DOI: 10.1590/S0100-72032010001200006 - volume 32 - Dezembro 2010
Eliel de Souza, Leonardo Ferreira Nobre de Souza, Milena da Costa Batista, Julieta Alice Morena Rodrigues, Isabelle Braz de Oliveira Silva, Hélio Humberto Angotti Carrara, Técia Maria de Oliveira Maranhão
Introdução
Na avaliação inicial dos nódulos mamários sólidos palpáveis ou nas lesões não-palpáveis com algum grau de suspeita, é necessário realizar uma biópsia para estudo histopatológico. Havendo diagnóstico de câncer, deve-se acrescentar o estudo imuno-histoquímico para determinação da expressão da proteína receptora tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2), e avaliar a expressão dos receptores de estrógeno (RE) e de progesterona (RP) nas amostras1, principalmente se houver indicação de tratamento neoadjuvante.
Os principais equipamentos existentes para biópsia mamária possuem sistemas automáticos ou semiautomáticos, com agulha grossa ou cânula rotativa para colher as amostras2,3. No Brasil, o alto custo dessas novas tecnologias parece limitar a sua utilização em serviços de Mastologia4. Em vários países, a core biopsy (CB) com agulha de 14 G é preferível para a realização dessas biópsias5,6-15, apesar de apresentar algumas limitações como: menor eficácia para predizer invasão16, não definir o diagnóstico de lesões compostas de tipos histológicos diferentes associados17,18 e ter a eficácia reduzida na coleta de fragmentos de nódulos menores que 10 mm de diâmetro19-22.
Considerando a necessidade de se aumentar a quantidade de tecido coletado nas amostras para garantir a alta acurácia das biópsias, neste estudo experimental, avaliou-se comparativamente o desempenho de uma nova técnica de biópsia mamária23.
Métodos
Este estudo experimental foi desenvolvido em conformidade com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUOL-UFRN), sob registro nº 095/97 de 2007, com aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido.
As 762 pacientes com câncer mamário, atendidas de fevereiro de 2008 a abril de 2010, foram escolhidas de maneira prospectiva e aleatoriamente. Em uma amostra de 30 mulheres com tumor palpável submetidas à mastectomia, foram excluídas as que tinham tumor de consistência pétrea, não-palpável, com manipulação cirúrgica prévia ou composto de líquido. O equipamento de CB utilizado neste estudo constou de uma pistola tipo Pro-Mag 1.2 Manan, com agulha de 14 G que já tem uso definido em Mastologia5,24. O kit da biopsia helicoide (BH) consta dos componentes mostrados na Figura 1, que são acoplados a um micromotor elétrico com rotação ajustável de uso odontológico (caneta odontológica), modelo GRD804 Belte 350 x 270 LB100.
Após a mastectomia, no centro cirúrgico, utilizando-se um dos equipamentos de cada vez, colheu-se um fragmento de região sadia da mama e, subsequentemente, outro fragmento do tumor em cada peça cirúrgica, obedecendo-se o seguinte processo: incisão de 3,0 mm com lâmina de bisturi n.º 11 na pele da mama. Na CB, seguiu-se a técnica já estabelecida25, na qual uma agulha grossa envolta por uma cânula e acoplada a uma pistola é introduzida na mama. A amostra da lesão é coletada numa chanfradura da ponta da agulha após o disparo de um mecanismo, o qual projeta a ponta da agulha e da cânula para dentro da lesão, resultando no corte do fragmento.
Para realizar a BH, inicialmente, introduz-se a cânula de 11 G (componente um, Figura 1) pela incisão cutânea, em seguida introduz-se a haste helicoide de 16 G, (componente dois, Figura 1) pela luz da cânula de 11 G com movimento rotatório manual para a direita, avançando-a até que ocorra a fixação do fragmento em sua ponta helicoide. Feito isto, passa-se a cânula coletora, (componente três, Figura 1) acoplada ao micromotor desligado, por dentro da cânula de proteção e englobando a haste helicoide.
Ao ligar-se o micromotor, com aproximadamente 200 RPM, promove-se o avanço da cânula coletora sobre o tecido preso à ponta da haste helicoide, cortando-se uma amostra cilíndrica no seu entorno, ficando o conjunto (haste de fixação e fragmento) alojado na luz da cânula coletora. Nos tumores endurecidos, aumenta-se a rotação do micromotor até que a cânula coletora corte o fragmento. Isto aconteceu em dois casos exclusos do estudo, pois só a BH pode colher fragmentos. A seguir, desliga-se o micromotor e recua-se a cânula coletora contendo a haste helicoide e o fragmento, desconectando-a do micromotor. Passa-se o mandril pela luz da cânula coletora, impelindo a haste de fixação e o fragmento fixo à sua ponta, eliminando-o na extremidade cortante da cânula coletora. Depois de ser constatada a boa qualidade do fragmento, recolhe-se a cânula de proteção da mama encerrando-se o procedimento no tempo máximo de dez minutos, caso contrário repete-se o processo.
