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Estado atual do tratamento do prolapso da parede vaginal anterior

Sexta, 01 Dezembro 2017 18:29

Dra. Márcia Maria Dias

Dra. Maria Augusta Tezelli Bortolini

Uroginecologia

UNIFESP- EPM

 

        Prolapso de órgãos pélvicos (POP) é um sério problema de saúde que, ainda hoje, desafia os ginecologistas que atuam nesta área (1). O risco de uma mulher se submeter a uma cirurgia para POP ou incontinência urinária de esforço até a idade de 80 anos é de 11,1% (2). A parede vaginal anterior é a mais afetada, respondendo por mais de 80% dos procedimentos cirúrgicos para prolapso (2).

        O POP ocorre por lesões ou deficiências dos tecidos de suspensão e/ou sustentação dos órgãos pélvicos: fáscia endopélvica, ligamentos e m. levantador do ânus. As principais causas de lesão destas estruturas são a paridade e o parto vaginal (3).

 

O tratamento

        O tratamento do prolapso da parede vaginal anterior (PPVA) deve basear-se nos sintomas relatados pelas pacientes e nos achados do exame físico. Pode ser clínico ou cirúrgico e sua escolha depende da gravidade do prolapso e do estado geral da paciente.

        Para o tratamento clínico, podemos considerar mudanças no estilo de vida tais como perda de peso e abandono do tabagismo, melhora dos hábitos intestinais, etc. Além destes, a fisioterapia auxilia no fortalecimento do assoalho pélvico, reduzindo a sintomatologia e prevenindo agravamento do POP. O uso de pessários vaginais é uma boa opção terapêutica para as mulheres não-candidatas ou que não desejam correção cirúrgica, repercutindo em melhora importante na qualidade de vida das pessoas acometidas. No entanto, carecemos de mais pesquisas abordando padronizações das práticas do tratamento com pessários para demonstrar seu papel na rotina de tratamento de prolapsos.

        Quanto ao tratamento cirúrgico, pode ser realizado por via abdominal, para tratar os defeitos laterais, ou vaginal, pela qual se pode realizar as cirurgias obliterativas incluindo as colpocleises, ou as técnicas reconstrutivas utilizando-se de tecidos nativos, como a colporrafia anterior tradicional, ou a correção com uso de próteses (telas).

        A abordagem das cirurgias reconstrutivas têm sido influenciada nas últimas décadas pelos crescentes conhecimentos da anatomia e funcionamento do aparato de sustentação e suspensão dos órgãos pélvicos (4).

        A colporrafia anterior, descrita em 1913 por Howard Kelly, tendo como base a plicatura da fáscia pubocervical, tem sido associada a altas taxas de recidiva (5,6), aventado ser por utilizar tecidos frágeis e lesados. Esse racional impulsionou a utilização de telas, biológicas autólogas (fáscias) e heterólogas (tecido cadavérico, porcino e bovino) e sintéticas absorvíveis e não absorvíveis (2,7), para reconstrução do PPVA.

        Entretanto, Dallenbach P., em revisão sobre cirurgia reconstrutiva de POP publicada em 2015, considera que estas altas taxas de recidivas atribuídas à colporrafia anterior, foram superestimadas (8). Sob outro ponto de vista, as taxas de reoperação para recidiva da parede anterior tratada pela colporrafia tradicional podem ser tão baixas quanto 3,5%, devido ao fato de que prolapso de grau leve ou moderado, em geral, é assintomático, não requerendo novo tratamento (9).

        Recentes estudos mostram que telas sintéticas parecem ser superiores às telas biológicas e, ambas, melhores do que a colporrafia anterior tradicional, em relação aos resultados anatômicos. No entanto, associam-se com maior número de complicações, sem diferença em resultados subjetivos e melhora na qualidade de vida das pacientes que se submetem a estas técnicas.

