DOI: 10.1590/S0100-72032010001100003 - volume 32 - Novembro 2010
Felipe Nasser, Breno Boueri Affonso, Seleno Glauber de Jesus-Silva, Dionésio de Oliveira Coelho, Eduardo Zlotnik, Marcos de Lorenzo Messina, Edmund Chada Baracat
Introdução
A embolização do mioma uterino (EMUT) é atualmente considerada uma alternativa terapêutica para as pacientes portadoras de miomas sintomáticos que desejam a preservação uterina ou que tenham contraindicação à cirurgia convencional. Inicialmente foi proposta como uma técnica de desvascularização uterina prévia a um procedimento cirúrgico convencional (miomectomia ou histerectomia), como meio de evitar o sangramento intraoperatório excessivo1, mas atualmente pode ser tratamento único e definitivo2-5.
O resultado da EMUT é favorável em estudos de médio e longo prazo, atingindo sucesso técnico superior a 96%, redução do volume uterino de 40 a 60%5-7 e melhora da metrorragia de 84 a 93%5,8. As taxas de complicação relatadas são baixas devido à melhor avaliação da doença pela ressonância nuclear magnética9 e ao refinamento técnico, como o uso de microcateteres e de microesferas de gelatina10.
Algumas pacientes com úteros muito aumentados representam, entretanto, um desafio técnico para a miomectomia e até mesmo para a histerectomia. Há poucos dados na literatura sobre o resultado da embolização nesse grupo de pacientes em curto ou longo prazo. Há relato de que miomas com mais de 8 cm de diâmetro constituem um fator para preditivo negativo para o sucesso clínico a longo prazo, com taxas de recorrência acima de 10% em um ano e de 23% em dois anos2. Além disso, há relatos raros de complicações graves após embolização de miomas de grande tamanho, como dor persistente, necrose tumoral, infecção uterina e sepse grave11. Por outro lado, há relatos recentes que indicam que o resultado da embolização em úteros grandes semelhantes aos de úteros de tamanho convencional12.
O objetivo do presente estudo foi analisar o resultado da EMUT para o tratamento de miomas volumosos (volume superior a 1.000 cm3), no que se refere tanto à melhora dos sintomas quanto à redução volumétrica do útero e às suas complicações.
Métodos
O presente estudo prospectivo foi realizado no Setor de Radiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein como parte de seu programa de Responsabilidade Social e faz parte de projeto de pesquisa aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa.
Todas as pacientes foram encaminhadas pelo Setor de Cirurgia Endovascular da Disciplina de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. As pacientes do estudo foram incluídas no protocolo de tratamento segundo critérios estabelecidos pelo serviço de ginecologia anteriormente citado, que foram: sintomatologia pélvica compatível com miomatose uterina - dor pélvica crônica, metrorragia, dismenorreia - com indicação de tratamento invasivo, estudo ultrassonográfico transvaginal com diagnóstico de miomatose uterina, desejo de gravidez futura (quando a opção restante é a histerectomia), e concordância, por escrito, com o termo de consentimento livre e esclarecido e com o Protocolo de Pesquisa, autorizado pela Comissão de Ética em Pesquisa do hospital.
Os critérios de exclusão foram: pacientes menores de 18 anos de idade; presença de miomas submucosos ou subserosos pedunculados isolados (em que o tratamento cirúrgico ou histeroscópico apresentaria melhor resultado), coagulopatia (plaquetas <100.000/µl, INR >1,5 ou TTPA >45 segundos), anemia moderada e grave (Hb <9,0 g/dL, Ht <25%), desejo de ser submetida à histerectomia, neoplasias ou hiperplasias endometriais, malignidade em outros órgãos, gravidez, amamentação, doença inflamatória pélvica aguda, alergia ao contraste iodado, insuficiência renal, desejo de gravidez futura (quando havia opção pela miomectomia), uso concomitante de análogos de GnRH, vasculites ativas e recusa ao tratamento. Depois de indicado o tratamento endovascular, todas as pacientes eram submetidas à ressonância nuclear magnética pélvica com contraste para adequada avaliação dos miomas, quantificação do volume uterino e exclusão de outras doenças.