Cada fragmento colhido foi colocado sobre papel de filtro para mensuração, sendo depois inserido em um frasco com peso padronizado contendo solução de formol neutro a 10% para fixação. Logo, o frasco foi pesado por três vezes em balança analítica de cinco dígitos aferida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). A média dos pesos de cada fragmento foi obtida por diferença simples, segundo a fórmula: P1 P0= PF ( P0=peso do frasco contendo formol e o papel de filtro, sem o fragmento; P1=peso do frasco contendo formol e o fragmento com o papel de filtro; PF=peso do fragmento).
As amostras foram codificadas e encaminhadas ao laboratório de patologia em tempo diferente daquele do envio das respectivas peças cirúrgicas, onde receberam processamento habitual, sendo embebidas em parafina, cortadas e coradas pela técnica de hematoxilina-eosina para estudo histológico em microscópio óptico, por um mesmo patologista familiarizado com as doenças mamárias.
Na análise dos resultados, considerou-se um nível de significância de 0,05 (5%) e utilizou-se o software estatístico SPSS, versão 13, e o Excel. O teste de concordância de Kappa foi utilizado para fazer comparações entre os resultados dos exames histopatológicos dos tumores em relação aos fragmentos de biópsias (CB e BH). Por meio do teste paramétrico t de Student, foi avaliada a diferença quanto ao peso e comprimento dos fragmentos das biópsias (BH e Core). A ferramenta estatística box-plot foi utilizada para avaliar a dispersão dos pesos e dos comprimentos dos fragmentos.
Resultados
As pacientes deste estudo tinham diagnóstico prévio de câncer de mama obtido em fragmentos de biópsia por agulha grossa e classificado pela UICC26. A média das idades das pacientes foi de 51,6 anos, tendo a mais jovem 34 anos e a mais idosa, 77. Seis pacientes (20%) tinham menos de 40 anos de idade. A mama direita foi a mais acometida, com 20 casos (66,7%). A média das medidas dos diâmetros dos tumores foi de 37,9 mm, tendo uma variação de 13 a 120 mm. Uma paciente tinha doença em estádio clínico I; três em estádio clínico IIA (T2N0M0) e uma em estádio clínico (TisN0M0) com tumor palpável. Vinte e cinco pacientes (83,3%) tinham doença em estádios clínicos avançados (IIB, IIIA, IIIB, IIIC e IV).
Entre os tumores, o carcinoma ductal infiltrante (CDI) puro foi a neoplasia mais frequente, sendo diagnosticada em 13 casos (43,3%). Das lesões com histologia mista, o CDI associado a focos microscópicos esparsos de carcinoma ductal in situ (CDI) foi diagnosticado em dez casos (33,3%). Considerando-se isoladamente o componente infiltrante dos tumores, o CDI teve incidência de 26 casos (86,6%). Outros tipos de tumores ocorreram em sete casos (23,3%).
A comparação entre os dois equipamentos feita com a aplicação do teste t de Student para amostras pareadas demonstrou que, utilizando-se a BH, foram coletados fragmentos significativamente mais pesados e com maior comprimento do que com a CB. Em áreas sãs, os fragmentos da BH mediram em média 2,2 mm a mais de comprimento e pesaram em média 14,2 mg a mais, e nos tumores, mediram em média 10,3 mm a mais de comprimento e pesaram em média 23,1 mg a mais. Nas áreas de tumor, foram obtidos fragmentos mais pesados do que nas áreas sãs, utilizando-se ambos os equipamentos. A distribuição do peso e do comprimento dos fragmentos obtidos pelos equipamentos nas áreas sãs e nos tumores estão demonstrados nas Figuras 2 e 3.
Comparando-se a histologia dos fragmentos da BH em relação ao exame histopatológico dos tumores, considerando-se isoladamente os componentes infiltrantes e em um caso, o diagnóstico de carcinoma ductal in situ de alto grau com extensão lobular, houve concordância diagnóstica em 29 casos (96,6%), havendo um resultado falso-negativo (3,3%). Em uma comparação similar feita com a CB, houve concordância diagnóstica em 27 casos (90%), dois resultados falsos-negativos e um caso de discordância diagnóstica em relação à histologia de um tumor com componente CDI associado ao CDI com carcinoma coloide, no qual o fragmento da CB acusou apenas a presença de componente in situ.
