Endometriose Parametrial

Sexta, 25 Maio 2018 10:19

Introdução

 

        A definição anatômica do paramétrio é, de certa forma, controversa na literatura médica. Classicamente seria uma condensação de tecido areolar denso (junto com vasos e nervos) que se estende lateralmente do colo uterino até a parede lateral da pelve, no plano frontal[1]. Em mulheres com endometriose profunda de compartimento posterior, o acometimento parametrial ocorre em até 25% dos casos[2]. O ureter atravessa o paramétrio antes de entrar na bexiga, o que aumenta a chance das portadoras apresentarem hidroureter e hidronefrose, com graves consequências. Além de sua íntima relação com o ureter, o paramétrio possui rica vascularização e inervação, o que torna desafiadora a ressecção das lesões de endometriose desta região.

 

Diagnóstico

 

        A endometriose parametrial, apesar da sua gravidade, ainda apresenta desafios para um diagnóstico precoce. Os principais sintomas apontados pelas pacientes com lesões nesta localização são dismenorreia, dispareunia de profundidade, infertilidade, disquezia, disúria e dor pélvica crônica, o que não difere em nada das pacientes com endometriose que acometem outros sítios da pelve[3]. Apesar da importância na identificação dos sintomas, a concordância entre o grau de dor e os achados pélvicos podem ser discordantes[4].

        O acometimento do paramétrio pode trazer alguns sintomas relacionados às estruturas ali encontradas, principalmente quando acomete os ureteres e os nervos. Quando esses últimos estão envolvidos, pode haver alteração de parâmetros urodinâmicos (resíduo aumentado e obstrução do fluxo urinário) e também queixas urinárias, como dificuldade para urinar, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga e interrupção do jato[5].

       Um dos grandes avanços dos últimos anos no diagnóstico da endometriose foi a melhora dos métodos de imagem[5,6]. O diagnóstico por imagem da endometriose evoluiu muito com a utilização da ultrassonografia transvaginal (USTV-PI) e com a ressonância magnética da pelve (RM-PI), ambas com preparo intestinal. Por ser uma doença retroperitoneal, não é incomum encontrar pouco focos peritoneais clássicos. Nesses casos, o cirurgião fica ainda mais dependente dos achados de imagem para o correto planejamento da abordagem da endometriose.

        Na avaliação da endometriose dos compartimentos anterior e posterior, o desempenho da USTV-PI é muito bom e com sensibilidade e especificidade em torno de 95% para a avaliação dos compartimentos anterior e posterior, porém não há evidências consistentes na literatura da avaliação do compartimento lateral (paramétrio) por este método. O acometimento na topografia do ureter é descrito, mas normalmente é a única informação relevante fornecida pela USTV-PI no que diz respeito ao paramétrio[7]. Já a RMP-PI consegue fornecer informações bem detalhadas do grau de infiltração, tamanho da lesão, estruturas acometidas e limites. Outra vantagem da RM-PI é a possibilidade de avaliação adequada até a parede pélvica. Essa avaliação parametrial já foi bem demonstrada em paciente com câncer de colo do útero[8]. Bazot et al. publicaram em um estudo preliminar, sensibilidade e especificidade de 83,3% e 98,6%, respectivamente na avaliação do paramétrio acometida por endometriose com RM-PI. Encontraram uma prevalência de 14,3% de comprometimento do paramétrio nessa série de casos[9].

 

Tratamento

 

        A base terapêutica se mantém em relação aos casos em outros sítios. Inicialmente, o tratamento clínico pode ser tentado nas lesões menores (usualmente com menos de 2cm) para o controle dos sintomas álgicos. Importante salientar, que o tratamento clínico não é capaz de erradicar os focos, ou mesmo garantir que o mesmo não se desenvolva. Contudo, em alguns casos, pode trazer alívio sintomático e melhora na qualidade de vida[9,10]. O tipo de tratamento clínico mais usado continua sendo o uso de contraceptivos orais combinados ou de progestagênios isolados[11].

         Nos casos de lesões maiores, a indicação cirúrgica é adequada devido a chance de acometimento funcional de algumas estruturas nobres do paramétrio. A compressão ureteral pelo nódulo de endometriose pode causar hidronefrose, com consequente perda da função renal, se não tratada em tempo hábil.

        Quando indicado o procedimento cirúrgico, a ressecção de todos os focos visíveis da doença apresenta bons resultados na melhora dos sintomas álgicos; assim como podem melhorar as taxas de gravidez espontânea em pacientes inférteis. Devemos salientar, que pela complexidade da cirurgia, idealmente essa deve ser realizada por equipe multidisciplinar e a paciente deve ser informada sobre a possibilidade de complicações específicas[12].

         Uma vez em que o procedimento cirúrgico exige a ressecção dos focos da doença, o cirurgião deve decidir sobre a realização da parametrectomia, que pode ser parcial ou completa. Por não se tratar de cirurgia oncológica, idealmente a ressecção parametrial deve ser limitada apenas à porção afetada. A preservação de nervos não acometidos minimiza as complicações funcionais intestinais e urinárias. É importante realizar sistematização cirúrgica, que permite a preservação das estruturas nobres. Inicialmente deve ser feito o restabelecimento da anatomia, para posteriormente ser realizada a exérese dos focos, de forma segura e com menor risco de lesões iatrogênicas. Desta forma, a dissecção do ureter (ureterolise quando envolvido pela doença) é etapa fundamental nas ressecções parametriais - primeiro pelo fato de que muitas dessas pacientes apresentam a forma extrínseca ou intrínseca da doença ureteral, em segundo lugar para que se evite uma lesão do mesmo durante a manipulação do compartimento lateral[13].

