DOI: 10.1590/S0100-72032008001200004 - volume 30 - Dezembro 2008
Cristina Laguna Benetti-Pinto, Luciana Bandeira Nunes Camargo, Luis Alberto Magna, Heraldo Mendes Garmes, Carlos Alberto Petta
Introdução
A ativação prematura do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano (HHO) na ausência de alterações ou lesões do sistema nervoso central determinando o desenvolvimento de caracteres sexuais é diagnosticada como puberdade precoce central idiopática (PPCI)1. A PPCI é responsável por cerca de 95% dos casos de puberdade precoce GnRH dependente em meninas2. Ela está associada ao comprometimento da altura devido à fusão precoce da placa epifisária de crescimento pela prematura exposição a esteróides sexuais.
Desde 1981 o tratamento de escolha da PPCI são os análogos do GnRH (GnRHa), utilizados com o intuito de bloquear o eixo HHO e conter o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, reduzir os danos psicológicos decorrentes das alterações físicas e reduzir a maturação óssea, preservando o potencial de crescimento para obter ganhos na altura na idade adulta2-5. A resposta a este tratamento é cercada de muitas controvérsias, relacionadas à seleção das pacientes, duração e resultado do tratamento no que se refere ao ganho na altura final6-11.
O objetivo deste estudo é avaliar o benefício obtido na altura de meninas tratadas com GnRHa e investigar critérios na seleção das pacientes que indiquem quais poderiam obter maior benefício com o tratamento.
Métodos
Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo que analisou os dados de 33 meninas com PPCI tratadas com GnRHa no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Os critérios de inclusão foram o aparecimento de caracteres sexuais secundários (telarca e/ou pubarca) antes dos oito anos de idade, presença de menarca antes dos dez anos de idade ou resposta puberal (pico de LH>5 UI/L)12 ao teste de estímulo com LHRH.
Os critérios de exclusão foram: presença de antecedente de meningite ou encefalite, lesões do SNC diagnosticadas por tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética, tumores de ovários ou adrenais diagnosticados por ecografia de gônadas e de adrenais e/ou tomografia computadorizada, hiperplasia adrenal congênita diagnosticada por teste de estímulo com ACTH, disfunção da tireóide, portadoras de doenças crônicas e uso de medicamentos que interfiram no amadurecimento do eixo HHO.
O cálculo do tamanho amostral foi baseado na diferença de médias das variáveis idade óssea e avanço da idade óssea antes e após dois anos de tratamento, segundo artigo de Weise et al.13, e por meio do teste t pareado. Assumindo um nível de significância de 5% e um poder do teste de 90%, o tamanho da amostra foi calculado em 24 meninas.
As pacientes foram tratadas com acetato de leuprolida de depósito na dose de 3,75 mg IM a cada 28 dias (±2 dias).
As variáveis analisadas foram idade cronológica (IC); altura real e escore Z (altura aferida em cm); altura predita e escore Z calculados por meio do método de Bayley e Pinneau14, o qual utiliza a idade, altura e idade óssea (IO) obtidas em um mesmo momento para estimar a altura obtida na idade adulta ou também chamada de altura final; IO, avaliada pela radiografia do punho não-dominante e calculada pelo método de Greulich e Pyle15 e avanço na IO, calculado pela diferença entre a IO e IC (IO-IC). Todos estes parâmetros foram avaliados no início e no final do tratamento. Também foram estudadas a idade cronológica no início dos sintomas e o intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e do tratamento. Para a realização das análises, a altura, no momento do diagnóstico, foi avaliada pelo escore Z, uma vez que o valor absoluto da altura estava relacionado a meninas de diferentes idades, não podendo ser avaliado por meio da média.
Só foi possível calcular a média parental de 19 meninas, pelo desconhecimento ou impossibilidade de obter a altura de um dos genitores, razão pela qual esta variável não pode ser considerada na análise dos fatores determinantes.
O benefício ou ganho obtido na estatura foi avaliado pela diferença entre a altura predita calculada ao final do tratamento e aquela calculada no início. Esta diferença reflete quantos centímetros foi possível ganhar com o tratamento. Esta variável (denominada ganho ou benefício com o tratamento) foi correlacionada com as variáveis estudadas e disponíveis no início do tratamento por meio da correlação simples de Pearson e análise multivariada.
