DOI: 10.1590/S0100-72032010000200007 - volume 32 - Fevereiro 2010
Helene Nara Henriques, Natérsia Rosa Câmara, Ana Carolina Bergmann de Carvalho, José Augusto Soares Pantaleão, Maria Angélica Guzmán-Silva
Introdução
Em mulheres na pós-menopausa observa-se um declínio das capacidades funcionais do organismo. Isso ocorre já que a privação dos hormônios ovarianos acarreta diversos distúrbios endócrinos e funcionais, dentre eles o aumento da gordura corporal e a diminuição do metabolismo basal, o que ocasiona maior ganho ponderal1.
O ganho ponderal na menopausa mostra-se significativamente associado a aumentos na pressão sanguínea e nos níveis de colesterol total, LDL e triglicerídeos2. Portanto, o ganho de peso corporal está relacionado ao aumento do risco de doença coronariana neste período2,3. Os esforços para perder peso ou evitar o ganho de peso nessa fase da vida da mulher podem contribuir para atenuar o agravamento dos fatores de risco de doença cardíaca coronariana em mulheres de meia-idade2.
A terapia de reposição hormonal (TRH) é comumente prescrita para o tratamento de sintomas da menopausa. No entanto, muitas mulheres se preocupam com a utilização da TRH por acreditarem que este tratamento resultará em ganho de peso corporal. Estudos sugerem que a TRH com estrogênio isolado ou combinado com progesterona não resulta em nenhum efeito sobre o peso corporal, indicando que estes regimes não provocam ganho extra de peso, além do que normalmente ocorre devido à menopausa4.
A tibolona é um composto tecido-seletivo que tem efeitos favoráveis no osso, na vagina, em sintomas do climatério, no humor e bem-estar sexual das mulheres na pós-menopausa, porém não causa estimulação estrogênica no endométrio e na mama5. O uso de tibolona por mulheres na menopausa parece ocasionar diminuição da gordura corporal, quando comparada a mulheres sem uso de TRH. Por isso, a tibolona pode ser considerada como uma alternativa a TRH convencional em mulheres pós-menopáusicas6. Há evidências de que há variação no peso corporal em ratas e dose-dependente ao se administrar estrogênio7-9. O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito do uso prolongado de alta dose de tibolona na variação ponderal e no perfil lipídico de ratas ooforectomizadas.
Métodos
Foram utilizadas 15 ratas Wistar, fêmeas, com idade de oito semanas e peso médio de 250 g, obtidas do Laboratório de Nutrição Experimental (LABNE) do Departamento de Nutrição e Dietética da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Durante o experimento, os animais foram mantidos no biotério do LABNE-UFF em gaiolas individuais de propileno, com leito de maravalha esterilizada, em ambiente com temperatura constante (24±2º C) e iluminação adequada (ciclos claros e escuros de 12/12 horas). Estes receberam água filtrada e ração para ratos (FRI-LAB Ratos II, FRI-Ribe) fornecidas ad libitum.
Em todas as ratas foi realizada ooforectomia bilateral, a qual seguiu as normas de vivissecção de animais descritas pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), sob a lei nº 6638, de 8 de maio de 1979. O ensaio biológico foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da UFF. A anestesia foi intramuscular com quetamina (100 mg/kg) e xilazina (20 mg/kg)10. Após a cirurgia, as ratas ficaram 30 dias sem medicação, recebendo somente ração e água ad libitum para os níveis dos hormônios sexuais reduzirem e os animais entrarem em menopausa cirúrgica11. Foi constatada a menopausa mediante citologia vaginal, os animais foram sorteados e divididos aleatoriamente em dois grupos, constituindo o Grupo Experimental (n=9) e o Grupo Controle (n=6). Cada grupo recebeu seu respectivo tratamento por 20 semanas consecutivas. Os tratamentos foram efetuados por gavagem. O Grupo Experimental recebeu, diariamente, 0,5 mL de solução de tibolona a 0,2% em carboximetilcelulose (CMC) a 0,5%, resultando em dose diária de 1 mg. O Grupo Controle recebeu, diariamente, igual volume de solução de CMC a 0,5%. O quadro clínico dos animais foi acompanhado todos os dias, observando a ocorrência de alterações gastrintestinais, como diarreia. Não houve perda de animais durante o experimento; animais que não entraram em menopausa cirúrgica foram excluídos do estudo antes do início da administração de tibolona.
