DOI: 10.1590/S0100-72032000000600002 - volume 22 - 2000
Anaglória Pontes, Paulo Traiman, Marcello Franco, Eliana Aguiar Petri Nahás, Rogério Dias, Laurival Antonio De Luca
Introdução
As hiperplasias de endométrio representam um espectro de proliferação anormal, algumas constituindo precursores do carcinoma de endométrio. É definida como proliferação glandular, com aumento da relação glândula/estroma, quando comparada ao endométrio proliferativo1. Atualmente é classificada em duas categorias: hiperplasia sem e com atipia citológica; As hiperplasias podem ser simples ou complexas, levando-se em consideração anomalias citológicas e arquiteturais. Geralmente ocorrem de modo difuso, não necessariamente envolvendo todo o endométrio, podendo ainda ser focais ou multicêntricas.
Devido às várias classificações, à confusão na terminologia e à incerteza sobre o comportamento das diversas formas de hiperplasia, o diagnóstico e o tratamento nem sempre são adequados. No intuito de uniformizar a terminologia entre clínicos e patologistas, a "International Society of Gynecological Pathologists" e a "World Health Organization" (1994), baseadas nas características citológicas (típicas ou atípicas) e arquiteturais (simples ou complexas), adotaram a seguinte classificação para as hiperplasias do endométrio1,2: hiperplasia simples (cística sem atipia); hiperplasia complexa (adenomatosa sem atipia); hiperplasia simples com atipia (cística com atipia) e hiperplasia complexa com atipia (adenomatosa com atipia)
O termo hiperplasia adenomatosa tem sido empregada por diferentes autores, para descrever padrões histológicos distintos com ou sem atipia3,4. Gusberg et al,3, observaram que 18% das 562 pacientes com hiperplasia adenomatosa (o termo foi utilizado para descrever todos os tipos de hiperplasia exceto a hiperplasia cística) desenvolveram adenocarcinoma de endométrio dentro de um a três anos após o diagnóstico inicial.
Kurman et al.5, avaliaram retrospectivamente (média de 13,4 anos do diagnóstico) 170 pacientes com hiperplasia endometrial não-tratadas, que haviam sido submetidas a curetagem uterina. Verificaram que a progressão para carcinoma ocorreu em 1% das pacientes com hiperplasia simples sem atipia, em 3% das com hiperplasias complexas sem atipia, em 8% das com hiperplasia simples atípica e em 29% das com hiperplasia complexa atípica.
A partir da década de oitenta, o conceito de hiperplasia com ou sem atipia vem sendo modificado, considerado como duas entidades diferentes, para cuja classificação é de fundamental importância a presença de atipia citológica6. O risco da hiperplasia progredir para carcinoma de endométrio está relacionado à presença e à gravidade da atipia citológica, como também à complexidade e à estratificação arquitetural1.
Ferenczy et al.6 argumentam que a hiperplasia sem atipia em geral não é lesão precursora do carcinoma, ao passo que havendo atipias, correlaciona-se ao câncer de endométrio, e deveria ser denominada de neoplasia endometrial intra-epitelial (NEI). A duração média de progressão de uma hiperplasia sem atipia é de aproximadamente 10 anos e com atipia é de quatro anos5.
As pacientes com hiperplasia de endométrio apresentam, como manisfetação clínica, sangramento uterino anormal, embora ocasionalmente estas lesões possam ser detectadas em mulheres assintomáticas1. As hiperplasias de endométrio desenvolvem-se como resultado de estímulo estrogênico sem oposição da progesterona e ocorrem com maior freqüência em pacientes anovuladoras crônicas, obesas, com doença hepática, que fizeram terapia de reposição hormonal com estrogênios sem progesterona ou com tumores ovarianos produtores de estrogênios2,7.
Wentz8 mostrou que o tratamento com dimetisterona (100 mg/dia) ou megestrol (20 mg/dia) por 6 semanas em 54 pacientes poderia controlar a hiperplasia atípica do endométrio por um período de pelo menos 3 anos. Entretanto, Eichner e Abellera9 verificaram que, embora o acetato de medroxiprogesterona (80 mg/dia) ou megestrol (80 mg/dia) provoquem regressão da hiperplasia durante a terapia, há recorrência ou progressão após a interrupção da medicação.
