DOI: 10.1590/S0100-72031999000100007 - volume 21 - 1999
Caio Parente Barbosa, Thomas Moscovitz, Nelson Valente Martins, Ângela Mara Bentes de Souza, Ivania T. Soubhia, Ana Paula Santos Aldrighi
Introdução
O câncer de endométrio é a doença maligna mais comum do trato genital feminino nos Estados Unidos da América5. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde entre 1981 e 1985, ocupou o quinto lugar entre as localizações de câncer primário na mulher9.
Os estudos realizados por Creasman et al.6 e pelo Grupo de Oncologia Ginecológica Americano7, demonstraram a importância de um estadiamento cirúrgico para o câncer de endométrio4. As taxas de metástases em linfonodos nas pacientes com tumores considerados iniciais são tanto mais elevadas, quanto maior a invasão miometrial e quanto maior o grau de diferenciação6,8,12. Segundo Childers et al.3 a metástase linfonodal é o fator prognóstico mais significante. Assim, a avaliação dos linfonodos regionais é importante para o planejamento terapêutico.
O tratamento tradicional do câncer de endométrio consiste na histerectomia total abdominal, salpingo-ooforectomia bilateral, citologia do líquido lavado peritoneal e linfadenectomia pélvica. A histerectomia vaginal com a remoção dos anexos é reservada a uma pequena fração de pacientes com esta doença, uma vez que a cirurgia vaginal não permite uma adequada exploração da cavidade peritoneal e nem acesso aos linfonodos pélvicos2.
Com o emprego da técnica descrita recentemente para linfadenectomia pélvica laparoscópica transperitoneal16,17, vimos estadiando pacientes com câncer de endométrio desde 19931. Para estas pacientes, um completo estadiamento cirúrgico e histopatológico é obtido por uma combinação de cirurgia laparoscópica e vaginal.
O objetivos desta trabalho é de avaliar os resultados desta técnica quanto à acurácia para estadiamento e taxa de complicações.
Pacientes e Métodos
Durante o período de fevereiro de 1996 à fevereiro de 1998, doze pacientes com câncer de endométrio foram submetidas a linfadenectomia pélvica associada a histerectomia radical vaginal assistida por laparoscopia no Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC e no Hospital Jaraguá. A média de idade das pacientes foi de 58,1 ± 8,1 (46 - 70) anos, o número médio de gestações foi 2,3 ± 1,8 (0 - 5) e o índice de massa corpórea médio 28,6 ± 6,5 (20,7 - 42,1).
O preparo intestinal, pré-operatório, consistiu da aplicação de dois enteroclismas um dia antes da cirurgia. Como profilaxia da trombose venosa profunda foi prescrito heparina subcutânea um dia antes da cirurgia, mantendo-a até um dia após a realização da mesma. Para profilaxia de infecções foram aplicadas uma dose de cefalotina (2 g intravenoso), no início do procedimento e após 4 horas.
Após a indução da anestésica, realizou-se a sondagem nasogástrica, a fim de eliminar todo o conteúdo gástrico. As pacientes foram então colocadas em posição de litotomia modificada, com ambos os joelhos no nível da crista ilíaca, com as pernas abduzidas e rodadas, apoiadas nas perneiras. O suporte para o ombro foi colocado do lado esquerdo da paciente, sendo o braço homolateral apoiado ao lado do corpo e fixado por faixa crepe. Após rigorosa assepsia, realizou-se cateterismo vesical com Folley 14, que permaneceu por 24 horas.
A cavidade peritoneal foi adentrada por uma incisão infra-umbilical15. Procedeu-se a realização do pneumoperitônio com CO2 evitando-se que a pressão intra-abdominal não excedesse 14 mmHg. Após a inserção de um laparoscópio de 11 mm e observação do apêndice, da superfície do fígado e dos órgãos genitais internos, foram feitas duas incisões de 10 mm a 3 cm medialmente de cada crista ilíaca anterior pelas quais trocartes foram inseridos no abdome da paciente sob visão direta. Mais duas incisões adicionais de 5 mm foram feitas a meia distância da linha que une as punções umbilical e inguinal, de cada lado, lateralmente aos vasos epigástricos inferiores.
As pacientes foram colocadas em posição de Trendelenburg (20° - 30°). Antes de iniciar a linfadenectomia pélvica propriamente dita, procedeu-se a coleta de líquido peritoneal para exame citológico. A cirurgia iniciou-se com a cauterização das trompas, com o intuito de evitar a disseminação de células neoplásicas para cavidade pélvica.
Os procedimentos para a histerectomia com salpingo-ooforectomia bilateral consistiram da cauterização e secção dos ligamentos infundíbulo-pélvicos, redondos, artérias uterinas, ligamentos útero-sacros e liberação da reflexão vesical do útero. Pela via vaginal fez-se uma incisão circular na mucosa vaginal, em volta do colo, seguida de dissecção da fáscia pré-vesical e pré-retal. A retirada do útero foi feita com ligadura de paramétrios pela via vaginal. Não foi deixado dreno e a cúpula vaginal foi suturada por via vaginal.