Os pesos das ratas foram aferidos semanalmente para verificar a evolução ponderal, e o consumo de ração individual foi medido a cada três a quatro dias ao longo do experimento, estabelecendo o consumo médio por dia.
Ao final do experimento as ratas foram novamente anestesiadas com quetamina e xilazina e amostras de sangue foram coletadas por punção cardíaca. Em seguida, os animais foram sacrificados mediante deslocamento cervical. Todos os animais foram submetidos à necropsia completa e à análise macroscópica e microscópica. O soro foi obtido por centrifugação do sangue a 2.500 rpm por 15 minutos. O perfil lipídico foi definido pelas dosagens de colesterol total; HDL-c, LDL-c, VLDL-c e triglicerídeos foram realizados por meio do método de espectrofotometria. O aparelho utilizado para todas as determinações automatizadas acima descritas foi o DADE Dimension®AR/Clinical Chemistry System (DADE International Inc. / DADE Behring Inc., Newark, DE - USA). Os kits usados foram fornecidos pela DADE Chemistry System Inc. (DADE Behring Inc., Newark, DE - USA).
Os resultados obtidos do consumo de ração, peso corporal e dosagens bioquímicas foram expressos como média e desvio padrão e foram avaliados mediante análise estatística com o teste t de Student e nível de significância estabelecido em p<0,05.
Resultados
Nenhum animal apresentou quadro de diarreia e não houve perda de animais durante o experimento. As avaliações morfológicas - macro e microscópica - de fígado, rins e coração não revelaram qualquer alteração nestes órgãos.
Foi verificado menor consumo de ração no Grupo Tibolona quando comparado ao Controle. Tal diferença mostrou-se significativa (p<0,001). A Figura 1 apresenta o valor médio do consumo diário de ração em ambos os grupos.
A Figura 2 mostra a variação do peso corporal ao longo do experimento. Na primeira semana de tratamento houve diminuição do peso corporal em ambos os grupos. Já na segunda semana, o Grupo Controle apresentou aumento de peso corporal, enquanto as ratas do Grupo Tibolona permaneceram perdendo peso. O Grupo Controle apresentou, portanto, valores de peso corporal superiores ao Grupo Tibolona, com diferença estatística significativa (p<0,001). Pode-se notar que, ao final do experimento, as ratas do Grupo Tibolona apresentaram peso inferior àquele observado por este grupo no início do experimento (214,1 versus 252,4 g). Entretanto, o Grupo Controle apresentou peso corporal final superior quando comparado com o início do experimento (252,7 versus 236,9 g). Com relação à média do peso corporal, o Grupo Tibolona também apresentou menor média final em relação ao Grupo Controle (215,7±9,3 g versus243,7±6,4 g).
O Grupo Tibolona apresentou valor de colesterol total inferior (p<0,001) quando comparado ao Grupo Controle (30,3 versus 78,6 mg/dL). O Grupo Tibolona também apresentou valor de HDL-c inferior com relação ao Controle (9,0 versus 52,0 mg/dL), mostrando diferença significativa (p<0,001). LDL-c, triglicerídeos e VLDL-c foram similares entre os grupos. Porém, o Grupo Tibolona apresentou valor numérico mais elevado de triglicerídeos em comparação com o Grupo Controle. O mesmo foi observado com relação aos valores de LDL-c e VLDL-c, como pode ser observado na Tabela 1.
