (p<0,01). A Tabela 4 resume os resultados da relação entre o tipo de metástase e a recorrência local e a distância.
As curvas de sobrevida mostram que as pacientes com micrometástases evoluíram de forma semelhante às pacientes do grupo CTI, com sobrevida discretamente superior às pacientes com LS negativo e com diferença significativa em relação ao grupo de pacientes com macrometástases. A diferença de sobrevida entre os grupos foi significativa (p<0,01). A Figura 1 expressa a curva de sobrevida global em 1.000 pacientes submetidas à biópsia do linfonodo sentinela conforme o tipo de metástase.
Discussão
Dos nove parâmetros clínico-patológicos avaliados neste estudo, aqueles que apresentaram a capacidade preditiva de estabelecer uma relação entre o comprometimento metastático dos LS com uma correlação estatisticamente significativa com as metástases nos LNS foram: o tamanho do tumor, o tamanho da metástase no LS e o número de LS positivos.
Essas observações estão de acordo com a meta-análise que envolveu 11 estudos publicados no período de 1999 a 2003, cujo resultado revelou que a existência de pelo menos uma das cinco características era suficiente para aumentar a possibilidade do envolvimento metastático dos LNS, sendo elas: o tamanho das metástases no LS (maior que 2,0 mm), o tamanho do tumor (maior que 2,0 cm), o número de LS metastáticos, a embolização angiolinfática e a extensão extracapsular da metástase no LS. Conclui-se que a dimensão da metástase no LS é a característica histopatológica que mais se associa ao envolvimento metastático dos LNS, observando-se, para as micrometástases, uma variação de 13 a 22% de LNS positivos e de 45 a 79% para macrometástases26. A casuística do IBCC está em concordância com esses estudos. No entanto, a embolização angiolinfática não se relacionou com o comprometimento dos LNS na nossa casuística e a extensão extracapsular não foi avaliada em nossa série.
Em relação à presença das CTI no LS, não há consenso entre os autores da necessidade de ressecção complementar dos demais linfonodos axilares20,27,28. Todas as pacientes do nosso estudo com CTI no LS apresentaram LNS negativos. Nossa pequena casuística não é uma amostra significativa em comparação a outros autores, onde os pacientes com CTI nos LS apresentaram até 14,7% de LNS positivos27. No entanto, porcentagem semelhante à desses autores ainda não foi relatada em nenhum outro trabalho até o momento.
Considerado pN0 (i+) pela 6ª edição do estadiamento TNM para o câncer de mama7, o significado clínico das CTI no LS em relação à SG e ao ILD é controverso na literatura. Alguns autores têm demonstrado uma redução do ILD semelhante às micrometástases (pN1mi) quando comparada aos linfonodos verdadeiramente negativos pN0(i-)15. Nos dados da nossa casuística, em 54 meses de seguimento médio, os pacientes com CTI no LS não apresentaram nenhuma recorrência local ou sistêmica, ao contrário do observado por alguns autores15,20.
As recomendações atuais de conduta nos casos de biópsia de linfonodo sentinela são de que a linfadenectomia axilar é necessária nos casos de micro e macrometástases, mas que poderia ser omitida nos casos de células tumorais isoladas2,7,15. Frente aos achados deste estudo, é possível recomendar a dissecção axilar completa somente nos casos de macrometástases. Para pacientes com micrometástases, uma amostragem axilar ou esvaziamento axilar de nível I de Berg seria suficiente e, nos casos de células tumorais isoladas, não seria necessário tratamento cirúrgico complementar da axila.
Neste estudo, observou-se que o tamanho do tumor apresenta uma correlação significativa com o envolvimento dos LNS e que o diâmetro das metástases no LS e o número de LS positivos aumentam diretamente a possibilidade de metástases nos LNS. Concluímos que, dos fatores analisados, este foi o fator mais importante para predição de comprometimento axilar adicional em pacientes com linfonodo sentinela positivo.
Recebido 19/7/09
Aceito com modificações 22/3/10
Instituto Brasileiro de Controle do Câncer IBCC São Paulo (SP), Brasil.