Para realização da linfadenectomia deve-se ter em mente os limites de dissecção que são: anteriormente a veia circunflexa, posteriormente a bifurcação dos vasos ilíacos, lateralmente os vasos ilíacos externos, medialmente o ureter. O limite profundo de dissecção é a fossa obturadora, com o nervo obturador.
A linfadenectomia foi realizada de cada lado como descrito a seguir. Os vasos ilíacos e a artéria umbilical foram identificados sob a superfície do peritônio pélvico entre o ligamento redondo e o infundíbulo pélvico. O ligamento redondo foi apreendido, cauterizado e seccionado e o peritônio foi aberto de maneira que toda a área entre os ligamentos redondo e infundíbulo pélvico seja exposta. O espaço para vesical é aberto e então ampliado por dissecção romba entre a artéria umbilical medialmente e os vasos ilíacos externos lateralmente. O assoalho pélvico é desta forma facilmente alcançado sem nenhum sangramento. O instrumento que apreendia o ligamento redondo é então liberado, fechado, e colocado no espaço paravesical, de modo a retrair a artéria umbilical medialmente. Os tecidos com linfáticos abaixo da veia ilíaca externa é então claramente visível e pode ser seguramente dissecada. O nervo obturador é identificado e dissecado caudalmente até o ponto em que deixa a pelve. O liberação da porção inferior da veia ilíaca externa é realizada por dissecção romba. O tecido linfático, entre o nervo obturador e a veia ilíaca externa, é então apreendido e completamente separado da parede pélvica. Neste ponto, o músculo obturador interno é exposto. Deve se evitar lesões das veias retropúbicas e as anastomoses venosas entre as veias obturadora e ilíaca externa. A magnificação que é obtida pelo laparoscópio, colocado a uma distância próxima ao local cirúrgico, permite dissecção precisa destes vasos. A porção caudal do pedículo do tecido conjuntivo é então liberado da área do forame obturador e do canal femoral através de tração suave. A borda do tecido é firmemente apreendida e movida cranialmente, sendo cuidadosamente dissecada da veia e artéria ilíaca externa lateralmente e da artéria umbilical, medialmente. Neste ponto, a borda linfática esta somente aderida a área de bifurcação interilíaca, sendo gentilmente separado por tração e dissecção romba. A amostra do tecido linfático é então removida do abdome pelo trocarte de 10 mm. A mesma técnica é realizada de outro lado. A hemostasia é então checada. No final do procedimento, o peritônio é deixado aberto para permitir a drenagem de fluído linfático para dentro do abdome.
Nos casos em que havia invasão de colo, o ureter foi isolado do paramétrio por via laparoscópica e a parametrectomia feita por via vaginal utilizando técnica semelhante à descrita por Schauta.
Nos casos em que a biópsia prévia demonstrava um tumor GI e a invasão miometrial foi constatada após a retirada da peça, a linfadenectomia era feita após a sutura da cúpula vaginal quando o pneumoperitônio era refeito.
Resultados
Dos doze casos operados, nove foram estadiados como Ib, um como IIa, um como IIb e um como IIIa, conforme critérios recomendados pela FIGO.
Uma paciente evoluiu com aumento da pressão endotraqueal, sendo necessário abandonar o procedimento, e realizar a linfadenectomia laparoscópica seguida de laparotomia para o término da cirurgia. Não foram observadas complicações intra-operatórias relacionadas ao ato cirúrgico. Das onze pacientes submetidas a linfadenectomia pélvica associada a histerectomia radical vaginal assistida por laparoscopia, apenas uma evoluiu com granuloma de cúpula vaginal no pós-operatório.
O tempo anestésico médio foi de 4,8 ± 1,4 horas (com variação de 3 a 8 horas). Este tempo incluiu o tipo de procedimento: linfadenectomia pélvica mais histerectomia radical vaginal assistida por laparoscopia. O tempo médio de internação foi de 3,3 (± 1,3) dias (com variação entre 2 e 5 dias).
O número total de linfonodos retirados foi de 176, sendo 104 (59,1%) do lado direito e 72 (40,9%) do lado esquerdo. Não foram encontrados linfonodos comprometidos. O número médio de linfonodos retirados por paciente foi de 18,5 ± 9,5 (8 - 40), sendo a média do lado direito de 10,1 ± 5,8 (4 - 25) e a do lado esquerdo de 8,4 ± 4 (4 - 17). Estes resultados estão apresentados na Tabela 1.
Discussão
Embora existam numerosos fatores prognósticos para pacientes com câncer de endométrio, a presença de metástase é a mais importante3. A presença de metástase para linfonodos pélvicos não é somente um sinal de mau prognóstico, mas também implica em mudanças no tratamento destas pacientes. Por isto, uma avaliação precisa dos linfonodos regionais é importante para o planejamento terapêutico.
As pesquisas por técnicas mais sensíveis e específicas têm conduzido os estudiosos a avaliar os métodos radiológicos para detecção de metástase linfonodal 3. Infelizmente, a efetividade da maioria dos modernos métodos radiológicos é inferior à da cirurgia de estadiamento.