Gal et al.10 iniciaram o tratamento com acetato de megestrol (AM) (40 mg/dia), uso contínuo, em 52 pacientes na pós-menopausa com hiperplasia adenomatosa ou atípica ou carcinoma in situ de endométrio e que apresentavam risco cirúrgico elevado. Observaram, em acompanhamento de 10 a 104 meses (média de 42 meses), que mais de 90% destas mulheres apresentaram remissão completa da hiperplasia. Além do que, 90% dessas pacientes apresentavam obesidade mórbida, 65% doença cardiovascular e 29% diabetes mellitus, além de outras doenças de risco para o tratamento cirúrgico.
Ferenczy e Gelfand11 realizaram estudo prospectivo em 85 mulheres menopausadas com hiperplasia de endométrio (65 sem atipia e 20 com atipia), seguidas por período médio de 7 anos (2 ¾ 12 anos). Nas hiperplasias sem atipia utilizaram o acetato de medroxiprogesterona (AMP), por via oral na dose de 10mg/dia por 14 dias/mês, por 6 meses e nas com atipia, AMP na dose 20mg/dia, uso contínuo durante 6 meses. Encontraram regressão da hiperplasia sem atipia em 80% dos casos, persistência em 14% e em 6% houve recorrência após descontinuação da terapia; nenhuma paciente desenvolveu câncer. Por outro lado, nas pacientes com hiperplasia atípica, em 25% houve regressão, 25% desenvolveram adenocarcinoma, em 25% houve recorrência e em 25% persistência.
No tratamento das hiperplasias endometriais é importante levar em consideração as características clínicas da paciente e identificar o tipo histológico. Na hiperplasia atípica, o tratamento de eleição é cirúrgico; só se utiliza o tratamento clínico nos casos de risco cirúrgico elevado ou quando as pacientes desejam preservar o útero. Os agentes progestacionais podem ser utilizados com reversão do quadro hiperplásico, na maioria dos casos10,11.
Os progestagênios são potentes antiestrogênicos quando utilizados em doses farmacológicas. Estimulam a atividade da 17b-hidroxi esteróide desidrogenase e da sufonil transferase, que convertem o estradiol em sulfato de estrona, o qual é rapidamente excretado da célula. Diminuem os efeitos dos estrogênios sobre as células-alvo, pela inibição do aumento dos receptores estrogênicos, além de supressão da transcrição de oncogenes mediada pelos estrogênios, levando a efeito antimitótico e antiproliferativo sobre o endométrio12-14. Portanto, a terapia com acetato de medroxiprogesterona ou acetato de megestrol é alternativa clínica para o tratamento das pacientes com hiperplasia de endométrio que apresentam risco cirúrgico elevado ou que se recusam a se submeter a cirurgia, ou ainda em pacientes jovens que desejam concepção.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia do acetato de medroxiprogesterona ou acetato de megestrol em pacientes com achado histopatológico de hiperplasia de endométrio.
Pacientes e Métodos
Foram incluídas 47 pacientes com sangramento uterino anormal tratadas entre 1988 e 1997. A avaliação dos casos foi retrospectiva com revisão do prontuário. Todas as pacientes cujo achado histopatológico foi de hiperplasia de endométrio foram submetidas a curetagem uterina (CTC) padrão sob anestesia e/ou biópsia de endométrio (BE) em nível ambulatorial com cureta Novak. Estas pacientes foram acompanhadas no Ambulatório de Endométrio do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu. O diagnóstico histopatológico foi realizado pelo Departamento de Patologia. Este trabalho obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa da referida Faculdade.
De acordo com a avaliação clínica e as características histopatológicas, e após explicação detalhada dos riscos, benefícios e contra-indicações, era oferecido a paciente o tratamento clínico ou cirúrgico. Se, apesar dos esclarecimentos, a paciente ainda assim desejasse preservar o útero ou apresentasse concomitantemente outra doença como obesidade mórbida, doença cardiovascular, diabetes mellitus, hipertensão arterial grave que tornasse o procedimento cirúrgico de risco elevado segundo os critérios da "American Society of Anesthesiologists" (ASA), era iniciada a terapêutica com acetato de medroxiprogesterona nas hiperplasias típicas e acetato de megestrol nas atípicas.