Todos os procedimentos foram realizados em sala de intervenção vascular com equipamento fixo de hemodinâmica (Integris Allura, Philips Medical Systems). As pacientes foram submetidas a bloqueio epidural e sedação, conforme protocolo institucional. Depois de feito o acesso vascular pela artéria femoral comum direita, uma arteriografia pélvica era realizada para a identificação da anatomia vascular e da hipervascularização dos miomas (Figura 1A). Em seguida, era realizado o cateterismo da artéria ilíaca comum esquerda, seguido do cateterismo superseletivo da artéria uterina por meio de microcateter (Progreat, Terumo). A infusão do agente embolizante diluído em contraste iodado foi realizada de maneira intermitente até ser observada uma significativa redução na velocidade do fluxo do contraste na artéria uterina ou que o mesmo fosse interrompido (end-point). Consideramos como significativa uma redução do fluxo arterial em que a coluna de contraste fique retida num determinado segmento do vaso sanguíneo por mais de cinco batimentos cardíacos consecutivos. Utilizamos microesferas graduadas de gelatina (BeadBlock, Biocompatibles; Embospheres, Biosphere Medical) como agentes embolizantes, com diâmetros de 500-700 µm a 700-900 µm8. O procedimento de cateterismo e embolização foi repetido na artéria ilíaca interna direita e uterina direita pelo mesmo acesso femoral. Caso não fosse observada redução do fluxo pelas artérias uterinas após a infusão de oito seringas de partículas em cada lado, a embolização era interrompida. Essa estratégia foi definida empiricamente como medida de evitar a embolização em um único momento de uma grande massa uterina, reduzindo as chances de síndrome pós-embolização. Ao fim da embolização, nova arteriografia pélvica era realizada para documentar o sucesso do tratamento e possível irrigação dos miomas pela artéria ovariana (Figura 1B)13. Ao término do procedimento, o acesso pela artéria femoral era retirado e a mesma era comprimida por 15 minutos. O sucesso técnico do procedimento foi definido como adequado cateterismo de cada artéria uterina e injeção do agente embolizante até o end-point definido.
As pacientes permaneciam internadas para controle da dor, inicialmente com bomba de PCA (analgesia controlada pelo paciente) por dois a três dias e, posteriormente, com analgesia oral, e então eram acompanhadas em regime ambulatorial em intervalos regulares. As pacientes eram submetidas à RNM de controle com contraste seis meses após o procedimento. O grau de satisfação e a ocorrência de complicações foram avaliados através de consulta ambulatorial de seis meses a um ano após o procedimento.
Resultados
Cento e trinta e oito pacientes foram submetidas a procedimento de EMUT em um período de 25 meses. Vinte e seis eram portadores de miomas com volume uterino superior a 1.000 cm3 e foram tratadas no período de Março de 2009 a Junho de 2010. A média etária das pacientes foi 36,5 anos (27 a 45 anos), sendo 57,7% brancas, 23,1% negras e 19,2% pardas. Vinte e duas pacientes eram nuligestas, uma secundigesta e três primigestas (uma das quais possuía antecedentes de três abortamentos).
O sucesso técnico foi de 100% e não houve complicação relacionada aos procedimentos. A duração média dos exames foi de 85,8 minutos, com um tempo de fluoroscopia médio de 32,7 minutos. Foi utilizada uma média de 9,2 seringas de microesferas por paciente (mínimo de cinco e máximo de 21). Até o momento, apenas quinze mulheres foram submetidas à RNM de controle seis meses após a embolização (Figura 2). A média de volume uterino dessas quinze pacientes foi de 1401 cm3 (min. 1045 cm3, máx. 2137 cm3) antes da embolização e após 6 meses, foi de 799 cm3 (min. 525 cm3, máx. 1604cm3), constituindo uma redução média de 42,9% (Tabela 1). O número de nódulos miomatosos presentes em cada paciente variou de 1 a 11, com uma média de 4,6.
A melhora clínica foi constatada em 25 das 26 pacientes. Uma paciente (caso 6) apresentou parturição parcial do mioma dois meses após o procedimento e necessitou ser submetida à miomectomia devido a processo infeccioso e necrose. Esta paciente evoluiu com importante melhora clínica e redução do volume uterino de 1.098 cm3 para 71 cm3. Este valor não foi acrescentado à análise estatística. Outra paciente (caso 2) necessitou de miomectomia pós-embolização, pois, apesar de apresentar redução do volume uterino (pré: 1045 cm3, pós: 847 cm3, redução de 19%), a exérese cirúrgica dos nódulos foi necessária para seu futuro reprodutivo. Uma paciente com volume uterino de 2.201 cm3 excedeu o número limite de seringas do agente embolizante para cada artéria uterina e necessitou de uma segunda sessão de embolização para alcançar um resultado angiográfico adequado. Nenhuma paciente foi submetida à histerectomia em todo o período de acompanhamento.