Discussão
O presente estudo utilizou alta dose de tibolona durante tempo prolongado. Os estudos sobre o uso da tibolona em mulheres na pós-menopausa variam de três dias12 a seis semanas13. Neste experimento, o tempo de tratamento foi de 150 dias, o que, extrapolando para mulheres, corresponderia a aproximadamente 11,5 anos, já que cada dia de vida do rato corresponde a cerca de 30 dias de vida humana14. A dose empregada foi alta quando comparada à dose habitual usada por mulheres (2,5 mg), uma vez que, pelo cálculo alométrico15, ela equivale a 0,161 mg/kg na rata; foi utilizado 1 mg/animal com peso médio de 200 g16.
Os estudos relacionando o ganho de peso corporal à privação hormonal devido à menopausa são contraditórios. Tal conflito ocorre, já que diversos fatores parecem estar envolvidos no acréscimo de peso nessa fase da vida da mulher, dentre eles a ação direta da privação hormonal, as alterações de humor, a depressão, o sedentarismo, os hábitos alimentares inadequados e a hereditariedade. No presente estudo, animais da mesma idade e de peso inicial semelhante foram utilizados, sendo a alimentação controlada e idêntica para todos. Assim, procurou-se eliminar as possíveis interferências para que o peso corporal e o perfil lipídico dos animais sofressem alterações somente devido à ação da tibolona. Durante a primeira semana de experimento, em ambos os grupos, todas as ratas apresentaram redução do peso corporal. Tal fato provavelmente ocorreu pelo estresse sofrido pelos animais devido à contenção e intubação esofagiana para administração das respectivas substâncias. Porém, na segunda semana houve ganho ponderal nas ratas do Grupo Controle, o que não ocorreu nas ratas do Grupo Tibolona, que por sua vez, permaneceram perdendo peso.
Estudos realizados em ratas demonstram que a ooforectomia é responsável pelo aumento do peso corporal17,18. Tal efeito pode ocorrer devido ao aumento do ganho de energia e da eficiência energética, consequente ao aumento na ingestão de comida, sem ser compensado por uma elevação proporcional no gasto energético19. Por outro lado, estudos realizados em ratas tratadas com estrógenos demonstram que ocorre decréscimo no peso corporal destes animais17-21. Além disso, muitos trabalhos apontam que a redução do peso corporal é dependente da dose hormonal utilizada, ocorrendo maior redução de peso, quanto maior a dose empregada7-9. A tibolona também parece exercer este efeito dose-dependente no peso corporal, já que em estudo efetuado em ratas Wistar tratadas com tibolona durante quatro semanas, observou-se um decréscimo dose-dependente no peso corporal destes animais, igualando o efeito obtido com 17 α-etinil-estradiol7. A redução do peso corporal em ratas tratadas com hormônios esteroides parece estar associada a um menor consumo de ração por estes animais, além do maior gasto energético atribuído à ação estrogênica20. Além disso, foi observado que o tratamento de reposição hormonal com progesterona não reverte o efeito da ooforectomia no balanço energético19. Tais resultados são corroborados por este trabalho, o qual mostra que a tibolona causa diminuição no peso corporal de ratas ooforectomizadas, o que pode ser explicado em parte por sua ação estrogênica e, principalmente, pelo menor consumo de alimento.
O uso de tamoxifeno e raloxifeno também parece exercer efeitos sobre o ganho de peso corporal, agindo como agonistas do receptor de estrogênio. Em estudo realizado com ratas ooforectomizadas, foi observada redução significativa do peso corporal de ratas tratadas com qualquer uma dessas duas drogas em comparação com as tratadas com estradiol e as ratas controle. O tratamento com estradiol também determinou menor ganho de peso corporal quando comparado ao Grupo Controle. A diminuição de peso corporal de animais tratados com raloxifeno e tamoxifeno pode estar associada ao menor consumo de ração22.