Na análise comparativa da histologia dos fragmentos da CB e da BH entre si, houve concordância diagnóstica em 26 casos (86,6%). Os quatro resultados discordantes foram dois falso-negativos da core (6,6%), um caso falso-negativo da BH e um caso em que a histologia do fragmento da CB apresentou diagnóstico de lesão in situ e o fragmento da BH revelou componentes infiltrantes mistos.
Comparando-se a histologia dos fragmentos da CB em relação aos tumores, ao considerar isoladamente o componente infiltrante, foi constatado que a estatística K (Kappa) foi de 0,93 com p<0,05, havendo concordância entre os resultados com sensibilidade de 93,3% e acurácia de 96,7%. Essa mesma análise feita em relação aos fragmentos colhidos pela BH constatou que a estatística K foi de 0,97 com p<0,05, a sensibilidade foi de 96,7 e a acurácia de 98,3% em ambas as situações, considerando-se os valores de Kappa segundo Landis e Koch27. Neste estudo, não houve resultados falso-positivos nem amostras consideradas insuficientes para o diagnóstico.
Discussão
Há várias indicações que permitem atribuir a interferência do volume da amostra de biópsia no resultado do exame histopatológico de lesões mamárias24,28-32. Neste estudo, coletou-se apenas um fragmento nas biópsias, constatando-se que este número foi suficiente para definir de forma significativa os diagnósticos. Isto ficou demonstrado principalmente quando se utilizou a BH, obtendo-se fragmentos com maior comprimento e mais pesados, havendo concordância diagnóstica entre a histologia dos fragmentos e dos tumores em 98,3%. Entretanto, é preciso considerar que ao utilizar ambos os equipamentos (BH e CB), houve resultados falso-negativos e discordância diagnóstica, os quais indicam a necessidade de se colher mais de um fragmento em biópsias de lesões mamárias palpáveis.
No exame histológico dos fragmentos coletados por ambos os equipamentos, os diagnósticos obtidos tiveram concordância significativa e, ao contrário do que é citado na literatura a respeito da subestimação diagnóstica de componentes infiltrantes nas biópsias por agulha grossa33-35, neste estudo, a subestimação ocorreu em relação aos focos microscópicos de carcinoma in situ peritumorais ou esparsos, nos casos em que o CDI estava associado ao mesmo. Tal ocorrência, entretanto, não parece ter grandes implicações clínicas, visto que a lesão principal era o CDI que foi diagnosticado, e que a subestimação ocorrida não teria implicações na estratégia terapêutica.
Do ponto de vista operacional, a BH se mostrou um equipamento com boa portabilidade, seguro, confiável e de fácil operacionalização para a coleta de amostras de lesões mamárias em regime ambulatorial.
Conclui-se que a BH mostrou-se eficiente para a realização de biópsia de tumores mamários palpáveis, e que os resultados obtidos justificam o pedido de registro de patente da inovação e o início de um estudo in vivo mais aprofundado com um número amostral maior, incluindo lesões com histologia diversificada e tamanhos diferentes, além das não-palpáveis, para se avaliar a acurácia e os aspectos relacionados ao grau de desconforto e possíveis complicações da utilização da BH, além de outros parâmetros que definam melhor a contribuição do equipamento no diagnóstico pré-operatório das lesões mamárias.
Agradecimentos
Aos diretores do Hospital Universitário Onofre Lopes, da Liga Norte-Riograndense contra o Câncer e à coordenação do Programa de Pós-graduação do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Participação dos autores
Eliel de Souza - Pesquisador responsável pelo estudo.
Leonardo Ferreira de Souza Nobre, Milena da Costa Batista; Julieta Alice Morena Rodrigues e Isabelle Braz de Oliveira Silva - Colaboração no levantamento bibliográfico, tradução de textos, coleta de dados e produção de planilhas.
Hélio Humberto Angotti Carrara - Colaboração na revisão, análise e redação do artigo.
Técia Maria de Oliveira Maranhão - Colaboração como orientadora durante todo o desenvolvimento da pesquisa, revisão, redação e análise do artigo.
Recebido 19/08/10
Aceito com modificações 29/09/10
Ambulatório de Mastologia do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal (RN), Brasil; Ambulatório de Mastologia da Liga Norte-Riograndense Contra o Câncer Natal (RN), Brasil; Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal (RN), Brasil.