Das nove pacientes, oito referiram estar satisfeitas com os resultados no acompanhamento ambulatório, apresentando melhora tanto da dismenorreia como da hipermenorragia. A única paciente que referiu não estar satisfeita era a única que não tinha sintomas de sangramento e sim aumento do volume abdominal e sensação de peso no abdome, que apresentou melhora parcial após o procedimento.
Discussão
A embolização do mioma uterino, como procedimento minimamente invasivo, tem recebido atenção crescente nos últimos anos. Muitas pacientes apreciam o fato de poder diminuir ou eliminar os sintomas, reduzir o volume uterino e, ao mesmo tempo, preservar o útero e a fertilidade, com um tempo de recuperação menor14,15. Entretanto, nos caso de miomas volumosos, o tratamento através da embolização sempre foi contraindicado por se considerar que há um alto índice de complicações e resultados ineficazes a longo prazo, com maior recorrência11,16.
Katsumori et al.17 demonstraram não haver diferença nos resultados da embolização em um subgrupo de 47 pacientes com nódulos maiores de 10 cm de diâmetro, quando comparadas ao conjunto de 152 pacientes incluídas no estudo. Outros trabalhos tiveram resultados semelhantes, mesmo que analisando diferentes volumes uterinos e diferentes tempos de acompanhamento12,18,19. Nenhum desses trabalhos relatou complicações graves. Nossa casuística demonstrou um resultado encorajador, com melhora clínica em 96% das pacientes tratadas, redução volumétrica de 42,9%, necessidade de intervenção cirúrgica em uma paciente e nenhuma complicação grave.
Em pacientes que apresentam sintomas compressivos predominantes e aceitam ser submetidas à miomectomia, a embolização pode ser considerada como tratamento adjuvante associado à mínima perda sanguínea e ao aumento da possibilidade de preservação uterina20-22. Apesar da resolução dos sintomas hemorrágicos com a embolização isolada, as pacientes portadoras de miomas gigantes geralmente apresentam queixas de dor pélvica. Acreditamos que o tratamento mais efetivo para esses sintomas seja o tratamento combinado.
Um dos pontos falhos do nosso trabalho é a pequena casuística, apenas 15 pacientes com seguimento de 6 meses ou mais. A expectativa é que os resultados finais de redução volumétrica e de controle dos sintomas não sejam diferentes dos obtidos neste trabalho, visto que os mesmos já são concordantes com os da literatura. Além disso, a análise da melhora dos sintomas foi qualitativa e não quantitativa, além de não ter sido realizada através de questionário padronizado de qualidade de vida. Nenhuma de nossas pacientes com desejo de manter a fertilidade efetivamente engravidou, o que não permite obter conclusões acerca da efetividade do método nas pacientes com mioma volumoso.
Durante o procedimento, o momento de interrupção da infusão das microesferas se dá assim que observamos a estagnação do fluxo através de cada artéria uterina. Devido ao maior leito vascular existente nestes miomas volumosos quando comparados ao restante dos casos usualmente tratados, é necessário o emprego de uma quantidade maior de microesferas, o que gera um aumento significativo nos custos do procedimento. Esse custo deve ser levado em conta na hora de escolher entre a embolização e tratamento cirúrgico.
Podemos concluir que, apesar dos custos elevados, o tratamento dos miomas volumosos através da EMUT das artérias uterinas é factível, com resultados comparáveis com os da literatura, e deve ser considerado como opção terapêutica nas pacientes que desejam a preservação uterina ou como medida adjuvante à miomectomia de alto risco.
Agradecimentos
A Juliana Carvalho de Campos, por seu inestimável auxílio no acompanhamento e organização dos dados clínicos e radiológicos.
Recebido 04/10/2010
Aceito com modificações 08/11/2010
Departamento de Radiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE; Disciplina de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.