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Terapia androgênica para o tratamento da disfunção sexual feminina

Quinta, 26 Abril 2018 11:40

        Autora: Flavia Fairbanks Lima de Oliveira Marino, mestre e doutora pela USP, Ginecologista e Obstetra, área de atuação em sexologia, membro da Comissão Nacional Especializada de Sexologia


        Introdução

        A abordagem adequada das disfunções sexuais femininas ainda é um grande desafio aos profissionais da saúde, mesmo aos tocoginecologistas, pois uma parcela desses profissionais nāo se sente confortável ou suficientemente treinada para cuidar da questão sexual (Wright & O’Connor, 2015; Lara et al., 2016).



        O Desejo e a Excitação Sexual


        Para o gênero feminino, a Associaçāo Psiquiátrica Americana (APA)  unificou desejo e excitação constituindo em um único eixo diagnóstico: transtornos de interesse/excitação sexuais femininos (DSM-5, 2013).

        O papel dos hormônios e dos neurotransmissores é essencial à resposta sexual feminina, em especial: os androgênios, estrogênios, progesterona, prolactina, ocitocina, cortisol e ferormônios, além de óxido nítrico, serotonina, dopamina, adrenalina, noradrenalina e opióides.


        Disfunção Sexual Feminina

        As disfunções sexuais femininas representam uma questão importante de saúde pública, do ponto de vista epidemiológico, atingindo 40% da população (Abdo et al, 2004). Segundo os critérios diagnósticos do DSM-5 a presença de sofrimento está associada aos critérios diagnósticos definidores de uma disfunção sexual, prevalente em 12% das mulheres americanas e 17,6% das brasileiras (Faubion et al., 2015; Fairbanks et al., 2017).

        A abordagem médica inclui anamnese completa geral e sexual, exame físico detalhado e tratamento medicamentoso, quando indicado. Há várias opções terapêuticas para o tratamento das disfunções sexuais femininas. A abordagem multiprofissional e multidisciplinar é a mais adequada.

        Dentre as opções medicamentosas, a reposição de testosterona vem se estabelecendo como alternativa para alguns casos.


        A Testosterona

        Na mulher, os ovários e a conversão periférica dos pré-androgênios produzidos nas suprarrenais respondem pelos níveis circulantes de testosterona (Gannon & Walsh, 2016). Suas principais funções no organismo feminino envolvem a própria conversão em estrogênios, manutenção musculoesquelética, cardiovascular e ação em diversos centros cerebrais, inclusive aqueles ligados à função sexual (Davis, 2013).

        Conhecimentos atuais mostram que a deficiência de testosterona nas mulheres tem implicações que podem contribuir (de forma direta ou indireta) para o desejo sexual hipoativo feminino (Shifren & Davis, 2017).

        Testosterona e o desejo sexual hipoativo

        Nas mulheres diversos estudos tentaram estabelecer uma relação positiva entre níveis androgênicos e maior disponibilidade aos encontros sexuais, com maior frequência masturbatória, desejo e excitação (Davis & Wahlin-Jacobsen, 2015). A aplicação tópica de testosterona vaginal se mostrou eficaz para aumentar a espessura da mucosa e, consequentemente, reduzir a dispareunia (Fernandes et al., 2014)  O undecanoato de testosterona (por via oral) adicionado à terapia hormonal convencional pós-menopausa, segundo estudo tailandês, melhorou significativamente a qualidade de vida das mulheres dessa faixa etária (Tungmunsakulchai et al., 2015). A testosterona transdérmica foi eficaz na melhora de distúrbios de desejo sexual hipoativo, segundo revisão recente (Shifren & Davis, 2017).

        Apesar da comprovada eficácia em casos selecionados, ainda nāo houve a liberação da prescrição de testosterona pelo  Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, país onde mais de 2 milhões de doses são prescritas por ano, sendo 60% delas realizadas por ginecologistas (Davis & Parish, 2015). A prescrição off-label das formulações destinadas à população masculina pode representar um risco à saúde das mulheres, mas ainda não há formulações aprovadas especificamente para mulheres em meio nacional ou internacional (Davis, 2013).

        Revisões sistemáticas recentes sobre o assunto esclarecem que:


  • A aplicação de testosterona transdérmica é efetiva no tratamento da diminuição de desejo sexual de mulheres pós-menopausa (grau de evidência A), bem como para mulheres nos últimos anos do menacme (grau de evidência B)  
  • O uso de testosterona transdérmica por período curto ( até 3 anos) é seguro. Há necessidade de estudos bem conduzidos sobre reposição de testosterona em pacientes com falência ovariana prematura;
  • A resposta terapêutica no emprego da testosterona em mulheres com reduçāo do desejo sexual pode ocorrer após semanas de uso da mesma (grau de evidência A);
  • Caso nāo haja resposta terapêutica em até seis meses, o uso da testosterona deve ser descontinuado (grau de evidência A) (Buster, 2013; Davis et al., 2016; Schifren & Davis, 2017).

        Riscos da reposição de testosterona


        Como não há estudos sobre segurança do uso da testosterona a longo prazo em mulheres (acima de 6 meses), diversas hipóteses são levantadas: riscos cardiovasculares vinculados a eventos tromboembólicos, hepatopatias e possibilidade do surgimento de alguns tipos de câncer (Reis & Abdo, 2014).

        Em relação ao risco oncológico, uma das maiores preocupações entre usuárias e prescritores da testosterona, nenhum estudo conseguiu estabelecer vínculo real entre eles. Foram analisados os riscos para desenvolvimento de câncer de mama, câncer de endométrio e câncer de ovário e a testosterona transdérmica não se associou à elevação dos mesmos (Panzer & Guay, 2009; Davis, 2013; Davis & Wahlin-Jacobsen, 2015; Khera, 2015; Sjogrën et al., 2016).

        A associação entre elevação do risco cardiovascular e uso de testosterona também é foco de preocupação, estando, até o momento, bem estabelecida a relação do uso do hormônio com a elevação do hematócrito (Corona et al, 2015).

        Os principais efeitos colateriais reconhecidos e associados à terapia com testosterona, segundo meta-análise recente, sāo a piora da acne e o hirsutismo Os dados deste estudo permitem afirmar que nāo houve aumento em eventos adversos graves, surgimento de barba ou engrossamento da voz nas usuárias de testosterona. (Achilli et al, 2017).


        Conclusões:


        1-  Ainda não há respaldo científico que assegure a prescrição de testosterona a longo prazo ( superior a seis meses)


        2- Há benefício no uso de testosterona transdérmica para o favorecimento da resposta sexual de mulheres pós-menopausa, por período de até seis meses, desde que respeitadas as contra-indicações à administração de terapia hormonal; essas mulheres têm maior benefício se gozassem de vida sexual com escores satisfatórios no período pré-menopausa, pois daí, efetivamente, se verifica um restauro da vida sexual de qualidade.


        3-  Há evidências de efeitos do uso de testosterona em diversos sistemas do organismo, inclusive mecanismos neurobiológicos, logo sua prescrição deve ser extremamente cuidadosa e requer vigilância e acompanhamento multidisciplinar periódico.

        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Abdo CH, Oliveira WM Jr, Moreira ED Jr, Fittipaldi JA. Prevalence of sexual dysfunctions and correlated conditions in a sample of Brazilian women--results of the Brazilian study on sexual behavior (BSSB). Int J Impot Res. 2004; 16(2):160-6.


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Referência


Wright & O’Connor, 2015

Lara et al., 2016

Sadana, 2002


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