Segundo Kindermann11, somente se observa uma alta taxa de envolvimento linfonodal de até 30%, quando ocorre invasão profunda do miométrio. Mas mesmo neste grupo desfavorável, a maioria das pacientes (70%) têm linfonodos pélvicos livres, não necessitando radioterapia pélvica. Embora o número de pacientes por nós operadas seja pequeno, não se constatou metástase linfonodal em nossa casuística.
O estadiamento cirúrgico-patológico tornou-se mais indicado para as doenças malignas por causa da imprecisão do estadiamento clínico. Demonstrou-se que quando comparamos com o estadiamento cirúrgico, uma significativa porcentagem de pacientes com doença maligna na pelve são subestadiadas clinicamente3. Estas discrepância pode chegar a 40%18.
Em relação ao status dos linfonodos, o estadiamento cirúrgico pode acrescentar informações que podem influenciar o prognóstico e tratamento. A presença de citologia peritoneal positiva ou de metástases anexiais ou intraperitoneais alteram a conduta. A ocorrência de doenças inflamatórias como a diverticulite ou infecções anexiais presentes ou passadas, assim como as aderências pélvicas, podem influenciar no resultado da radioterapia. Todas estas informações podem ser obtidas laparoscopicamente. Além disso as complicações com este procedimento, inicialmente parecem ser aceitáveis2,3.
Herd et al.10 apresentaram resultado de seis pacientes tratadas laparoscopicamente com dissecção de oito linfonodos pélvicos. Childers et al.4 obtiveram uma média de 17,5 linfonodos em 13 pacientes. Já Massi et al.14 apresentaram uma série com 106 pacientes que foram submetidas a linfadenectomia por via clássica, tendo obtido uma média de 22 linfonodos. Como podemos observar, a linfadenectomia laparoscópica, tem resultados semelhantes aos da via abdominal. Isto é claro em nossa amostragem uma vez que obtivemos uma média de 18,5 linfonodos por paciente.
Em relação ao comprometimento linfonodal, Massi et al.14 e Lin et al.13 relataram a presença de 4% de linfonodos pélvicos comprometidos em pacientes com adenocarcinoma de endométrio tratadas por via abdominal. Childers et al.4 e Herd et al.10 apresentam comprometimento de 3% dos linfonodos, para pacientes tratadas por laparoscopia. Em nossa casuística, nenhuma paciente apresentou comprometimento linfonodal.
Childers et al.3 referem que 98% dos linfonodos podem ser obtidos laparoscopicamente e que o tempo para realizar uma linfadenectomia pélvica e paraaórtica é de 2 horas ou menos, com sangramento mínimo. Massi et al.14 observaram que suas pacientes tratadas cirurgicamente pela via abdominal ficaram internadas por 5,5 dias em média. O nosso tempo médio de internação foi de 3,3 dias. A literatura mostra que o tempo de internação hospitalar é menor para as pacientes que são submetidas a linfadenectomia2,3. Além disto, mais importante do que o tempo de internação é o tempo de recuperação mais rápido que acompanha a cirurgia laparoscópica.
É possível o início precoce da radioterapia para as pacientes tratadas laparoscopicamente em oposição àquelas que são submetidas a uma laparotomia.
O sucesso do estadiamento laparoscópico depende de múltiplos fatores. Existe vantagem se este procedimento for realizado em uma instituição onde as pessoas que trabalham na sala cirúrgica estejam familiarizadas com este procedimento. Além disto, é importante que o cirurgião seja um laparoscopista e oncologista bem treinado e que o equipamento cirúrgico seja adequado. Além disso, a seleção e o preparo das pacientes são extremamente importantes. A obesidade, o inadequado preparo intestinal e as aderências intraperitoneais são fatores que tornam a linfadenectomia mais difícil. No entanto, em nossa casuística, esses fatores não impediram a sua realização. As pacientes e os médicos, no entanto, devem ser lembrados de que esta técnica ainda se encontra sob investigação.
SUMMARY
Purpose: to demonstrate a new approach to treatment of endometrial cancer.
Methods: Between February, 1996 and February, 1998, twelve patients with endometrial cancer, diagnosed by hysteroscopy and biopsy, were submitted to pelvic lymphadenectomy and hysterectomy with salpingo-oophorectomy by laparoscopy. The mean age was 58.1 years, the mean number of gestations was 2.3 and the mean body mass index was 28.6.
Results: the mean length of anesthesia was 4.8 hours. The mean time of hospital stay was 3.3 days. The total of lymph nodes obtained was 176, 104 (59.1%) being from the right side and 72 (40.9%) from the left side. The mean of lymph nodes per patient was 18.5. We observed two complications: in one case the laparoscopic procedure had to be abandoned because the patient presented a dangerous increase in intratracheal pressure and in the other case a granuloma in the vagina was observed.
Conclusions: the initial evaluation of the laparoscopic hysterectomy and laparoscopy shows that we achieved good results regarding the accuracy of staging, the number of nodes and a small number (3) of complications.