O papel de receptores de estrogênio na regulação da massa corporal já é comprovado. Um estudo utilizando camundongos knockout para receptor de estrogênio α demonstrou que as fêmeas apresentam um aumento de tecido adiposo e, consequentemente, obesidade. Portanto, pode-se concluir que o receptor de estrogênio α, ativado pelo estradiol, tem um papel inibitório crucial no desenvolvimento do tecido adiposo. Tais achados sugerem que o aumento do tecido adiposo durante a menopausa, devido à deficiência estrogênica, e sua diminuição após TRH, se devem principalmente à ativação do receptor α de estrógeno23.
Os níveis de leptina também parecem exercer um papel crucial no peso corporal. Em estudo realizado com ratas Wistar ooforectomizadas utilizando 17 β estradiol, observou-se que o peso corporal foi significativamente menor nos grupos tratados com hormônio em relação ao Grupo Controle. Os níveis de leptina foram medidos e foi obtida maior concentração nos animais tratados. Tais resultados demonstram a importante correlação entre os níveis de leptina e de 17 β estradiol. A menor concentração de leptina presente nos animais ooforectomizados pode ser a responsável pelo aumento de peso corporal, devido à diminuição do apetite e do menor gasto de energia21.
No presente estudo, os animais não sofreram alterações gastrintestinais - diarreia - durante o experimento, entretanto houve menor consumo de ração nas ratas tratadas com tibolona. Portanto, o mecanismo de perda de peso parece estar relacionado ao menor consumo de ração por parte destes animais e a um possível maior gasto de energia. Estas duas alterações, por sua vez, podem ser relacionadas à ação da tibolona via receptor de estrogênio, o que aumenta os níveis de leptina e leva à redução do peso corporal. Novos estudos deverão ser realizados buscando entender melhor a ação da leptina na perda de peso corporal em ratas tratadas com tibolona.
Em animais ooforectomizados parece ocorrer um aumento do colesterol total, LDL e HDL quando comparados a animais não-ooforectomizados. A administração de estrogênio, por sua vez, leva a uma redução dos níveis de colesterol total e LDL, sendo tal redução dependente da dose utilizada. A administração de alta dose de estrogênio às ratas ooforectomizadas ocasiona um aumento significativo dos níveis de triglicerídeos9.
Os resultados de um estudo realizado em ratas ooforectomizadas e tratadas com isoflavona sugerem que a ooforectomia conduz à redução significativa dos níveis de HDL-c e o tratamento com isoflavona restabelece a concentração de HDL-c a níveis similares aos animais controle. Estes resultados indicam que as isoflavonas apresentam efeito positivo no perfil lipídico de ratas castradas24. No presente estudo, a tibolona causou redução significativa da concentração de colesterol total em comparação ao Grupo Controle, provavelmente relacionada à diminuição, também significativa, na dosagem de HDL-c.
A doença arterial coronariana é um dos principais fatores de mortalidade entre mulheres na pós-menopausa. A deficiência de estrogênio nesta etapa da vida da mulher tem consequências tanto metabólicas quanto vasculares, aumentando o risco de doença coronariana. A TRH tem sido descrita como terapia com possível efeito benéfico sobre os fatores que influenciam a doença coronariana25. Assim, é de suma importância conhecer as ações que a tibolona exerce sobre o peso corporal, e o perfil lipídico de suas usuárias para que se possam evitar danos futuros ao sistema cardiovascular.
Concluindo, o uso prolongado de alta dose de tibolona leva à diminuição do peso corporal de ratas ooforectomizadas, devido ao menor consumo de ração por esses animais. Além disso, a tibolona altera o perfil lipídico com diminuição de HDL-c, levando à redução do colesterol total.
Agradecimentos
À Farmácia de Manipulação OFFICILAB pela doação da tibolona e ao LABNE da Universidade Federal Fluminense (UFF) pelo apoio institucional.
Recebido 7/7/09
Aceito com modificações 22/1/10
Departamento de Patologia da Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil.
Os autores declaram que não há conflito de interesse.