DOI: 10.1590/S0100-72032008001200001 - volume 30 - Dezembro 2008
Sebastião Freitas de Medeiros
Correspondência
A assistência diferenciada à paciente climatérica deve ter sustentação no conhecimento das condições que, mais freqüentemente, acometem a mulher após os 40 anos de idade, resultando em maior morbiletalidade e repercutindo negativamente na qualidade de vida ao longo do envelhecimento. Há necessidade de harmonizar a longevidade com o viver bem. Identificar e intervir precocemente nas neoplasias mais prevalentes na mulher (colo do útero, mama, pulmão, colo-retal, endométrio e ovários), na osteoporose, alterações no metabolismo glicídico e lipídico e doenças cardiovasculares (DCV) são pilares na qualidade do atendimento ginecológico à mulher climatérica. Entre mulheres, a DCV é a maior causa de morte após a menopausa1,2. Logo, definir individualmente o escore de risco para doença ateroesclerótica em dez anos (Framingham), incluindo idade acima de 55 anos, história de doença coronariana em parentes de primeiro grau nas mulheres com menos de 65 anos, presença de insuficiência renal, aumento ventricular esquerdo e síndrome metabólica deve ser atribuição diária do médico no exercício da assistência clínica a esta população.
Estudos epidemiológicos são consistentes na assertiva de que estrogênios ou mesmo estrogênios associados a progestogênios estão relacionados à redução na incidência de DCV3,4. Esta associação explicaria tanto a menor prevalência de DCV nas mulheres antes da menopausa como o aumento desta condição após o estabelecimento do hipoestrogenismo5. A plausibilidade biológica do efeito benéfico dos estrogênios sobre o coração e vasos [sujeito 1] e os níveis séricos dos diferentes lipídios [sujeito 2] são robustos. No entanto, estudos clínicos randomizados controlados não confirmaram o benefício esperado sobre as DCV do estrogênio após a menopausa6, divergência atribuida ao viés de a estrogenioterapia ter sido iniciada após longos anos de hipoestrogenismo, quando já existiriam alterações no sistema cardiovascular7.
Configurando fator de risco das DCV, as modificações nocivas nos lipídios são mais acentuadas após a menopausa, podendo ocorrer elevação nos níveis de triglicerídeos (TG≥150 mg/dL), elevações nos níveis de LDL-C (>100 mg/dL) e redução dos níveis de HDL-C (<40 mg/dL) condições sabidamente aterogênicas8,9. Elevação de 1% nos níveis de LDL-C aumenta o risco de DCV em 2%, e diminuição de 1% nos níveis de HDL-C eleva este risco entre 2 e 4,7%10. Seis meses após a menopausa, os níveis de colesterol total (CT), LDL-C e TG elevam-se entre 5 e 10% e, em dois anos, o HDL-C diminui em aproximadamente 6%11.
Por sorte, dentre os maiores fatores de risco para DCV, a dislipidemia é um fator modificável com intervenções precoces. Assim, é clara a recomendação do seguimento dos níveis dos lipídios, tendo-se como meta a manutenção dos níveis de LDL-C abaixo de 100 mg/dL, de HDL-C acima de 60 mg/dL, do CT abaixo de 200 mg/dL e dos triglicerídeos também abaixo de 100 mg/dL12. Em mulheres brasileiras com idade entre 25 e 45 anos, a prevalência de hipercolesterolemia é de aproximadamente 40%, havendo níveis mais elevados com o aumento da idade13. Estudos em que foram examinadas as elevações isoladas de outros lipídios não são disponíveis. Na prática clínica, observa-se aumento no CT, LDL ou TG, ou diminuição do HDL, tanto de forma isolada, como em várias combinações14.
No seu conjunto, as informações mencionadas anteriormente apontam para a relevância da avaliação rotineira dos lipídios na mulher climatérica, principalmente na pós-menopausa. Nesta edição da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Oliveira et al.15 examinam os fatores de risco associados à dislipidemia em mulheres após a menopausa, incluindo 45 casos (média de idade de 52,1 anos) e 39 controles (média de idade de 52,2 anos), atendidas em ambulatório específico do Sistema Único de Saúde (SUS) em Fortaleza, Ceará. Além das variáveis "idade" e "menopausa", outros fatores de risco analisados para dislipidemia e comparados entre casos e controles foram "sedentarismo" e "circunferência abdominal maior que 88 cm". Associação estatisticamente significativa foi encontrada apenas em relação a esta variável antropométrica.
A possibilidade de dislipidemia familiar não foi analisada pelos autores, mas mutações em um ou múltiplos genes podem estar envolvidas no metabolismo lipídico, principalmente na hipercolesterolemia isolada. Os autores não mencionaram a prevalência da dislipidemia em mulheres brasileiras com mais de 45 anos população na faixa etária dos casos e controles estudados. Ausência deste dado limita a estimativa do tamanho da amostra para estudos com este desenho. Mesmo assumindo prevalência de dislipidemia de 40% nos casos e diferença na ordem de 20% entre casos e controles, o tamanho mínimo da amostra seria de pelo menos 78 indivíduos em cada grupo, para erro alfa de 5% e erro beta de 20%16. As afirmativas dos autores de que a dislipidemia no climatério não parece ter relação com alguns fatores determinantes da dislipidemia na população geral e de que a dislipidemia pode ter ocorrido no climatério de modo independente das calorias ingeridas não têm suporte, já que o estudo incluindo um número pequeno de mulheres tem baixo poder. A associação entre razão-cintura-quadril e DCV negada pelos autores foi, na verdade, documentada (OR=2,6; p=0,03), confirmando resultados de estudos mais robustos.
A maior fraqueza do estudo comentado aqui é o pequeno número de indivíduos incluídos nos dois grupos. O impacto do estudo sobre o tema na prática clínica é pequeno, mas destaca bem a necessidade de mais estudos epidemiológicos nessa população, neste tópico, no país. Os autores recomendam acertadamente a verificação dos lipídios na rotina da assistência à mulher pós-menopausa em todas as esferas da atividade médica no país. Há que se desenhar estudos focando a nossa realidade e os nossos costumes. Assim, será possível fazer análise comparativa com outros países e propor medidas corretas aos dirigentes do sistema de Saúde brasileiro. Pela dimensão do impacto da hiperlipidemia na DCV em todo mundo, é importante que qualquer profissional de Saúde tenha conhecimento das recomendações atuais para rastreamento dos lipídios11. Os ginecologistas, em particular, sendo clínicos da mulher, devem garantir que todos os fatores de risco para DCV sejam focados na rotina de suas ações assistencialistas. Na verdade, o ginecologista deve assistir a mulher nesta parte da vida com visão ampla, incluindo tópicos como a educação para atividade física individualizada e regular, educação dietética e, eventualmente, terapia hormonal de acordo com as indicações aceitas atualmente, balanceada com a diminuição gradual da produção ovariana dos esteróides sexuais.
Recebido: 1/12/08
Aceito com modificações:26/12/08