Foram excluídas deste estudo pacientes que faziam uso de terapia de reposição hormonal, que não tinham condições de fazer o seguimento ambulatorial, que não desejassem fazer o tratamento clínico ou que apresentassem contra-indicação para o uso de progestagênios tais como tromboembolismo, hipercolesterolemia, depressão, infarto do miocardio, doença hepática.
Nos casos de hiperplasia sem atipia, simples ou complexa, foi introduzido o acetato de medroxiprogesterona (AMP) por via oral, na dose de 10 mg ao dia durante 10-12 dias por mês, por um período inicial de três a seis meses. Após esse tempo, as pacientes eram submetidas a biópsia de endométrio de controle ou curetagem uterina diagnóstica. Se a hiperplasia persistisse, a dose de AMP era aumentada para 20 a 40 mg por dia, por 12-14 dias, por mais três ciclos. Após nova BE, se ainda assim persistisse a hiperplasia, era indicado a histerectomia. Se, com três a seis meses houvesse regressão da lesão (endométrio proliferativo, secretor, atrófico, menstrual, ou com decidualização do estroma), o tratamento era mantido por mais três meses; mantida a regressão, a paciente continuaria com AMP 5 a 10 mg/por 10 dias por mês, por 12 meses, quando era realizada BE de controle. A partir deste período, e de acordo com os sintomas e achados clínicos, era realizada BE ou ultra-sonografia transvaginal, para se avaliar a espessura endometrial e se esta era maior que 4 mm era realizada BE e/ou curetagem uterina de controle.
Nas pacientes com hiperplasia endometrial atípica, simples ou complexa, que tinham risco cirúrgico elevado, ou que recusavam submeter-se a histerectomia, era utilizado o acetato de megestrol (AM) na dose de 160 mg ao dia, de modo contínuo, por tempo indeterminado.
A BE e/ou CTG foram realizadas da mesma forma que nas hiperplasias típicas, isto é, dentro de três a seis meses do início do tratamento. Nesses casos, a ultra-sonografia e a BE eram realizadas a cada seis e doze meses para se avaliar a resposta do endométrio ao progestagênio. Após a introdução do AMP ou AM, a paciente era reavaliada quanto à recorrência do sangramento e efeitos colaterais.
A medicação era interrompida ou a dose diminuída, em face da intensidade dos seguintes efeitos colaterais decorrentes do uso dos progestogênios: depressão, retenção hídrica, náuseas, cólicas abdominais, irritabilidade, ansiedade, cefaléia e enxaqueca.
Foram analisados dados clínicos como sintomas, idade, menarca, paridade, padrão menstrual anterior e doenças associadas como obesidade, diabetes mellitus e hipertensão arterial.
A obesidade foi definida pelo índice de massa corpórea (IMC) de acordo com fórmula de Quetelet: peso (kg) dividido pela estatura (m) ao quadrado sendo o IMC considerado normal entre 18-25 kg/m2, sobrepeso entre 25-30 kg/m2, obesidade entre 30-40 kg/m2, obesidade morbida ³ 40 kg/m2 15.
A hipertensão arterial foi diagnosticada, segundo os parâmetros clássicos de medida de pressão arterial em três oportunidades diferentes, estando a pressão arterial diastólica e/ou a sistólica constantemente elevadas, acima de 90 mmHg e/ou 160 mmHg respectivamente, ou a paciente fazia uso de medicação anti-hipertensiva.
O diagnóstico de diabetes mellitus foi feito quando as pacientes apresentavam duas glicemias de jejum acima de 140 mg/dl ou ultimamente quando duas aferições após jejum de oito horas mostravam valores acima de 126 mg/dl16.
Foram realizadas periodicamente a glicemia de jejum, avaliações hepática, renal e perfil lipídico.
Resultados
Esse estudo incluiu um total de 47 pacientes, sendo que 42 apresentavam hiperplasia endometrial sem atipia, que representou 89,4% dos casos, e cinco com atipia (10,6%), as quais fizeram uso de AMP e AM, respectivamente, por um período que variou de 3-18 meses.