        O uso de telas via vaginal está associado a um risco não negligenciável de complicações inerentes ao material utilizado, tais como sangramento, exposição, erosão, infecção, granulomas, contração da tela, dispareunia, fístulas, dor crônica e outras, reduzindo a qualidade de vida e trazendo a necessidade de cirurgias adicionais. Em 2008, atualizado em 2011, o American Food and Drug Administration (FDA) faz um alerta sobre sérias complicações associadas ao uso de telas sintética (10), e em 2016, reclassifica esse material de risco II para risco III.

        Em estudo nacional, Delroy et al., em 2013, publica os resultados de um estudo prospectivo, randomizado, controlado, comparando colporrafia anterior tradicional com correção com tela sintética do PPVA, em seguimento de 1 ano, em que obteve cura anatômica em 56,4% e 82,5% respectivamente (p=0.018), e uma taxa de exposição de tela de 5%. Entretanto, não houve diferença em relação à qualidade de vida, que melhorou nos dois grupos (11). Em extensão deste estudo, com resultados de seguimento de 2 anos, Dias et al, publicam uma taxa de cura anatômica de 51.52% versus 45.95% para colporrafia anterior e correção com tela, respectivamente (p=0.810) e com uma taxa de exposição de tela de 13.5%, numa demonstração de que os resultados da cirurgia com tela, também sofrem a influência do tempo e as complicações são crescentes (12).

        As mais recentes metanálises publicadas na literatura não trazem modificações em relação às conclusões já descritas em estudos anteriores. Assim, Juliato et al. concluem que “cirurgia com tela para prolapso vaginal anterior apresenta melhor taxa de cura anatômica e menor recorrência, sem diferenças em relação à cura subjetiva, reoperação e qualidade de vida. Há maior tempo cirúrgico e perda sanguínea. O uso de telas deve ser individualizado” (13).

        Por sua vez, uma revisão da Cochrane, reportou que o uso de telas sintéticas transvaginais para o tratamento do PPVA, resulta em taxas mais baixas de recidiva, mas está associado com maiores taxas de complicações, como erosão, lesão vesical e “de novo” IUE, quando comparado com a colporrafia anterior tradicional (14).

        Finalmente, no mais recente estudo encontrado na literatura, publicado em 2017, Glazener et al., em ensaio multicêntrico, randomizado, controlado, compararam colporrafia anterior com tela sintética ou tela biológica, num seguimento de 2 anos, que envolveu 1348 mulheres. As conclusões deste estudo são que o reforço de um reparo vaginal com tela sintética ou biológica não melhoraram a efetividade do tratamento nem a qualidade de vida a curto prazo, porém, uma em cada dez pacientes teve alguma complicação (15).

Conclusão

        Apesar de várias técnicas terem sido propostas ao longo da história da cirurgia vaginal, a taxa de sucesso a longo prazo ainda é questionável (16). A chave do problema do tratamento cirúrgico do POP está, de modo geral, em identificar estruturas, naturais ou artificiais, que forneçam a sustentação necessária para resultados adequados e persistentes.

         Até o momento, não há evidência científica que apoie o uso de material sintético ou biológico no tratamento primário do PPVA. A maioria dos estudos existentes na literatura são ainda de seguimento curto. Como preconizado pela Associação Internacional de Uroginecologia (IUGA), a colporrafia anterior tradicional segue sendo o tratamento cirúrgico de primeira escolha, enquanto o uso de telas deve ser reservado para casos selecionados (recidivas, ausência de tecidos nativos apropriados), com os riscos de complicações inerentes a esta técnica sendo cuidadosamente informados para as pacientes (17).