Todas as variáveis numéricas utilizadas neste estudo foram testadas quanto à sua distribuição normal, segundo o teste Z de Kolmogorov-Smirnov e nenhuma delas mostrou se desviar significativamente deste tipo de distribuição, com os valores de p variando de 0,124 a 0,996. Desse modo, a comparação das médias dessas variáveis pode ser feita pelo teste t de Student para dados emparelhados. O teste de correlação simples de Pearson e análise de regressão múltipla escalonada também foram utilizados. Em todos os casos a significância estatística foi declarada com valor de p<0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
Resultados
O início do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários ocorreu aos 5,5±1,7 anos. Ao procurar atendimento médico, 14 meninas já haviam apresentado menarca (42%). O teste de estímulo com gonadotrofina foi realizado para as demais, tendo obtido um pico médio de LH de 15,8±9,7 UI/L, caracterizando resposta puberal e, portanto, ativação do eixo HHO.
O tratamento com GnRHa foi iniciado aos 7,8±1,3 anos com intervalo entre o início dos sintomas e o início do tratamento de 2,3±1,1 anos. O tratamento foi realizado por 1,9±1,1 anos.
No início do tratamento, a idade óssea mostrava um avanço em relação à idade cronológica de 2,3±1,1 anos e, ao final do tratamento, o avanço era de 2,0±1,1 anos. A altura predita no início do tratamento era de 157±8,8 cm (escore Z -0,86±1,3) e ao final do tratamento de 160±6,9 cm (escore Z -0,55±1,1), com redução do comprometimento em relação à média da população, visualizado pelo escore Z. As características do grupo tratado nos momentos iniciais e finais da utilização do GnRHa, estão na Tabela 1.
No grupo de 19 meninas, em que foi possível calcular a altura média parental, foi encontrada uma média parental de 156±12 cm, sendo a altura predita inicial de 157±10 cm e a altura predita ao final do tratamento, de 160±7 cm.
Na análise dos resultados das 33 meninas, foi possível verificar melhora na altura predita com o tratamento em 60% das meninas (isto é, altura predita final maior do que a inicial) e nenhum ganho em 40% delas. A média da altura predita inicial foi de 155±10 cm nas meninas em que houve ganho em estatura e de 161±5,6 cm quando nenhum ganho foi obtido. Embora no primeiro grupo a média das alturas preditas tenha sido menor, não foi possível estabelecer uma altura de corte que definisse quais meninas deveriam ser ou não tratadas.
O ganho ou benefício com o tratamento foi correlacionado com todas as variáveis disponíveis no início, tendo sido verificada correlação positiva com duas variáveis: com o tempo decorrido entre o início dos sintomas e o início do tratamento (r=0,545 e p=0,001) e com o avanço da idade óssea em relação à idade cronológica (r=0,476 e p=0,005). O ganho com o tratamento foi correlacionado negativamente com o escore Z da altura real inicial (r=-0,377 e p=0,030) e com a altura predita inicial (r=-0,653 e p<0,0001). A mesma correlação negativa observada para altura predita inicial foi, obviamente, observada para o escore Z da altura predita inicial (r=-0,635 e p<0,000). Assim, a melhora na altura predita se faz na razão direta da demora em iniciar o tratamento, do avanço da idade óssea, na razão inversa da altura predita inicial e do escore Z da altura real inicial (Figura 1, A e B).
Não houve correlação entre a idade no início dos sintomas, idade cronológica no início do tratamento, pico de hormônio luteinizante (LH) e de hormônio folículo estimulante (FSH), presença ou não de menarca e tempo de tratamento com o resultado do tratamento com GnRHa. A correlação entre o ganho com o tratamento e a idade óssea inicial, embora com resultado limítrofe (r=0,34 e p=0,053), também não foi significativa.
Construindo um modelo de análise de regressão múltipla escalonada tendo como variável dependente a diferença da altura predita final e inicial (considerada o benefício ou ganho com o tratamento) e como variáveis independentes as quatro variáveis que apresentaram correlação simples (tempo até o início do tratamento, avanço da idade óssea, altura predita inicial e escore Z da altura real inicial), somente duas das variáveis levaram a um modelo estatisticamente significante, isto é, 51% do benefício do tratamento foi determinado pela conjunção das variáveis altura predita inicial e tempo decorrido até o início do tratamento, sendo a variável mais importante a altura predita inicial (r2=0,427).