A idade das pacientes variou de 22 a 72 anos com média de 49,5 ± 10,6 anos, sendo que 70,2% (33/47) apresentavam idade superior a 45 anos (Figura 1). A menarca ocorreu entre 9 e 16 anos, com média de 12,8 ± 1,5; e a maioria das pacientes 88,9 (40/45) tinha antecedente de ciclos menstruais regulares e só 10,6% (5/47 casos) eram nulíparas. Em 16 casos (34%), a queixa foi de sangramento pós-menopausa, 16 (34%) metrorragia, 12 (25,6%) hipermenorragia, dois (4,3%) hipermenorréia e um (2,1%) polimenorréia (Figura 2).
O IMC mostrou que 55,5% (25/45) das pacientes eram obesas (IMC ³ 30) (Figura 3). Das 47 pacientes com hiperplasia endometrial, 31,9% (15/47), eram hipertensas crônicas e 23,4% (11/47) apresentavam diabetes mellitus.
A classificação histopatológica das hiperplasias está apresentada na Figura 4 e a resposta ao uso do AMP e do AM na Tabela 1.
O AMP foi eficaz na regressão dos casos de hiperplasia sem atipia em 83,2% casos (35/42); em 16,8% (7 casos), houve persistência e em nenhum caso ocorreu progressão para câncer de endométrio. É interessante observar que nesses sete casos, inicialmente houve regressão e, após interrupção do tratamento, observou-se recorrência da lesão hiperplásica. Na hiperplasia atípica, o AM foi eficaz em fazer regredir essa lesão em quatro casos (80%), com persistência em uma paciente (20%), a qual foi submetida a histerectomia. Como nos casos de hiperplasia sem atipia, não ocorreu progressão para câncer de endométrio (Tabela 1) durante o período de seguimento, que foi de três meses a nove anos.
No acompanhamento dessas pacientes, verificou-se que no decorrer do tratamento 38,3% (18) apresentaram amenorréia, em 25,5% (12) ocorreu regularização do ciclo menstrual e 36,2% (17) permaneceram com sangramento uterino anormal (Figura 5), as quais foram submetidas a histerectomia total abdominal.
Algumas pacientes referiram cefaléia, tonturas, sonolência, cólicas abdominais e desconforto pélvico e depressão durante o uso da medicação, mas que não impediram a continuação do tratamento.
Discussão
As hiperplasias de endométrio compreendem um grupo de alterações proliferativas, com potenciais biológicos diferentes, indo desde a forma de simples hiperplasia de caráter benigno até alterações histopatológicas acentuadas com atipia, as quais estão relacionadas com o câncer de endométrio11.
A conduta na hiperplasia de endométrio é indicada levando-se em consideração fatores clínicos associados às características histopatológicas, sendo a mais importante a presença de atipia citológica1,2.
Pacientes com hiperplasia simples ou complexa sem atipia podem ser tratadas clinicamente, pois o risco da progressão para câncer de endométrio é baixo, em torno de 1% a 3%, ao passo que as mulheres com hiperplasia atípica têm risco elevado variando de 8% a 29%5.
A hiperplasia endometrial atípica é lesão pré-cancerosa e a histerectomia é a terapêutica de escolha. Entretanto, algumas mulheres recusam-se submeter-se à histerectomia ou têm risco cirúrgico elevado, devido a problemas médicos como obesidade mórbida, doença cardiovascular, diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença hepática ou renal que tornam o procedimento cirúrgico perigoso10.
Um dos mais interessantes avanços no tratamento das hiperplasias é a possibilidade de reversão das alterações hiperplásicas com o uso de agentes progestacionais10,11,17. Os progestagênios promovem, no endométrio, acentuada reação pseudodecidual do estroma e atrofia funcional das glândulas18. O AMP e o AM, progestagênios sintéticos derivados da 17-alfa-hidroxiprogesterona, são eficazes por via oral e podem ser usados no tratamento das hiperplasias de endométrio revertendo a maioria das lesões hiperplásicas10,11,19,20. O tratamento com progestagênios é entretanto prolongado e requer biópsias endometriais periódicas para confirmar a resolução das lesões21.