 Referências

  1. Lensen EJ, Withagen MI, Kluivers KB, Milani AL, Vierhout ME. Surgical treatment of pelvic organ prolapse: a historical review with emphasis on the anterior compartment. Int Urogynecol J. 2013;24(10):1593–1602.
  2. Maher CM, Feiner B, Baessler K, Glazener CMA. Surgical management of pelvic organ prolapse in women: the updated summary version Cochrane review. Int Urogynecol J 2011;22:1445–1457.
  3. MacLennan AH, Taylor AW, Wilson DH, et al. The prevalence of pelvic floor disorders and their relationship to gender, age, parity and mode of delivery. 2000;107:1460-70.
  4. DeLancey JOL, Kane Low L, Miller JM, Patel DA, Tumbarello JA. Graphic integration of causal factors of pelvic floor disorders:an integrated life span model. Am J Obstet Gynecol. 2008;199:610.e1-610.e5.
  5. Weber AM, Walters MD, Piedmonte MR, et al. Anterior colporrhaphy: a randomized trial of three surgical techniques. Am J Obstet Gynecol. 2001;185:1299-306.
  6. Olsen AL, Smith VJ, Bergstrom JO, Colling JC, Clark AL. Epidemiology of surgically managed pelvic organ prolapse and urinary incontinence. Obstet Gynecol. 1997;89(4):501-6.
  7. Brubaker L, Maher C, Jacquetin B, Rajamaheswari N, von Theobald P, Norton P. Surgery for pelvic organ prolapse. Female Pelvic Med Reconstr Surg. 2010;16(1);9-19.
  8. Dällenbach P. To mesh or not to mesh: a review of pelvic organ reconstructive surgery. Int J Womens Health. 2015 Apr 1;7:331-43.
  9. Kapoor DS, Nemcova M, Pantazis K, Brockman P, Bombieri L, Freeman RM. Reoperation rate for traditional anterior vaginal repair: analysis of 207 cases with a median 4-year follow-up. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2010;21:27-31.
  10. Food and Drug Administration. FDA safety communication: UPDATE on serious complications associated with transvaginal placement of surgical mesh for pelvic organ prolapse. Silver Spring (MD): FDA; 2011. Available at: http://www.fda.gov/MedicalDevices/Safety/AlertsandNotices/ucm262435.htm. Retrieved July 27, 2011.
  11. Delroy CA, Castro RA, Dias MM et al. The use of transvaginal synthetic mesh for anterior vaginal wall prolapse repair: a randomized controlled trial. Int Urogynecol J. 2013 Nov;24(11):1899-907.
  12. Dias MM, de A Castro R, Bortolini MA et al. Two-years results of native tissue versusvaginal mesh repair in the treatment ofanterior prolapse according to different success criteria: A randomized controlled trial. Neurourol Urodyn. 2016 Apr;35(4):509-14. 
  13. Juliato CR,Santos Júnior LCHaddad JMCastro RALima MCastro EB. Mesh Surgery for Anterior Vaginal Wall Prolapse: A Meta-analysis. Rev Bras Ginecol Obstet. 2016; 38(7): 356-64.
  1. Maher C, Feiner B, Baessler K, Christmann-Schmid C, Haya N,Marjoribanks J. Transvaginal mesh or grafts compared with native tissue repair for vaginal prolapse. Cochrane Database Syst Rev 2016;2:
  1. Glazener CM, Breeman S, Elders A et al. mesh, graft or standard repair for women having primary transvaginal anterior or posterior compartment prolapse surgery: two parallel-group, multicenter, randomized, controlled trials 9PROSPECT). Lancet, 2017;389(10067):381-392
  1. Clark AL, Gregory T, Smith VJ, Edwards R. Epidemiologic evaluation of reoperation for surgically treated pelvic organ prolapse and urinary incontinence. Am J Obstet Gynecol. 2003;189(5):1261–1267
  1. Davila GWBaessler KCosson MCardozo L. Selection of patients in whom vaginal graft use may be appropriate. Consensus of the 2nd IUGA Grafts Roundtable: optimizing safety and appropriateness of graft use in transvaginal pelvic reconstructive surgery. Int Urogynecol J.2012;23 Suppl 1:S7-14.


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