Discussão
A comparação da altura predita inicial e final das 33 meninas tratadas com GnRHa mostra que a medicação permitiu um ganho médio de cerca de 2,5±1,3 cm ao final do tratamento, valores semelhantes aos obtidos por outros autores9,10, porém ainda se mantendo com escore Z -0,55±1,1 em relação à população de meninas com puberdade em idade habitual. Este aumento deve ser analisado sob a visão de que, em meninas não-tratadas, a ação persistente do estrógeno sobre a placa de crescimento conduziria à fusão epifisária ainda mais precoce, provavelmente com ainda maior redução da altura final. Durante o tratamento com GnRHa há redução dos níveis estrogênicos e redução na taxa de maturação óssea, e, embora com aumento da altura predita final, não é possível restaurar o potencial de crescimento prévio ao estímulo estrogênico16.
Dentre os fatores com provável interferência na resposta ao tratamento, haveria maior ganho na altura quando o tratamento fosse instituído antes dos seis anos e haveria resultado menos expressivo com o início entre seis e oito anos17,18. Neste estudo, a média da idade no início do tratamento foi de 7,8±1,3 anos, provavelmente reduzindo o benefício a ser obtido.
Outro dado importante a ser ressaltado foi a demora verificada desde o início dos sintomas até que o diagnóstico fosse feito e o tratamento instituído, uma vez que 42% das meninas do grupo de estudo já havia menstruado. À luz destes dados, os resultados deste estudo são de maior importância na discussão de quem deve receber tratamento, mostrando que é possível obter alguma melhora na altura final, não devendo excluí-las do grupo a ser tratado.
O ganho na estatura, observado em 60% das meninas tratadas, foi correlacionado positivamente com o tempo decorrido entre o início dos sintomas e o início do tratamento e com o avanço da idade óssea, e foi correlacionado negativamente à altura predita inicial e ao escore Z da altura real inicial. As meninas que mais se beneficiaram foram as que apresentavam idade óssea mais comprometida, puberdade precoce mais estabelecida, altura mais comprometida em relação à média populacional e, no momento do diagnóstico, predição de altura para a idade adulta menor.
Tais resultados refletem que meninas com a doença mais instalada e com estrógeno atuando há mais tempo na placa de crescimento não devem ser excluídas do grupo a ser tratado. Embora o tratamento tenha oferecido a elas um ganho percentual maior do que o das demais, ele não é capaz de restaurar o potencial de crescimento. Vários autores consideram a idade óssea como um marcador do envelhecimento da placa de crescimento e que, com o avanço, uma redução da velocidade de crescimento pode ser verificada13. Os presentes resultados não são discordantes destes, apenas analisam que ao se instituir o tratamento, o GnRHa reduz o avanço da idade óssea (o avanço da idade óssea foi de 2,3±1,1 e 2,0±1,1 respectivamente no início e final do tratamento), melhorando a estatura final. A correlação positiva entre o ganho em altura e a idade óssea também é relatada por outros autores6,7,10.
Apesar de melhorarem a expectativa de sua altura, estas meninas, ao final do tratamento, ainda se apresentam abaixo da média da população geral (escore Z de 0,86±1,3 e -0,55±1,1 respectivamente no início e final do tratamento). Embora alguns autores3 discutam o tratamento da PPCI apenas para meninas com altura predita final abaixo de 150 a 155 cm, o limite para instaurar tratamento permanece discutível. Neste estudo, embora os dados mostrem correlação negativa entre o benefício na altura e a altura predita inicial (r=-0,653 e p<0,000), mostrando que meninas com menor altura predita inicial terão um ganho proporcionalmente maior ao receberem tratamento, não foi possível estabelecer um nível de corte significativo que permitisse determinar um limite entre o grupo a ser ou não tratado devido à presença de maior variabilidade na altura predita inicial no grupo com ganho em altura (coeficiente de variação de 6,36%) do que no grupo sem ganho (coeficiente de variação da altura predita de 3,47).
Em resumo, os resultados mostraram que as meninas com maior tempo de ação estrogênica e menor altura predita no início do tratamento foram as que mais se beneficiaram proporcionalmente com o tratamento, não devendo ser negado a elas esta opção de melhora na altura final. Mesmo ganhos de poucos centímetros podem ajudar emocionalmente estas meninas. Deve ficar claro, porém, que o tratamento deve ser iniciado o mais precoce possível em relação ao início dos sintomas e diagnóstico, o que provavelmente propiciará um ganho maior em números absolutos na estatura final.
Os demais fatores presentes no início (idade no início dos sintomas, idade no início do tratamento, pico de LH e de FSH, presença ou não de menarca e tempo de tratamento) não se mostraram eficientes para predizer a resposta ao tratamento.
Recebido: 11/8/08
Aceito com modificações: 10/12/08