Os resultados deste trabalho mostram que a idade média de ocorrência da hiperplasia de endométrio foi de 49,5 ± 10,6 anos, sendo que 70,2% tinham idade superior a 45 anos, dados esses compatíveis com os da literatura, que afirmam que a hiperplasia de endométrio ocorre preferencialmente entre 45 e 55 anos de idade2.
Na avaliação clínica das pacientes, pode-se observar que com o uso do AMP e do AM, 30 das 47 pacientes, 63,8%, apresentaram regularização do ciclo menstrual ou entraram em amenorréia. Recorrência ou persistência de sangramento uterino anormal ocorreu em 17 dos 47 casos, 32,6%, sendo indicador clínico de que não houve regressão da lesão hiperplásica ou a paciente era portadora de outra doença uterina. A persistência do sangramento anormal fez com que estas mulheres reconsiderassem e aceitassem o tratamento cirúrgico. O exame anatomopatológico do útero desses 17 casos mostrou a persistência das lesões hiperplásicas em oito casos; nos outros nove, apesar da regressão da lesão hiperplásica, foi observada a presença de leiomioma em quatro, adenomiose em três, mio-hipertrofia uterina difusa em um e útero normal em outro caso.
O AMP e o AM foram eficazes em fazer regredir a hiperplasia na maioria dos casos, não ocorrendo em nenhum deles progressão para carcinoma de endométrio, o que coincide com os resultados de Gal et al.10, que relataram sucesso terapêutico com acetato de megestrol 40 mg/dia, contínuo, no controle da hiperplasia endometrial em um grupo de pacientes com risco elevado para cirurgia. Apesar de retrospectivo, nossos resultados estão de acordo com o estudo prospectivo de Ferenczy e Gelfand11, que mostraram que o tratamento com AMP fez regredir a maioria das lesões hiperplásicas sem atipia e não aumentou o risco para o desenvolvimento de câncer endometrial. Em relação às hiperplasias atípicas, não foi observada progressão para cancer de endométrio em nenhum dos casos tratados com 160 mg de AM, ao passo que aqueles autores encontraram progressão para câncer em 25% das pacientes com hiperplasia atípica tratadas com 20 mg de AMP de modo contínuo.
A biópsia de endométrio periódica nas hiperplasias é aconselhável, pois apesar do tratamento, a lesão pode persistir, ou recidivar após interrupção do tratamento, como ocorreu em sete casos desse trabalho.
A hiperplasia de endométrio é considerada, algumas vezes evento transitório, de caráter benigno, principalmente no climatério, em que ocorre declínio da capacidade funcional do ovário, levando a ciclos anovulatórios e, conseqüentemente, proliferação exagerada do endométrio22. Esta afirmação está de acordo com o trabalho retrospectivo de Kurman et al.5, que verificaram que na maioria (74%) das lesões hiperplásicas, ocorreu regressão espontânea, mesmo sem o tratamento. Também observamos regressão espontânea das hiperplasia sem atipia em sete pacientes (não incluídas neste estudo), que não foram tratadas com AMP e reavaliadas nove meses, 12 meses e entre quatro a nove anos após o diagnóstico inicial. A biópsia de endométrio de controle realizada em cinco e histerectomia em dois casos, mostrou remissão completa da lesão hiperplásica.
Trabalhos prospectivos recentes mostram que a hiperplasia endometrial sem atipia pode desaparecer espontaneamente em curto período de tempo de três meses23.
Condições que resultam na exposição endógena ou exógena a estrogênios, sem oposição da progesterona, como na obesidade, esteve presente em 55,5% dos casos. Além disso, é interessante salientar que quatro (80%) das cinco pacientes com hiperplasia atípica apresentavam obesidade mórbida (IMC ³ 40)
Na mulher obesa, ocorre aumento da produção de estrona devido a três mecanismos: aumento da conversão periférica da androstenediona para estrona; diminuição na produção hepática da globulina carreadora dos hormônios sexuais (SHBG) e diferenças no metabolismo dos estrogênios com aumento do estrona livre circulante21 . Embora a estrona seja estrogênio fraco, ela é convertida para 17b-estradiol (estrogênio potente) nas células endometriais. Os estrogênios induzem a proliferação e replicação das células endometriais, além de promoverem a formação de seus próprios receptores2,22; se os níveis estiverem elevados, pode ocorrer hiperplasia24. Por sua vez, a progesterona tem efeito oposto aos estrogênios no tecido endometrial levando à diminução do número de receptores estrogênicos, aumentando a conversão do 17b-estradiol para estrona, e diminuindo a síntese de RNA, induzida pelos estrogênios2, reduzindo as lesões hiperplásicas.