         Além da ureterólise, outro tempo cirúrgico muito importante nessa região é a neurólise (nerve-sparing). Este procedimento consiste na identificação e liberação dos nervos pélvicos (envolvidos ou não no foco da doença), a fim de evitar que haja secção inadvertida dos mesmos durante a ressecção parametrial. Inicia-se com abertura dos espaços pré-sacral e pararretais e, “caminhando” pelos espaços avasculares, as fibras simpáticas do plexo hipogástrico inferior, dos nervos hipogástricos e do tronco lombossacral são preservadas[14].

        A não realização desses cuidados durante o procedimento cirúrgico está relacionada a complicações importantes, dentre elas, as disfunções urinária, retal e sexual. Estudo sobre esse ponto comparou dois grupos de pacientes submetidas à ressecção parametrial para o tratamento de endometriose profunda, com resultados que mostraram diferença drástica na incidência de disfunções neurológicas da pelve. Aproximadamente 85% das pacientes que foram submetidas à cirurgia sem realização de neurólise apresentaram algum tipo de disfunção neurológica, enquanto que no grupo submetido à ressecção parametrial com preservação nervosa, esse tipo de alteração foi evidenciado em apenas 1,6% das pacientes[14].

 

Conclusão

 

        A endometriose infiltrativa de paramétrio parece ser mais frequente do que se imagina e é considerada uma apresentação grave da doença. Na maioria das vezes, lesões nessa localização requerem ressecção cirúrgica. Esse procedimento deve ser realizado por equipe experiente, multidisciplinar e com a sistematização cirúrgica, que envolve restabelecimento da anatomia, dissecção de ureter e preservação neural.

 

Referências Bibliográficas

 

[1]   Touboul C, Fauconnier A, Zareski E, Bouhanna P, Daraï E. The lateral infraureteral parametrium: myth or reality? Am J Obstet Gynecol 2008;199:242.e1–6.

[2]   Ballester M, Santulli P, Bazot M, Coutant C, Rouzier R, Daraï E. Preoperative evaluation of posterior deep-infiltrating endometriosis demonstrates a relationship with urinary dysfunction and parametrial involvement. J Minim Invasive Gynecol 2011;18:36–42.

[3]   Vercellini P, Trespidi L, De Giorgi O, Cortesi I, Parazzini F, Crosignani PG. Endometriosis and pelvic pain: relation to disease stage and localization. Fertil Steril 1996;65:299–304.

[4]   Fauconnier A, Fritel X, Chapron C. [Endometriosis and pelvic pain: epidemiological evidence of the relationship and implications]. Gynecol Obstet Fertil 2009;37:57–69.

[5]   de Resende Júnior JAD, Crispi CP, Cardeman L, Buere RT, Fonseca M de F. Urodynamic observations and lower urinary tract symptoms associated with endometriosis: a prospective cross-sectional observational study assessing women with deep infiltrating disease. Int Urogynecol J 2018.

[6]   Reid S, Condous G. Update on the ultrasound diagnosis of deep pelvic endometriosis. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2017;209:50–4.

[7]   Exacoustos C, Malzoni M, Di Giovanni A, Lazzeri L, Tosti C, Petraglia F, et al. Ultrasound mapping system for the surgical management of deep infiltrating endometriosis. Fertil Steril 2014;102:143–50.e2.

[8]   Hricak H, Gatsonis C, Chi DS, Amendola MA, Brandt K, Schwartz LH, et al. Role of imaging in pretreatment evaluation of early invasive cervical cancer: results of the intergroup study American College of Radiology Imaging Network 6651-Gynecologic Oncology Group 183. J Clin Oncol 2005;23:9329–37.

[9]   Bazot M, Jarboui L, Ballester M, Touboul C, Thomassin-Naggara I, Daraï E. The value of MRI in assessing parametrial involvement in endometriosis. Hum Reprod 2012;27:2352–8.

[10] Vercellini P, Viganò P, Somigliana E, Fedele L. Endometriosis: pathogenesis and treatment. Nat Rev Endocrinol 2014;10:261–75.

[11] Dunselman GAJ, Vermeulen N, Becker C, Calhaz-Jorge C, D’Hooghe T, De Bie B, et al. ESHRE guideline: management of women with endometriosis. Hum Reprod 2014;29:400–12.

[12] Kho RM, Andres MP, Borrelli GM, Neto JS, Zanluchi A, Abrão MS. Surgical treatment of different types of endometriosis: Comparison of major society guidelines and preferred clinical algorithms. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2018.  

[13] Cavaco-Gomes J, Martinho M, Gilabert-Aguilar J, Gilabert-Estélles J. Laparoscopic management of ureteral endometriosis: A systematic review. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2017;210:94–101.

[14] Ceccaroni M, Clarizia R, Bruni F, D’Urso E, Gagliardi ML, Roviglione G, et al. Nerve-sparing laparoscopic eradication of deep endometriosis with segmental rectal and parametrial resection: the Negrar method. A single-center, prospective, clinical trial. Surg Endosc 2012;26:2029–45.

 


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