Hoje, acredita-se que as hiperplasias de endométrio apresentam dois comportamentos biológicos distintos. Um, de caráter benigno, denominado hiperplasia que, na maioria das vezes, regride espontaneamente após a curetagem ou tratamento com progestagênios e que em geral, não é precursor do câncer do endométrio e representa uma resposta proliferativa exagerada em nível endometrial. As lesões consideradas benignas incluem: endométrio proliferativo, anovulatório, hiperplasia glandular simples, cística ou adenomatosa sem atipia. O outro, de caráter neoplásico, é precursor do câncer de endométrio. Neste caso, estão incluídas todas as lesões hiperplásicas com atipia citonuclear5,6,11.
Os dados obtidos neste trabalho sugerem que a maioria das mulheres com hiperplasia endometrial respondem ao tratamento com AMP ou com AM, e a não-resposta ao tratamento com progestagênio é facilmente identificável pela sintomatologia (sangramento anormal) e pelo rastreamento histopatológico do endométrio.
O tratamento das hiperplasias de endométrio com AMP ou com AM representa alternativa satisfatória para mulheres que desejam preservar o útero ou que tenham risco cirúrgico elevado. Entretanto, é necessário monitorização cuidadosa do endométrio, o que pode ser realizado pela avaliação dos sintomas, pela ultra-sonografia transvaginal e pela biópsia periódica.
SUMMARY
Purpose: to evaluate the efficacy of medroxyprogesterone acetate and megestrol acetate in endometrial hyperplasia.
Patients and Methods: forty-seven patients with abnormal uterine bleeding were retrospectively evaluated. These patients were submitted to diagnostic uterine curettage and/or endometrial biopsy, with histopathological finding of endometrial hyperplasia. Patients with hyperplasia without atypia received 10 mg/day oral medroxyprogesterone acetate during 10 to 12 days a month. Those with hyperplasia with atypia received 160 mg/day oral megestrol acetate continuously. The length of treatment ranged from 3 to 18 months. Control endometrial biopsy and/or uterine curettage were performed 3 and 6 months from the beginning of treatment, and then periodically to evaluate whether or not regression of hyperplasia occurred.
Results: forty-two patients with endometrial hyperplasia without atypia and 5 with hyperplasia with atypia were included. The mean age of the patients was 49.5 ± 10.6 years (22 to 72 years), 70.2% aged over 45 years. Medroxy-progesterone acetate was effective in promoting regression of 83.2% (35/42) of hyperplasia without atypia, and megestrol acetate in 80% (4/5) of hyperplasia with atypia. Despite treatment, lesions persisted in 16.8% (7 cases) of hyperplasia with atypia and in 20% (1 case) of hyperplasia without atypia. No progression to endometrial cancer was seen during the follow-up period of 3 months to 9 years. During follow-up, we found that 18 patients (38.3%) showed amenorrhea, 12 (25.5%) menstrual cycle regulation, and 17 (36.2%) persistent abnormal uterine bleeding and underwent total abdominal hysterectomy. Histological examination of the uterus showed 8 patients with persistence of hyperplastic lesion, 4 with leiomyoma, 3 with adenomyosis, 1 with diffuse uterine myohypertrophy, and 1 with normal uterus, despite regression of the hyperplastic lesions in 9 of the 17 patients.
Conclusions: the treatment of endometrial hyperplasia with medroxyprogesterone acetate and megestrol acetate can be a safe alternative for women who refuse to have their uterus removed or those at high risk for surgery. However, a careful monitoring of the endometrium is needed. This can be achieved with periodical endometrial biopsy, transvaginal ultrasonography, and evaluation of the symptoms.